Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

ABI denuncia violência contra jornalista

Em declaração firmada por seu Presidente, a ABI expressou ‘vigoroso protesto’
contra o processo penal ajuizado na 25ª Vara Criminal do Rio contra o jornalista
Ancelmo Gois, que, por publicar uma informação procedente em sua coluna no
jornal O Globo, pode ser condenado à pena de dois a seis anos de reclusão
por suposta violação do artigo 325, parágrafo 1°, do Código Penal, que pune
funcionário público por violação do sigilo funcional. Ancelmo Gois não é
funcionário público.


Na declaração, cujo texto será comunicado ao Presidente do Tribunal de
Justiça, Desembargador Sérgio Cavalieri, e ao Procurador-Geral de Justiça do
Estado, Procurador Marfan Martins Vieira, a ABI salienta que a decisão judicial
de aceitação da denúncia contra o jornalista colide com as disposições
constitucionais que asseguram a plenitude da liberdade de informação, como
expresso no artigo 220, parágrafo 1°, da Constituição da República, e repete
violações semelhantes do texto constitucional cometidas pela Justiça de outros
Estados da Federação.


Na notícia que ensejou o processo, Ancelmo Gois informou o desfecho
desfavorável a um desembargador de uma ação indenizatória movida contra ele por
uma juíza de Direito a quem ele dera voz de prisão e acusara de prevaricação. O
processo correu indevidamente em segredo de justiça, como acentuou em pedido de
hábeas-corpus o defensor de Ancelmo, advogado Alcyone Vieira Pinto Barretto, e
esse pormenor justificou a incriminação do jornalista como co-autor de suposto
crime cujo agente principal, um serventuário da 5ª Câmara Cível da capital,
nunca foi identificado.


A nota da ABI


A declaração da ABI tem o seguinte teor:




‘A Associação Brasileira de Imprensa vem a público expressar vigoroso
protesto contra mais uma restrição imposta por órgão do Poder Judiciário ao
exercício da liberdade de informação, desta feita no Estado do Rio de Janeiro,
que repete com esse episódio violações semelhantes do texto constitucional
cometidas pela Justiça de outros Estados da Federação.


Agora a vítima de uma decisão judicial que colide com as disposições
constitucionais é o jornalista Ancelmo Gois, titular de uma das mais
prestigiadas colunas da imprensa do País e profissional que exerce a sua
atividade jornalística com alto sentido ético e respeito ao direito da sociedade
de ser informada. Por decisão do juiz da 25ª Vara Criminal da capital, foi
acolhida denúncia do Ministério Público contra Ancelmo Gois por ter noticiado em
sua coluna o desfecho desfavorável a um desembargador de uma ação indenizatória
contra ele movida por uma juíza de Direito a quem dera voz de prisão e acusara
de prevaricação. Ancelmo foi considerado co-autor de crime capitulado no artigo
325, parágrafo 2°, do Código Penal, que pune a violação do sigilo funcional, sem
que a investigação policial efetuada tenha identificado o agente principal, o
serventuário da Justiça que teria fornecido ao jornalista a informação por este
divulgada. Pretende o Ministério Público que Ancelmo Góis seja condenado à
pesada pena prevista para esse delito: dois a seis anos de reclusão.


Embora a defesa de Ancelmo Gois esteja confiada a profissional competente, o
advogado Alcyone Vieira Pinto Barretto, que ajuizou pedido de hábeas-corpus para
trancamento dessa esdrúxula ação penal e certamente merecerá acolhimento na
instância a que recorreu, a Associação Brasileira de Imprensa não pode deixar
sem reparo nem censura um processo judicial eivado de anomalias, como a sua
tramitação em segredo de justiça sem que se configurem os pressupostos
estabelecidos para tal pelo Código de Processo Civil, apenas para atender a
reprovável corporativismo no Poder Judiciário, a incriminação em delito típico
de funcionário público de quem funcionário público não é e, mais grave, a
violação da liberdade de informação assegurada pelo artigo 220, parágrafo 1°, da
Constituição Federal.


Lamenta a ABI que esses procedimentos tenham sido acolhidos não apenas por
órgão do Poder Judiciário, mas também pelo Ministério Público do Estado do Rio
de Janeiro através de um dos seus membros, que, ao promover a denúncia contra
Ancelmo Gois, ignorou que uma das mais recentes campanhas cívicas em que se
empenhou o Ministério Público, tanto no âmbito regional como no plano nacional,
foi exatamente em defesa do direito de seus integrantes de não se deixarem
amordaçar, como faz ou pretende fazer com Ancelmo Góis essa extravagante ação
penal.


Dada a relevância do bem constitucional vulnerado por esse processo judicial
– a liberdade de imprensa, que tem entre seus elementos essenciais a liberdade
de informação –, a ABI dará ciência desta sua manifestação ao digno Presidente
do Tribunal de Justiça do Estado, Desembargador Sérgio Cavalieri, e ao eminente
Procurador-Geral de Justiça do Estado, Procurador Marfan Martins Vieira, os
quais têm a responsabilidade de zelar pelo respeito à Constituição pelos membros
das instituições que dirigem e desempenham esse múnus com extremada exação.


Rio de Janeiro, 30 de julho de 2005


Maurício Azedo, Presidente da ABI.’


 


INFORMAÇÃO E SIGILO
TJ-RJ suspende processo criminal
contra Ancelmo Gois


Aline Pinheiro (*)


[Reproduzido da revista Consultor Jurídico,
1/8/2005]


A 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro suspendeu
liminarmente, na quinta-feira (28/7), processo penal contra o jornalista Ancelmo
Gois. Ele está sendo processado por publicar informação que estava sob segredo
de Justiça. Se condenado, pode pegar até seis anos de prisão. O relator,
desembargador Carmine Savino Filho, solicitou mais informações à 25ª Vara
Criminal da Justiça do Rio, onde o processo tramita.


Gois publicou, no dia 27 de fevereiro de 2004, em sua coluna no jornal O
Globo
, a informação de que o desembargador do TJ-RJ Francisco José de
Asevedo foi condenado a pagar indenização de R$ 170 mil para a juíza Tereza
Cristina Sobral Bittencourt Sampaio, da 5ª Vara de Órfãos e Sucessões, por tê-la
acusado de prevaricação e lhe dado voz de prisão.


Gois foi denunciado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro como
co-autor por publicar o desfecho do caso já que o processo corre em segredo de
Justiça. O resultado desfavorável ao desembargador teria sido divulgado ao
jornalista por um funcionário público da 5ª Câmara Cível da capital fluminense,
que não foi identificado.


Em nota oficial enviada ao presidente do TJ-RJ, desembargador Sérgio
Cavalieri, e ao procurador-geral de Justiça do Rio, Marfan Martins Vieira, a ABI
(Associação Brasileira de Imprensa) alega que a aceitação da denúncia contra
Ancelmo Gois contraria disposições constitucionais que garantem a liberdade de
informação.


Sigilo da fonte


Advogados, questionam se o segredo de Justiça pode ser aplicado a um
jornalista, que não é funcionário público. Alcyone Vieira Pinto Barretto,
advogado responsável pela defesa de Ancelmo Gois, acredita que, se o jornalista
tivesse revelado sua fonte, ou seja, o servidor que lhe passou as informações,
não sofreria esse processo. Para ele, no entanto, isso é um
‘absurdo’, já
que a lei de imprensa prevê justamente o contrário, que o jornalista preserve
sua fonte. ‘Como jornalista, ele não está sujeito a um crime cometido por
funcionários públicos.’ Segundo Barretto, por não ser agente público, Gois não
violou o sigilo funcional. Ele não revelou o processo, mas apenas noticiou uma
decisão.


Barreto também alega que, na consulta de andamento processual disponível na
internet, estavam disponíveis até os nomes das partes, e não consta que o
processo tramitava em segredo de Justiça. No pedido de Habeas Corpus para
suspender o processo penal, o advogado lembra que o inciso LX do artigo 5º, da
Constituição Federal, estabelece que ‘a lei só poderá restringir a publicidade
dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou do interesse social o
exigirem’, o que não acontece no fato. No Habeas Corpus, Barretto ainda escreve
que a denúncia ‘tem por escopo não fazer justiça, mas vingança por ter o
paciente, como jornalista, mantido o sigilo da fonte de informação’.


Outros especialistas ouvidos pela Consultor Jurídico têm a mesma posição de
Barretto. Para eles, o jornalista pode sim publicar a informação da decisão,
mesmo se o processo estiver sob sigilo. ‘Ele pode noticiar a decisão, mesmo se o
processo estiver sob segredo de Justiça, desde que não publique a decisão ou
peculiaridades’, considera o advogado Alexandre Fidalgo, do escritório Lourival
J. Santos.


Aldo de Campos Costa, advogado e professor da Faculdade de Direito da UnB,
também entende que o segredo de Justiça preserva o conteúdo do material, e não a
notícia do seu resultado.


Interesse público


Para o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, se jornalistas
fossem destinatários do sigilo imposto aos processos com segredo de justiça, o
governo não teria encaminhado ao Congresso projeto de lei exatamente com essa
previsão. Como tem repetido insistentemente em seus votos, Celso de Mello
assegura que aos jornalistas cabe divulgar as informações que recebe e ao agente
público protegê-las.


Quanto ao enquadramento suscitado, o parágrafo 1º do artigo 325, o ministro
chama a atenção para o fato de que, a partir do artigo 312 do mesmo Código
Penal, os dispositivos constantes, chegando ao artigo 325, tratam todos de
crimes de servidores contra a administração pública caso em que, evidentemente,
não se enquadram jornalistas. O fato reforça a noção expressa pelo criminalista
Paulo José da Costa Júnior, em livro, onde firma que o particular a quem for
revelado segredo não pratica o crime, ‘a menos que o mesmo tenha instigado o
funcionário a revelar o que se divulgou’.


Na opinião do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, o
enquadramento ‘parece não se aplicar’ ao caso concreto. Também falando em tese,
o ministro assinala que, ao menos em relação à legislação em vigor, a infração
citada no Código Penal só é possível quando no pólo passivo se encontrar um
servidor público.


Outra ressalva, já feita pelo ministro em muitos de seus votos, diz respeito
à presença do interesse público no fato noticiado. O desembargador em questão
não praticou os atos questionados na esfera de sua privacidade ou da sua
intimidade. Foi um ato funcional e público – e, ao público, o infrator deve
satisfações – componente que tira do fato o véu do sigilo.


O ministro Marco Aurélio, sobre o mesmo tema, começa por questionar se o
segredo de justiça, previsto para proteger da divulgação elementos constantes do
processo, se estende também à decisão. ‘Precisamos estabelecer o que é regra e o
que é exceção’, alerta o ministro. ‘Não podemos interpretar de maneira elástica
a exceção – esse critério se aplica à regra. A exceção deve ser interpretada de
forma restrita’, afirma ele referindo-se à vedação da publicidade prevista na
Constituição.


Nessa linha de raciocínio, o ministro chega a perguntar sobre a validade de
sigilo em uma corriqueira ação indenizatória por dano moral. ‘Não se pode
potencializar o segredo em desfavor do interesse público que se sobrepõe ao
interesse individual’, afirma.


O criminalista Alberto Zacharias Toron, também esclarecendo falar em tese, já
que há advogado constituído no caso, diz não ter dúvida de que ‘jornalista não
se insere no contexto divisado no texto legal’. Para Toron, que diz ver o caso
com preocupação, ‘o texto se dirige claramente ao agente público’.


(*) Repórter da revista Consultor
Jurídico




***


Abraji repudia processo contra colunista




Reproduzido do site da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo
(Abraji), 5/8/2005


Ancelmo Góis, colunista do jornal O Globo, sofreu denúncia do
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e foi processado por publicar
informações mantidas sob segredo de Justiça a respeito de uma disputa judicial
entre magistrados. Caso seja condenado, Góis pode pegar até seis anos de
prisão.


Em diversos países do mundo, a responsabilidade por manter o sigilo sobre
atos administrativos ou jurídicos cabe exclusivamente ao agente público (juiz ou
outro servidor). Cada vez mais, porém, especialmente nos Estados Unidos e no
Brasil, juízes têm decidido punir o jornalista que publica informações vazadas.
É essa a raiz do caso que levou a jornalista Judith Miller, do New York
Times
, à prisão.


A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) condena essa
tendência, lembrando que a lei prevê a punição apenas do servidor público que
revela segredos que conheça em virtude do cargo (estatuto do servidor, art.228,
inc.9). O jornalista, por não ser servidor público, não pode ser
responsabilizado por isso.


Muitas vezes, como demonstra a história das últimas quatro décadas, a
publicação de informações sigilosas pela imprensa é crucial para que as
instituições ajam e, assim, corrijam suas práticas, principalmente em países,
como o Brasil, onde ainda persiste uma cultura de pouca transparência. É essa a
raiz do direito à proteção da fonte (Constituição
Federal, art. 5º, inciso
14).


No mundo inteiro, revelações importantes como a de um amplo esquema de
sabotagem política comandado pela Casa Branca (a partir do caso Watergate)
vieram à tona e chegaram às conseqüências conhecidas apenas porque a imprensa
insistiu na publicação de procedimentos que ficariam sob sigilo e seriam
abafados caso não se tornassem públicos.


Para a associação, a punição de jornalistas por noticiarem fatos sigilosos só
colabora com a perpetuação da opacidade, indo na contramão da transparência dos
atos públicos – pela qual jornalistas, magistrados e os cidadãos em geral
deveriam lutar.