Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A imprensa, a semântica e a ideologia

É muito interessante a exposição Imagens que Mentem, que acontece na cidade de Berna, Suíça. A exposição mostra uma coleção com mais de 300 fotografias dos últimos cem anos que passaram por processos de manipulação de imagem para transmitirem idéias diferentes das quais estavam originalmente relacionadas. São fotos publicadas em capas de revistas, jornais e periódicos de todo o mundo, que são exibidas em seus originais e suas ‘mutações’.

A exposição mostra também imagens de TV (sim, elas também podem ser falsificadas) que passaram por processos similares de mudança ou alteração em seu sentido original. Na lista de falsificações famosas, estão a do líder comunista Lênin, que teve seus companheiros Trotsky e Kamenev removidos de uma fotografia em que o líder bolchevique discursava; a ex-princesa Diana, num beijo com o amante Dodi (que não aconteceu naquela ocasião); e uma cena com dois soldados estadunidenses e um iraquiano – que na montagem (um simples corte na foto) transmitia a falsa idéia de que o iraquiano tinha uma arma apontada na cabeça.

Interessante, mas não novidade. A manipulação da mídia e de seus produtos noticiosos acontece no dia-a-dia, seja em fotografias alteradas em programas de computador, em legendas que alteram o sentido de uma imagem, pela omissão de informações que descontextualizam um fato ou pelo uso ‘estratégico’ de certas palavras na construção de períodos. A nossa língua, aliás, é rica neste sentido, e permite infinitas ‘saídas’ para jornalistas inescrupulosos.

Tanto que a Lingüística possui, como uma de suas subdivisões, a Semântica, que, ao contrário da Sintaxe – que trabalha na estrutura e forma em que os vocábulos são usados –, se dedica ao sentido que uma palavra adquire no contexto. Assim, uma palavra que etimologicamente possui um determinado significado, passa a ter outro diferente, dependendo de como, onde e quando ela foi usada. Já o porquê, perguntem à Veja.

Informativo x opinativo

Este tipo de manipulação, na verdade, é bem mais perigoso (as alterações técnicas podem ser identificadas por especialistas), já que se comporta como uma ferramenta atuante no inconsciente do indivíduo receptor. Sendo assim – e isto é tema constante de debates fervorosos nas academias de Jornalismo –, os gêneros meramente informativos, que deveriam se ater apenas aos fatos e jamais a juízos de valor, acabam por se tornar meios de ‘desconstrução’ da realidade. A este respeito, os teóricos da comunicação afirmam que cada indivíduo, jornalista ou não, faz uma apreensão da realidade, sendo esta, portanto, relativa e variante conforme a interpretação – que é individual e intransferível.

O jornalismo dito ‘opinativo’ é, por assim dizer, mais ‘verdadeiro’ que o informativo, já que traz juízos de valor e argumentos assinados por alguém (ou não, se for o caso dos editoriais). Portanto, as idéias contidas no texto estão estampadas em claras opiniões; portanto, não em ‘verdades’ ou ‘fatos’, já que o leitor pode concordar integralmente, concordar ou discordar em termos, ou discordar totalmente. Assim fazem os jornalistas Luis Nassif, quando publica uma série de textos ácidos sobre a revista Veja, e Reinaldo Azevedo, quando defende o mesmo periódico. O mesmo pode ser dito de Diogo Mainardi, quando ataca ferozmente a esquerda, ou de Fidel Castro, em sua atual posição de ‘soldado de idéias’ no jornal estatal de Cuba, o Granma.

O gênero informativo, tal como é usado pela imensa maioria dos meios de comunicação do país, é cínico. Alguns jornalistas usam de sua face dita ‘imparcial’ como meio de esconder opiniões. É aí que se esconde o perigo. Ora, quando o leitor toma em mãos um artigo de Mainardi, ele sabe o que vem pela frente; isso faz com que seu cérebro se ‘prepare’ para a leitura, seja para concordar ou não. No gênero informativo, isto não acontece – salvo nos casos de leitores mais atentos à caixinha de surpresas da grande mídia. O receptor comum (embora isto não o torne ingênuo) pode encarar ‘fatos’ descritos como propulsores de opiniões, quando, na verdade, os próprios ‘fatos’ são opiniões.

Sem medo de retaliações

Exemplos não faltam. Quem não lembra da edição tendenciosa do debate entre os candidatos à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor, feita pela TV Globo em 1989? Quem não leu ou ao menos não ouviu falar da polêmica ‘reportagem’ sobre Che Guevara recentemente produzida pela Veja? Como disse, exemplos não faltam. Perguntem à Veja, à Globo, à Folha de S.Paulo e tantas outras emissoras e periódicos controlados por políticos ou de posições políticas claras.

Não que os veículos de comunicação não tenham o direito de se posicionar politicamente; longe disso. Isto é um direito de qualquer um, inclusive de jornais, vale lembrar aos radicais. A liberdade política é uma conquista alcançada a duras penas, após muitas mortes no regime militar. O que não se pode é ocultar suas posições político-ideológicas atrás da falsa postura de neutralidade e imparcialidade – recurso muito bem usado pela grande mídia brasileira, e que deveria ser encarado como crime de estelionato (artigo 171 do Código Penal Brasileiro). Para isso serviria um Conselho Federal de Jornalismo, e não para ‘censurar’, como afirmam muitos.

O jornalismo está perdido? O gênero informativo está perdido? Não, não mesmo. Bastaria um punhado de bom senso e de vergonha na cara para muitos profissionais; ou, quem sabe, tirar da gaveta o bom e velho Código de Ética do Jornalismo (muitos nem se lembram mais do que se trata). Quem lembra e não deixa de lado tais princípios, não se mascara na suposta posição de neutralidade ou imparcialidade, mas expressa verdadeiramente suas opiniões sem medo algum de retaliações. Opiniões, ressalto. Com nome e sobrenome.

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Estudante de Jornalismo no Centro Universitário do Norte (Uninorte), Manaus, AM, onde trabalha na assessoria de comunicação da Secretaria Municipal de Meio Ambiente