Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

As desculpas não aliviam a nossa dor

No domingo (10/5) à noite, um pouco antes de se completarem os dez dias do massacre que nós, educadores (professores e funcionários de escolas) e servidores públicos, sofremos na praça pública em frente ao Palácio Iguaçu, o governador Beto Richa foi à mídia anunciar solenemente um pedido de desculpas pelo ocorrido.

Aparentemente, um gesto de grandeza. Assumir e reconhecer erros é uma atitude para pessoas nobres. No entanto, o tal pedido ocorreu praticamente dez dias após o massacre. E nestes dias, com a dor na alma acompanhamos uma tentativa desvairada do seu governo de culpabilizar o movimento – através de um enredo vexatório – a fim de se desresponsabilizar de qualquer culpa. Primeiro tentaram transformar alguns indefesos estudantes e professores em black blocs. A convicção do governo era tanta nesta história que carrinho de pamonha virou depósito das bombas, groselha virou sangue e uma solução à base de vinagre virou bomba caseira. Até parece o que chamamos na literatura de realismo fantástico.

Mas, tirando um pouco a ironia, com o fracasso da estratégia, a narrativa governamental começou a tentar jogar a culpa nos já pressionados policiais e, com certeza, muitos deles devem ter vivido uns dos piores dias de suas vidas. Muitos foram obrigados a bater nos professores dos seus próprios filhos. Creio que alguns, se viram em algum momento atacando a si próprios. Quantos daqueles e daquelas não devem ter na família companheiras(os), irmãos (as), mães, tias ou algum familiar que exerce a profissão de educar? O ex-secretário da Segurança Pública, com a conivência do governador, foi à imprensa acusar o comando da Polícia. E se não fosse, a reação do próprio comando, possivelmente, Franscichini ainda estaria no cargo.

Solidariedade e apoio

A omissão do senhor governador, do secretário da Casa Civil, da segurança pública e do próprio presidente da Assembleia Legislativa no momento da tragédia é uma coisa assustadora. Aliás, foram mais de duas horas de bombardeio em cima dos educadores e servidores públicos. Não havia confronto. Bastava uma ordem do governador para que o massacre não continuasse. Ficaram surdos aos seguidos e inúmeros apelos. Sinceramente nunca vi tanta insensibilidade. Talvez a expressão que mais retrate esta insensibilidade foi a do presidente Ademar Traiano, quando disse: “Aqui não tem bomba, vamos votar!” Ou ainda, uma fala do seu secretário Sciarra, captada por uma testemunha em um dos andares da Assembleia Legislativa; “Mete bomba!” Como é triste lembrar de uma pessoa gritando no caminhão de som: “Por favor, pare com as bombas para que possamos buscar os nossos feridos.” Não tivemos nenhuma trégua! Até parece que o governo sofreu de uma catarse coletiva e o ataque aos manifestantes fosse um ato de purificação. Lamentável, no mínimo lamentável. Nós, educadores e servidores públicos, agradecemos muito às forças espirituais superiores por não termos tido nenhuma morte naquele dia.

Infelizmente não vimos da parte do governador um gesto de arrependimento, quando no dia seguinte ao massacre, em uma atitude de demonstração de força e às pressas, assinou a Lei que alterou o plano de custeio da previdência. As marcas de sangue ainda corriam pela praça. O silêncio do governador nos longos dias que antecederam o tal pedido de desculpas falaram por si só. Confortada por este silêncio, a equipe governamental se apressava em apagar as suas culpas e insanamente achar outros culpados.

Nestes quase dez dias que antecederam o pedido de desculpas do governador, o nosso único alento foi a solidariedade e o apoio que recebemos de milhares de pessoas do Paraná, do Brasil e do mundo. Esta solidariedade aliviou, sim, a nossa dor. Seremos eternamente gratos.

As bombas não vão nos calar

Em relação ao pedido de desculpas, mesmo que tardio, do senhor governador, não tenho muito o que falar. A dor ainda é muito grande. Fomos atacados e agredidos pelos três poderes do Estado. Foi uma sintonia fina constituída para nos atacar.

Não vejo que o governador seja uma pessoa mal intencionada ou de má índole. Não acredito nisto. No entanto, tem responsabilidade na tragédia ocorrida. Espero que o pedido de desculpas (até para que saia do campo da pieguice) seja materializado em ações concretas, como a punição de todos os responsáveis pelo que ocorreu, a revisão das alterações na previdência e, no mínimo, o respeito às leis que tratam das condições de trabalho e de salário dos educadores e servidores públicos do Paraná. Isto seria um começo.

Do mais, vamos seguir a nossa luta árdua, e às vezes até inglória, em defesa de uma educação pública de qualidade. Uma luta histórica feita já por muitos que não estão mais no nosso meio. Sigamos a luta, pois as bombas não vão nos calar!

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Luiz Carlos Paixão da Rocha é professor e mestre em Educação