Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Água na Boca é leve como um suflê

Comparar novelas da Rede Bandeirantes com suas similares da Globo é como querer alinhar produções hollywoodianas às do cinema brasileiro, tal a discrepância dos meios de produção. Mas a modéstia tecnológica é o que se torna cativante, tanto em filmes nacionais como na emissora paulista: é o caso de Água na Boca, novela que vai ao ar de segunda a sábado às 20h15, logo após o Jornal da Band.

Pode parecer pretensão fazer o público abdicar do Jornal Nacional para acompanhar uma ficção que transpira improvisação, mas a charmosa trama de Marcos Lazarini irradia exatamente o contrário disso, e acaba resultando num bom motivo para escapar das tensões do noticiário.

O charme começa na vinheta de abertura, alcança os protagonistas (meios verdes, mas com química e carisma) Dani e Luca (Rosane Mulholland e Caetano Maihlan) e borda o próprio enredo – um Romeu e Julieta moderno em torno de uma saborosa rivalidade gastronômica entre franceses e italianos.

Mas não fica por aí. Ao invés de apelos para a violência, suspense ou terror, artifícios de que se valem suas concorrentes, a Band concentrou-se em dilemas culturais tipicamente brasileiros: como país migrante e mestiço, são vários os conflitos de descendentes, com nisseis não suportando mais comida japonesa, filha de nordestinos não vendo a hora de se livrar do baião, enquanto os pais tentam manter a todo custo suas ‘identidades’ no Brasil da miscigenação.

Romance e humor

A textura da imagem é cinematográfica, e não é possível saber se, em tempos de alta definição, isso é uma alternativa às imperfeições dos estúdios ou um recurso estético. Mas o resultado é bonito, agradável, diferente. No elenco (refugos da Globo, atores experientes de teatro e jovens iniciantes), destaque para a histrionice de Carl Schummacher.

Na Globo, A Favorita estreou com audiência descendente, o público provavelmente ainda estarrecido com Duas Caras, uma das piores novelas que a Globo já pôs no ar. Se teve um casamento homossexual, por outro lado foi basicamente reacionária: exibiu uma criança (Renato) insistindo o tempo todo na reconstituição de um casal e a amante (Célia Mara) como personagem negativo, uma megera. Além disso, seu libelo contra o preconceito racial foi uma espécie de sistema de cotas: só fez reforçá-lo, com direito a uma cena de um casal negro entre lençóis murmurando ‘raça pura’. Uma lástima.

A Favorita tem como pontos altos as ótimas interpretações de Glória Menezes, Patrícia Pilar e Nelson Xavier. Mas a fórmula já está traçada: a perseguição, que é a narrativa dos filmes de ação, será o dominante na novela, com a mocinha sofrendo as investidas da vilã. As tensões trabalhistas são desvinculadas do movimento sindical, e a censura jornalística é apresentada de forma difusa. Quem preferir leveza, romance e humor, deve evitar a letargia do controle remoto.

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Jornalista e pesquisadora