Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Acordo desvendado, três meses depois

Num texto sereno, cristalino e didático publicado na Página Dois do Estado de S.Paulo (‘Igreja e Estado‘, 14/2), o cardeal-arcebispo de São Paulo, D. Odilo P. Scherer, desvendou definitivamente o caso do acordo Brasil-Santa Sé que tanta celeuma provocou em novembro passado.


O presidente Lula foi ao Vaticano, foi recebido pelo papa Bento 16 no dia 13 de novembro, como sempre acompanhado pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e por um séquito de jornalistas de grande imprensa.


Houve abraços, benções, fotos e nenhuma declaração sobre o teor do encontro entre o presidente da República e o Sumo Pontífice. O noticiário dos dias seguintes foi insignificante, desencontrado e visivelmente despistador.


A oposição esperneou, o texto do acordo foi postado no site do Itamaraty (ver aqui uma versão bilíngüe) e este Observatório da Imprensa reclamou contra o estranhíssimo conluio entre o governo, o patronato jornalístico e os jornalistas encarregados da cobertura (ver ‘Acordo por debaixo dos panos‘, ‘Omissão da mídia sobre o acordo com o Vaticano‘, ‘Notícia (convenientemente) ignorada‘ e ‘Mídia se cala sobre o acordo do governo com a Santa Sé‘).


Transparência incomum


Passados exatos três meses, o esclarecimento. Embora D. Odilo mencione sempre no seu texto a palavra acordo, trata-se de um tratado entre os dois Estados. Preenche um vácuo deixado pela proclamação da República e o fim do regime do padroado e, ao mesmo tempo – conforme sugere o título do artigo, ‘Igreja e Estado’ –, é um instrumento para regular as relações entre o Estado brasileiro e apenas uma confissão religiosa, a católica. As demais ficaram de fora. O tratado infringe, portanto, o laicismo expresso na Constituição de 1988.


D. Odilo prestou um enorme serviço à sociedade brasileira. Nada escondeu, adotou uma transparência incomum. E deixou mal a imprensa, os jornalistas que testemunharam o episódio e, sobretudo, o governo que não perde uma chance de desancar os meios de comunicação, mas desta vez serviu-se de suas fragilidades para disfarçar uma jogada política.