Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A tragédia nigeriana

Em comentário recente, focalizando a tragédia provocada pelo fundamentalismo terrorista muçulmano no território francês, chamei a atenção dos leitores para um outro ato virulento contra os direitos humanos praticado na mesma ocasião por fanáticos religiosos no maltratado continente africano. Expressei a opinião de que o mundo inteiro, a partir das lideranças das grandes potências, deveria organizar manifestações semelhantes àquelas que, compreensivelmente, ocorreram em Paris, em sinal de justa solidariedade na dor e no sofrimento ao povo nigeriano.

Ao lançar no papel tais considerações, não tinha conhecimento ainda de um texto bastante elucidativo que me foi encaminhado por uma amiga querida, engajada em fecunda atividade pastoral cristã, a respeito dos acontecimentos em terras d’África. Tendo por cenário a Nigéria, os acontecimentos em questão são descritos como “um dos mais brutais massacres dos últimos anos da história do continente”. A Nigéria possui 175 milhões de habitantes (o mais populoso do continente, 7º do mundo) sendo detentor do 38º PIB mundial. Povoado por 500 grupos étnicos, conta com avolumada presença de cristãos no meio de uma população de predominância islâmica. O texto aludido, de autoria do jornalista Giampaolo Petrucci, foi publicado na revista Adista Notizie, de 24 de janeiro passado. A tradução é de Moises Sbardelotto. Entendo de suma oportunidade reproduzi-lo nesse “minifúndio de papel” (lembrando o jornalista e escritor Roberto Drummond). Seguem titulo e análise publicados. “A fé, os interesses e os silêncios, chave de leitura do Boko Haram: De acordo com informações não oficiais, mas bem credenciadas, como a Anistia Internacional e a BBC, teriam sido mais de duas mil as vítimas da ofensiva lançada a partir do dia 3 de janeiro passado pelo Boko Haram na região de Baga, onde o grupo fundamentalista ocupou uma importante base militar, posto avançado de uma força tarefa multinacional africana na região.”

O recrudescimento da atividade terrorista chega a um mês das eleições presidenciais do dia 14 de fevereiro, nas quais o atual presidente cristão Goodluck Jonathan, no poder desde 2010, vai se recandidatar, mesmo sendo considerado politicamente incapaz de adotar estratégias críveis de combate ao terrorismo – também por causa de um Exército desorganizado, mal pago, corrupto e mal equipado – e de controlar o território para evitar os conclamados conluios entre governos locais e terroristas.

A sonolenta indignação da mídia

O Boko Haram – locução hausa que significa “a educação ocidental é pecado” – começou os ataques no estado de Borno (nordeste da Nigéria) em 2009, mas, com as recentes intensificações do conflito, ele aspira, confiando também na filiação ao Estado Islâmico, à desestabilização de um dos países mais ricos de petróleo do mundo, além da constituição de um grande califado para além das fronteiras com os Camarões, o Chade e o Níger, capaz de se expandir para toda a África ocidental muçulmana, já amplamente abalada pelo avanço dos movimentos jihadistas na região do Sahel.

Só em 2014, o Boko Haram massacrou mais de 10 mil civis, a grande maioria muçulmanos, e provocou a fuga de mais de 1,7 milhão de pessoas. Depois das medidas de segurança adotadas pelas forças de segurança nigerianas nos mercados e nas praças do norte, os fundamentalistas mudaram a estratégia de ataque, forçando meninas e moças pouco mais do que adolescentes a se fazerem explodir em lugares particularmente lotados de civis.

Precisamente o indizível horror provocado pelos últimos atentados realizados em Maiduguri e em Potiskum com esse modus operandi finalmente chamou a atenção da sonolenta indignação da mídia e das instituições internacionais sobre o drama nigeriano.

A segunda parte deste relato vem reproduzida na sequência.

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Cesar Vanucci é jornalista