Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Censura prévia vs. interesse público

Jornal eletrônico proibido de veicular notícias sobre Banco Santos

Por unanimidade de votos, a 7ª Câmara Cível negou agravo interposto por Bernardo Bittencourt Neto, editor do jornal eletrônico Gazetadenovo e confirmou liminar que determinou a proibição do jornal em veicular notícias que envolva o Banco Santos SA e Edmar Cid Ferreira nos casos da Fundação Copel e Sanepar ou outros, expondo-os ao desprezo público, sob pena de incidir em multa pecuniária diária no valor de R$ 15 mil. Para Bittencourt, a liminar deveria ser revogada pois caracterizaria censura prévia, impedindo que sejam noticiadas situações que podem caracterizar não só ato de improbidade administrativa, mas ato de favorecimento a determinadas pessoas, como contraprestação de favores. Alega ainda, que o fato noticiado pela coluna jornalística, longe de merecer censura ou reprimenda, devia ser recebido como auxílio aos princípios da legalidade e moralidade públicas. Para o relator, desembargador Mário Rau, não estão demonstrados, objetiva e indubitavelmente, a relevância dos fundamentos e a possibilidade de que não concessão resulte em lesão grave e de difícil reparação. O magistrado ressaltou ao final de seu voto que, no caso de se conceder o pedido, permitindo a propagação das notícias questionadas, a ação principal que versa sobre a obrigação de não fazer, restaria prejudicada.’

A notícia acima, veiculada pela revista eletrônica Consultor Jurídico (www.conjur.com.br), em 30/6/04, é extremamente preocupante na medida em que, em prol do interesse de pessoas jurídicas de direito privado, envolvidas em operações com entidades de direito público e/ou que afetam o interesse público, a liberdade de imprensa possa ser ferida – e, via de conseqüência, o direito à informação, fundamental à formação da opinião de cada cidadão, que se espera esteja consciente das situações que possam afetar suas escolhas, mormente quando afetas ao seu bem-estar, sempre dependente da prestação de serviços públicos essenciais.

Estranhíssima, para se dizer o mínimo, a propositura de ação pelo Banco Santos para impor a obrigação de não fazer a um órgão de imprensa, qual seja, a de não noticiar certos fatos sobre aquelas pessoas que possam expô-las ao ‘desprezo público’.

A matéria sobre a qual ficou proibida a veiculação de notícias pelo site Gazetadenovo (www.gazetadenovo.com.br) refere-se a negócios entre o referido banco, seu principal dirigente e entidades ligadas ao setor de serviços públicos do estado do Paraná. Este dado já evidencia o perigo que pode representar o afastamento da imprensa de temas que devam estar sempre submetidos ao controle social, isto é, os que envolvam negócios com recursos públicos, respeitantes a quem lhes fornece os devidos fundos, os cidadãos contribuintes.

A estranheza de tantos quantos tenham lido a notícia sobre tal decisão é aumentada pelo fato de, ainda que liminarmente, ter sido admitida a censura prévia – tanto que lograram os autores da malfadada ação a decisão judicial que impôs a proibição ao site de noticiar fatos envolvendo aquelas pessoas – físicas e jurídicas –, desde que o conteúdo das notícias provocassem o ‘desprezo público’. Ora, será que o problema está no órgão que informa ou a informação é que causa a reação do público, o seu desprezo? Será que veículos de informação só podem publicar comentários elogiosos? Ou seja, a imprensa deve manipular os fatos de tal sorte a transformá-los em matéria que atenda a interesses meramente privados? Será que somente as matérias que evoquem o apreço do grande público mereçam ser publicadas?

Não se perca de vista o que representou a cobertura de certos jornais americanos sobre a guerra contra o Iraque, o que mereceu o justo repúdio. Onde fica a informação isenta? A opinião pública, favorável ou não, pode ser manipulada, ainda que por decisão judicial? Sim, pois não poder publicar notícias sobre certas pessoas e seus negócios por provocarem a avaliação negativa da opinião pública equivale à manipulação sobre a verdade dos fatos e, pior de tudo, à censura prévia.

Com a palavra

Ressalte-se: o desprezo do público (ou não) está fora do controle do órgão de imprensa. Se a notícia desperta o desprezo público é o fato em si que é desprezível. Qual a responsabilidade do veículo de imprensa? Se as ações de certas pessoas, físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, causam o repúdio – o desprezo público – por que não compelir tais atores a corrigirem suas condutas?

Por outro lado, qual o valor pedagógico de decisão judicial dessa espécie? Onde está o valor pedagógico que toda decisão judicial deve conter?

As decisões judiciais não resolvem somente o caso concreto colocado à apreciação judicial. Devem elas ir além, e ensinar algo à sociedade, para que certas situações não se repitam ou sejam realizadas de outra forma.

Um esclarecimento seja feito: não se está a consagrar a irresponsabilidade dos meios de comunicação, de sorte que qualquer coisa possa ser publicada, sem a possibilidade de punição dos autores da notícia mentirosa e/ou criminosa. Ocorre que os casos de abuso devem ser combatidos somente quando a pretensa notícia seja falsa, ainda que em parte. Em suma, é preciso que tenha sido levada ao conhecimento do público, e que tal divulgação cause danos reais. Vale dizer: em respeito à liberdade de imprensa, sabidamente fundamental em Estados democráticos, a censura deve ser posterior à notícia que falseie a verdade dos fatos, ou que, por razões de proteção à estrita intimidade de pessoas – questões afetas a estados e fragilidades personalíssimos – não possam ser divulgados sem causar danos.

É difícil imaginar quais situações personalíssimas envolvendo pessoas jurídicas de direito privado (em especial um banco), relacionadas com entes de direito público – entenda-se envolvendo recursos públicos –, mereçam estar a salvo do conhecimento público.

O que será que está sendo tratado que, se levado ao conhecimento público, provocaria o desprezo público?

Com a palavra o meritíssimo juiz que impôs a censura prévia.

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Procuradora regional da República, associada do Instituto de Estudos ‘Direito & Cidadania’ (IEDC)