Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A imprensa, esta incompreendida

Todos criticam a mídia. Pode parecer que lendo os artigos aqui, ela seja francamente direitista, no epíteto usado mais amiúde neste site para desmoralizá-la sem necessidade de analisá-la de verdade. Mas, se olharmos outras fontes de análise, com a visão dos jornalistas de ‘direita’, estes se queixam justamente que é a esquerda que toma conta das nossas redações e o povo vive desinformado para que a ‘revolução bolivariana’ tenha prosseguimento, silenciando completamente sobre a existência do Fórum de São Paulo. O grupo, simpatizante irrestrito da personalidade do nosso presidente e dos métodos de Hugo Chávez, que insiste em não reconhecer a sua truculência e falta de comportamento civilizado em reuniões internacionais, que a tudo nele deva ser perdoado, criou um Movimento dos Sem Mídia para tentar ‘domar’ a imprensa para que ela tenha a sua mesma visão ‘inteligente’ dos fatos. Que só paute uma informação se já pautou outra dos adversários políticos do movimento. Tipo divisão de jujuba, uma para um lado, outra para o outro.

A imprensa paga por ter cão e por não ter. Todos querem que ela seja pautada pelos seus valores de grupo e quer que a mesma seja servil aos mesmos, criticando aos outros, e escondendo as suas falsas verdades, seus defeitos. Grupos pequenos de visões particularizadas desejam dela a conivência e a sua verdade como pedra de toque das pautas. Revoltam-se quando a maioria possui uma interpretação diferente das suas dos fatos. Políticos sonham com o dia que ela será ‘controlada’ e domesticada para que possam seguir no seu esporte favorito, se locupletaram com o dinheiro público em paz e passando aos olhos dos desinformados por homens honrados e probos.

O que não é novidade na história é que a truculência seja o método preferido de calar a mesma, desde o início da divulgação das idéias e do pensamento. A mais revolucionária forma de derrubar falsas verdades sempre foi desejada ser controlada por quem quer o poder ou se aproveitar para viver da ilusão e da exploração da credulidade pública para passar bem. Impor a sua ideologia sem o devido contraditório e mediar o direito dos outros de terem o livre acesso à palavra escrita e falada.

A quem Deus protege?

Assim, o OI na semana passada reproduz o artigo ‘Imprensa acusada pelas tensões religiosas‘, de Thalif Deen, que vem cobrindo as Nações Unidas desde os anos 1970. Relata a conclusão expressada por todos: a culpa é da imprensa que informa mal, e não da religião, de que exista a intolerância religiosa. Como mais uma visão de que a informação livre atrapalha a criação de uma realidade que as lideranças políticas e religiosas desejam criar, como a do presidente Bush, de que existia perigo real e imediato de Saddam Hussein e suas inexistentes armas de destruição em massa, os líderes religiosos querem que os fatos sejam omitidos e fornecidas versões ‘neutras’ do que ocorre nestes conflitos.

Apesar de a mídia poder ser fomento de guerras e de erros, como o caso da Escola Base e outros tantos exemplos aqui relatados seguidamente, não pode ela por isto se omitir de divulgar os fatos e atribuir responsabilidade a Bush ou à visão religiosa como causa do mal estar atual no mundo. Inúmeros casos mostram que o problema religioso, além de promessas falsas de paz, tranqüilidade e progresso (sem falar do estelionato de prometer um lugar no céu de inúmeras virgens) não promove nas pessoas o que pregam, não dá a proteção do Deus Fiel, e nem garante nada para quem ‘segura’ a mão Dele, a não ser retirar-lhes o dízimo religiosamente. E muito menos a tranqüilidade interna que deveria promover aos fiéis que ficam impelidos a sair corrigindo a obra de Deus pela espada, aviões, mísseis ou bombas. A quem Deus protege primeiro no Iraque? Os marines em círculo rezando a Deus, ou os civis inocentes confiantes na bondade e justiça de Alá? Os fiéis no templo, ou o homem-bomba em missão terrorista para explodi-los lá dentro por divergirem? A seleção canarinho ou a azurra?

Exemplos de fanatismo

É só analisar a violência existente no Iraque pós-invasão para atribuir fundo religioso.

Quem mais morre aos milhares depois do fim dos combates são os civis e religiosos pela intolerância entre nacionais membros da mesma fé, mas que se odeiam pelas filigranas divergências delas. Como ocorreu no cristianismo entre católicos e protestantes e todas as seitas derivadas. Os próprios judeus entre suas ramificações são intolerantes, desde a fuga do Egito quando matavam sem piedade membros da própria família frente à mínima divergência. A Irlanda do Norte é um exemplo persistente destes valores solidários falsos em conflito.

Querer, como desejam, que grupos fundamentalistas não sejam vistos como religiosos, é o mesmo que querer negar a inquisição e os seus objetivos e métodos – como pregam atualmente – como não sendo catolicismo. Tirando tudo de ruim que fizeram, até Hitler e Stalin se transformam em santos. Pol Pot estava repleto de boas intenções no seu coração formado na Sorbonne para criar uma sociedade mais justa. Mas é inegável que seus crimes foram cometidos pela sua adesão bem-intencionada ao socialismo.

A prisão de membros da ONU em missão humanitária no Afeganistão por portarem uma Bíblia, a destruição da estátua de Buda, as reações coletivas contra as charges dinamarquesas com ataques às embaixadas, a reação passional das massas às palavras do papa na Universidade de Regensburg, na Alemanha; o pedido de proibição de turistas que visitam as ilhas Maldivas portarem seus símbolos de fé que não sejam islâmicos, a prisão e a solicitação das massas de condenação à morte da professora inglesa que permitiu, a pedido dos seus alunos, colocar o nome de um ursinho de brinquedo de Maomé, ao mesmo tempo em que fazem uma ‘limpeza’ religiosa em Darfur, são apenas alguns exemplos do que ocorre por lá.

Um erro comum

Aqui temos o interesse que a mídia oculte os casos de pedofilia da igreja católica, que não critique o mercantilismo das igrejas arrecadadoras vendendo promessas de fortuna e felicidade aos que pagam religiosamente o dízimo. O que é de admirar que um Deus que alegam que existe há bilhões de anos, que criou o universo infinito ‘perfeito’, precise destas pessoas para poder continuar existindo, necessite tirar dinheiro dos incautos para realizar a sua ‘obra’ e que a mídia deva silenciar sobre as afirmações de seus auto-alegados profetas e pastores.

Pode-se pensar que pessoas também matam por política e por futebol. Apesar do esporte e a política não prometerem a transformação espiritual, não é justificável que se mate por eles. E por esporte ou religião são motivos altamente tolos para que assim se proceda. A religião, como uma forma de experiência pessoal íntima, deve ser vivida pelo crente, e não ser imposta pelos crentes para os outros seguirem. Quem não deve comer carne de porco ou não desenhar caricaturas do profeta são aqueles que acreditam que isto os levará a purificação. Não são valores para impor aos outros, como não é impor que alguém seja sócio dos Clubes dos Caixeiros Viajantes ou do Corinthians. Trata-se apenas de um erro comum, achar que o mundo seria melhor se a ignorância fosse mais fácil de ser mantida pela desinformação.

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Médico, Porto Alegre, RS