Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A difícil tarefa de escrever obituários

A ombudsman do Washington Post dedicou sua coluna de domingo [9/4/06] ao desafio, enfrentado por jornalistas ao escreverem obituários, de lidar com quem acaba de perder um ente querido. Deborah Howell explica que, quando familiares e amigos ligam para o jornal para dar detalhes de alguém próximo, é comum que queiram enfatizar partes positivas da vida da pessoa.

Um exemplo recente ocorreu com o obituário do general Samuel W. Koster Sr, publicado no dia 10/2. Segundo Deborah, a família do general não ficou satisfeita com o título e grande parte do obituário focado no massacre de My Lai, na Guerra do Vietnã, em 1968. O massacre de 500 civis vietnamitas na aldeia de My Lai por um pelotão americano constitui um dos maiores escândalos da história militar dos EUA; soldados americanos estupraram as mulheres antes de matá-las e executaram bebês, o que contribuiu para precipitar o fim da Guerra do Vietnã.

Koster liderou as tropas envolvidas no massacre, embora não estivesse presente durante os assassinatos. Seu filho, Robert Koster, afirmou que o pai ‘prestou um serviço à nação em três guerras’ e que seu obituário ‘foi sensacionalista e menos equilibrado do que nós preferiríamos’. Enquanto outros aspectos da vida do general foram mencionados, como seu exercício como superintendente da academia militar de West Point e seu trabalho na central da Agência de Segurança Nacional em Fort Mead e no Centro Militar de Aberdeen, a jornalista Patricia Sullivan, que escreveu o obituário, observa que ‘o massacre de My Lai foi o evento mais conhecido de sua carreira’.

Para a editora da seção de obituários, Yvonne Shinhoster Lamb, é difícil conseguir um equilíbrio ao escrever sobre a vida das pessoas – principalmente logo após sua morte. ‘Tentamos ser o mais cuidadosos possível para disponibilizar o perfil mais completo da pessoa. A família quer mostrar o melhor lado e não quer lembrar a parte dolorida. Mas são estas partes que algumas vezes mostram como esta pessoa é vista diante dos olhos do público’, afirma.

A ombudsman alega que, mesmo entendendo as preocupações da família, os obituários também são notícias e devem obedecer aos mesmos padrões de qualquer notícia jornalística no Post. A única diferença, segundo ela, é o uso de títulos honoríficos como forma de respeito. Divórcios também são notícia. Certa vez, um leitor pediu que os enteados fossem listados como filhos, mas a precisão é importante no jornalismo.

Obituários e avisos fúnebres

Alguns leitores confundem os obituários, que são artigos escritos por jornalistas e não são pagos, com os avisos fúnebres, pagos por familiares e amigos para informar a morte e o enterro de um ente querido. O jornal escreve obituários gratuitamente sobre qualquer um que tenha morado em Washington durante a maior parte de sua vida, ou sobre pessoas de interesse significativo no mundo.

A ombudsman conta que o Post aumentou o espaço para obituários nos últimos anos, e a qualidade deles também melhorou. A seção de obituários é a preferida de Deborah. Seis jornalistas trabalham nesta seção, e eles também têm que lidar com prazo e com concorrentes, como os jornais New York Times e Los Angeles Times.

Embora a morte seja um tema difícil, os profissionais que escrevem os obituários gostam do que fazem. ‘Para minha surpresa, é incrivelmente interessante’, diz Patricia. O repórter Matt Schudel, que também trabalha na seção, revela que depois que escreve o primeiro parágrafo, ele recria a vida, e não escreve sobre a morte.

Alguns obituários são preparados antes da morte da pessoa. ‘Quando alguém está gravemente doente, é uma boa idéia preparar as informações mais importantes’, diz Deborah. No ano passado, Adam Bernstein, que é um dos jornalistas da seção de obituários, recebeu um telefonema de Edward von Kloberg III, um lobista de Washington que representou ditadores e tiranos. Kloberg sabia que ia morrer logo e pediu para ter seu obituário preparado. Bernstein concordou em almoçar com ele, desde que o lobista prometesse responder a todas as perguntas sinceramente. Segundo o jornalista, Kloberg cumpriu a promessa.