Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Boletim IHU Online

‘Uma mídia democrática deve ser aberta à diversidade; seu poder deve ser disperso e o acesso a ela, descentralizado. Esse é o sonho de Norman Solomon, jornalista norte-americano, mentor do FAIR – Fairness&Accuracy in Media In Reporting (www.fair.org), dedicado à crítica da mídia e à identificação de notícias tendenciosas.Publica a revista bimensal Extra. Com artigos sobre a influência do governo e das corporações sobre a mídia, denuncia casos de censura e reportagens preconceituosas, principalmente contra mulheres, assalariados e minorias. Tem ainda um programa semanal de rádio, divulgado em 90 estações do país, a maioria não-comerciais e mantém uma coluna semanal em 20 jornais diários. É autor de nove livros, entre os quais Fontes não confiáveis e O Iraque na mira: o que a mídia não conta. IHU On-Line o entrevistou através do correio eletrônico.

IHU On-Line – O senhor é conhecido como um dos mais duros críticos da mídia norte-americana e mundial. Como o senhor definiria, de maneira ampla, a atuação mundial da mídia?

Norman Solomon – Os meios variam muito. Em algumas sociedades, a repressão do governo implementa a censura estatal. Em outras sociedades, tais como o Brasil e os Estados Unidos, há uma liberdade da imprensa que é, no entanto, limitada pelo poder do capital. A qualidade dos meios tem uma gama muito diversificada dentro de nossas sociedades capitalistas associadas às grandes empresas, mas a tendência dos meios de comunicação de massa é de homogeneizar e incentivar o consumismo, assim como dar prioridade aos interesses do lucro e das grandes empresas.

IHU On-Line – O senhor acredita que há espaço para uma mídia progressista? Isso estaria ocorrendo em algum lugar? Onde? Praticada por quem?

Norman Solomon – Os esforços das organizações de base para apoiar e promover mídias progressistas aproveitam o espaço das sociedades que permitem algumas liberdades democráticas consideráveis. Aqueles que podem se beneficiar, incluem aqueles que são, em grande parte, excluídos dos meios de comunicação de massa que estão nas mãos de grandes empresas. Tentam incluir, em especial, aqueles com rendas baixas e pouco poder político.

IHU On-Line – Na sua opinião, a população em geral compreende as críticas que são feitas à mídia?

Norman Solomon – Nos Estados Unidos, a crítica de mídia tende a ser, em sua maior parte, bastante superficial. Muito dela é ‘da casa’ — de fato, sustentada pelas mesmas instituições de mídia que a crítica de mídia supostamente desafia. O crescimento de instituições de esquerda independentes, que desafiam as grandes empresas, nos Estados Unidos, ajudou a propagar uma abordagem cética com relação ao ‘consumo’ de notícias, mas geralmente as críticas de mídia dominantes ainda são superficiais e não conseguem desafiar o núcleo do poder das grandes empresas de comunicação.

IHU ON-Line – Disso se consegue extrair alguma reação produtiva? Os debates no Fórum Social Mundial, por exemplo, do qual o senhor participou, apontaram para algumas soluções de enfrentamento do poder da mídia?

Norman Solomon – As reações ao status quo da mídia podem ser construtivas – analiticamente, sugerindo maneiras diferentes de olhar os meios de comunicação de massa e esforçando-se para criar canais de divulgação de modelos de mídia e organizações paralelos, ou alternativos.

IHU On-Line – O senhor acredita que os governos têm algum papel importante a desempenhar no controle da mídia? Ou essa é uma tarefa basicamente da sociedade civil?

Norman Solomon – Na maioria dos casos, parece que os governos não têm nenhuma motivação positiva para incentivar ou sustentar um jornalismo melhor. Os líderes do governo querem que a mídia sirva seus interesses, e a composição do governo geralmente torna esses interesses incompatíveis com os interesses democráticos da maioria, devido a, por exemplo, questões de classe econômica. Eu acredito que desafiar as grandes empresas de comunicação e realizar campanhas por meios de comunicação de massa melhores é, primeiramente, uma tarefa da sociedade civil, embora o poder do governo deva ser aproveitado para confrontar as instituições poderosas dominantes dos meios que existem atualmente.

IHU On-Line – Nesse sentido, o senhor deposita alguma esperança no governo brasileiro?

Norman Solomon – Eu não sei. O governo de Lula foi um pouco decepcionante até agora. Eu digo aos brasileiros: politicamente, Lula está começando a comportar-se bastante como o presidente Bill Clinton, bancando o ‘triangulador’.

IHU On-Line – Qual é a mídia dos seus sonhos?

Norman Solomon – Discurso democrático, fluxo de informação e debate; o poder disperso extensamente; acesso descentralizado às comunicações; abertura e diversidade genuínas que reflitam nossas sociedades.’



JORNALISMO CIENTÍFICO
Marcelo Leite

‘A sustentável liberdade de ler’, copyright Folha de S. Paulo, 9/05/04

‘Um grande debate -sobre o custo do acesso à literatura científica- sacode o setor das publicações internacionais que os pesquisadores brasileiros mais anglófilos preferem chamar de ‘journals’ e que os incautos traduzem como ‘jornais’. São aquelas revistas que realizam o trabalho de separar o joio do trigo científico e de publicar só o trigo (contradizendo uma célebre frase de Mark Twain sobre a publicação do joio).

Isso é feito por meio do processo de revisão pelos pares -vá lá, ‘peer-review’-, em que a qualidade dos trabalhos submetidos é avaliada anonimamente por especialistas da área, antes de serem aceitos para publicação. Não chega a ser perfeito, mas tem funcionado.

É um mercado milionário, hoje, como fica evidente no sucesso de publicações como a britânica ‘Nature’ (www.nature.com) e a norte-americana ‘Science’ (www.sciencemag.org), cuja circulação mundial anda na casa das centenas de milhares de exemplares. Já os leitores são provavelmente milhões, porque esse é o tipo de revista que se consulta em bibliotecas, ou por meio eletrônico no local de trabalho. Com isso, elas alcançam dezenas de leitores por exemplar. As assinaturas institucionais multiusuário são caras, de US$ 1.000 para cima.

Esse sistema começou a entrar em crise, ou pelo menos passou a ser questionado na prática, com a criação de revistas de acesso livre (‘open access’, em inglês). O movimento foi lançado nos Estados Unidos por um Nobel, Harold Varmus, e resultou na criação da ‘PLoS’ (Public Library of Science, ou biblioteca pública de ciência), com revistas eletrônicas como a ‘PLoS Biology’ (www.plosbiology.org). Nesse caso, em lugar de ser sustentado por assinaturas e publicidade impressa, o modelo econômico se baseia no pagamento dos custos de publicação pelos próprios autores, que desembolsam US$ 1.500 por artigo.

Uma das primeiras preocupações suscitadas pelo novo modelo foi a dificuldade adicional que criaria para cientistas de países menos desenvolvidos, mas instituições de fomento à pesquisa já manifestaram a disposição de custear suas tarifas. O acesso livre tem sido bombardeado, obviamente, pela direção das casas editoras científicas mais tradicionais, como o Grupo Editorial Nature. Seu argumento central é que, para se sustentar como negócio, publicações de acesso livre teriam de cobrar muito dos autores, até mais de US$ 50 mil por artigo.

Essa crítica acaba de sofrer um sério abalo com a divulgação de um relatório do Wellcome Trust, entidade financiadora de pesquisa do Reino Unido e um dos esteios do Projeto Genoma Humano. Simpático ao acesso livre, o Wellcome encomendou uma análise econômica dos dois modelos de publicação.

Segundo o relatório, que pode ser baixado pela internet (www.wellcome.ac.uk/en/images/costs_business_7955.pdf), seria possível criar e manter revistas de alta qualidade e impacto com tarifas de menos de US$ 2.000, contra mais de US$ 2.600 no sistema tradicional. ‘A evidência apresentada parece contradizer muitas das cifras citadas por editores comerciais e me força a questionar quanto lucro deveria ser obtido na publicação de pesquisas científicas, que carregam um benefício potencial para todos nós e são financiadas com dinheiro público’, disse Mark Walport, diretor do Wellcome Trust, ao portal de divulgação Science and Development Network (www.scidev.net).’