Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A surpresa da pesquisa

 

A primeira rodada de pesquisa do Datafolha depois do primeiro turno das eleições em São Paulo contradiz todas as previsões anunciadas pelas pesquisas anteriores e até mesmo pelo resultado parcial das urnas.

Aparentemente, se estiver correto o levantamento do instituto, Fernando Haddad, candidato do PT, leva uma vantagem de dez pontos porcentuais sobre seu adversário José Serra, do PSDB.

Essa circunstância cria um cenário interessante para observar o comportamento da imprensa paulista nas duas próximas semanas: como os jornais vão reagir diante da hipótese de derrota do candidato que apoiam explicitamente?

A Folha de S. Paulo, que controla o instituto Datafolha, evita declarações diretas mas suas escolhas editoriais diárias não deixam dúvidas quanto a suas preferências. O Estado de S. Paulo já fez seu manifesto em favor de José Serra, em editorial de duas semanas atrás, no qual concitava o eleitor a evitar o candidato “aventureiro” e sem programa de governo e descartar o outro, cujo partido, segundo o jornal, tem por prática o “aparelhamento” do Estado.

Jogo duro

Ora, todos os partidos no poder, seja no município, no âmbito estadual ou no governo federal, distribuem preferencialmente os cargos de confiança entre pessoas indicadas pelos integrantes da aliança que os elegeu. O que o jornalão está a dizer é que, na sua opinião, o eleitor não deve apoiar a coalizão que tem como centro o PT, porque os controladores da mídia preferem um partido mais conservador.

Tanto a Folha quanto o Estadão deveriam anunciar, diariamente, que sua visão de mundo não contempla a hipótese de o partido no poder central superar o episódio do chamado “mensalão” e conquistar a prefeitura da maior cidade do país.

E isso não tem a ver com o escândalo da corrupção: por alguma razão que merece reflexão mais acurada, a imprensa, como o Vaticano, é uma instituição conservadora, quando não reacionária. É de sua natureza.

Mesmo o discurso em defesa da moralidade pública mal funciona como capa para essa escolha a priori: o PSDB, que se beneficia dessa preferência dos jornais, ainda terá que enfrentar o julgamento do seu próprio mensalão.

Nesse cenário em que a imprensa majoritária não tem como dissimular sua frustração, o resultado da primeira pesquisa de intenção de voto no segundo turno pode vir a desatar a ira dos deuses da mídia contra o desejo expresso dos eleitores.

A se julgar, é claro, que o instituto Datafolha tem seus parâmetros bem preservados, nem mesmo o mais crédulo dos analistas acharia que José Serra terá facilidade para reverter esse número: visto como tendência, o retrato atual da disputa indica um espaço maior para crescimento de Haddad, enquanto o candidato do PSDB chega perto do limite de sua rejeição.

Mensalão e kit gay

Teremos, então, duas alternativas: a imprensa tentará digerir a possibilidade de ver o poder mudar de mãos na capital paulista, com uma cobertura equilibrada, ou vai se lançar à aventura conforme o roteiro dos marqueteiros de campanha da candidatura em desvantagem.

O primeiro tema que surge à mente é, sem dúvida, a condenação dos ex-dirigentes do Partido dos Trabalhadores pelo Supremo Tribunal Federal, José Dirceu e José Genoíno. O segundo pode ser qualquer coisa, como a questão do desastrado projeto de campanha contra a homofobia que a própria imprensa popularizou como “kit gay”.

Em ambos os casos trata-se, claramente, de um processo de apropriação de questões muito caras ao interesse público, para efeitos político-partidários.

No caso da campanha anti-homofobia, pode-se criticar o método, mas é preciso considerar a necessidade de campanhas em favor da tolerância, levando-se em conta a frequência dos atos de violência contra homossexuais.

No caso da corrupção condenada pelo STF, convém lembrar que o ato criminoso, embora eventualmente cometido em nome de uma instituição, tem autoria individualizada reconhecida pela corte.

É muito provável que o público esteja saturado dessa questão, por ação da própria imprensa, o que poderá conduzir os responsáveis pelas campanhas eleitorais a tratar, efetivamente, dos projetos dos candidatos para atacar os problemas da cidade.