Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Carta Capital

FENAJ DERROTADA
Mino Carta

Lula, pelo amor de Deus…

‘Imploração ao presidente para que não assine o projeto nascido do trágico conluio entre a Fenaj e o Pastor Amarildo

Coisas deste país, único em que os jornalistas chamam de colega quem lhes paga o salário, e onde o nome do mais perfeito representante do poder midiático, Roberto Marinho, foi dado a imponente conjunto viário paulistano, outrora batizado poeticamente de Água Espraiada. A placa esclarece, pressurosa: JORNALISTA.

Então, vejamos. Aguarda a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva o projeto de lei da Câmara PLC 00079 2004, aprovado pelo Senado no início do mês. Atualiza a profissão (atualizar é o verbo usado pelos seus autores), amplia a exigência de diploma para exercê-la e eleva a arrecadação do imposto sindical. Eis aí mais uma invenção verde-amarela. Não sei de exigência igual, ou similar, em prática em qualquer outro canto do mundo.

A história começa em 1969, tempo de ditadura fardada. Os gendarmes da elite estavam preocupados com o day after dos milhares de reprovados pelos vestibulares. Excedentes desgostosos a tomarem cerveja pelos bares da vida. Era oportuno tirá-los das calçadas com a sedução de cursos novos. E fáceis. Nasceu ali a obrigatoriedade do diploma. Decisão fascista, para empregar o vocábulo exato.

O novo projeto, elaborado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e apresentado pela primeira vez pelo deputado Pastor Amarildo (PSB-TO), dilata de 11 para 23 as funções jornalísticas, entre elas reportagem fotográfica e cinematográfica, edição de sites, comentário esportivo, diagramação e charge política. Sim, sim, coisas nossas, do arco-da-velha.

Atenção, irmãos Caruso, Baptistão, Angeli e tantos outros que esgrimem com o lápis. Atenção, diretores de arte e diagramadores em geral. Atenção, mestres da objetiva e nem tanto. Atenção, Sócrates, Casagrande, Tostão etc. Cuidem rapidamente de providenciar seu registro para habilitar-se à atividade que praticam há anos, ou décadas.

O presidente da Fenaj, Sérgio Murillo, está, porém, eufórico. ‘É uma imensa vitória’, proclama. Celebra a derrota do senso comum, aplastrado pelo autoritarismo tão enraizado nas entranhas de tantos brasileiros. Como sempre, reina a maior confusão na área e nas cabeças. A questão é outra, e tem a ver com a estrutura do poder nativo, e com a prepotência dos seus donos.

Nos meus anos verdes, saí do Brasil e fui para Turim para trabalhar na redação do jornal La Gazzetta del Popolo, que se declarava independente, tinha alguma tendência conservadora, mas praticava um jornalismo honesto e era da propriedade de um fabricante de biscoitos, senador pelo Partido Democrata Cristão. Lá fiquei por um ano e meio, e no período o patrão jamais visitou seu jornal.

Mais me impressionou, no entanto, que, por lei, fosse negada aos empresários (repito, empresários) a direção de redação de órgãos midiáticos. O Gazzetta passou por maus momentos financeiros e o dono buscou a ajuda do seu partido. Conseguiu, o jornal tornou-se para-democrata cristão, sem que isso o levasse a comparecer em sua sede. Outra lei garantiu minha saída. Demiti-me com direito à indenização plena. Autorizava-a a mudança de linha política.

Tal é o ponto, no meu entendimento. Precisamos de outro gênero de projetos, em proveito da democracia. Da meritocracia. Da valorização do jornalismo como instrumento a favor da nação. Da iluminação do público. Do nivelamento por cima. Da contemporaneidade do mundo. Enquanto houver diretores de redação por direito divino, viveremos uma Idade Média.

Presidente Lula, preste um imenso favor ao seu Brasil: não assine o projeto.

(*) Diretor de redação da Carta Capital’



******************

Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo

Folha de S. Paulo

O Estado de S. Paulo

O Globo

Carta Capital

No Mínimo

Comunique-se

Último Segundo