Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Cobertura simplista para um tema essencial

 

Ferramenta indispensável para a cidadania plena, a Educação tem evoluído nas últimas décadas, mas os índices brasileiros ainda são alarmantes. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de analfabetismo entre as pessoas com mais de 15 anos é de cerca de 10%. Apenas um quarto dos brasileiros completou o ensino médio e somente 8% terminaram o ensino superior. Um dado estarrecedor: nenhuma das séries avaliadas em 2009 pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) em Português e Matemática tem sequer 35% dos alunos com aprendizado compatível com a série. No terceiro ano do Ensino Médio, o percentual em Matemática era de apenas 10%.

O Plano Nacional de Educação, aprovado na semana passada na Câmara dos Deputados, prevê que, em dez anos, 10% do Produto Interno Bruto deverá ser aplicado em Educação. O patamar atual é de 5%. Para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a medida põe em risco as contas públicas e poderia quebrar o país. O projeto seguirá para o Senado e levantou polêmica na imprensa. Embora haja um consenso sobre a necessidade de priorizar a Educação e aumentar os investimentos, articulistas apontaram que é preciso gerir os recursos já existentes de forma mais eficiente.

A mídia pode ser um importante aliado na busca pela excelência no ensino. Há 55 dias, 99% dos professores de universidades federais estão em greve. A paralisação já atinge alunos de 49 instituições, mas a cobertura da mídia tem sido tímida. O Observatório da Imprensa exibido ao vivo pela TV Brasil na terça-feira [10/7] discutiu o espaço que a mídia dedica à Educação no Brasil e como a imprensa pode pressionar o poder público a melhorar a qualidade do ensino.

Alberto Dines recebeu três convidados. Em Brasília, o programa contou com a presença do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que foi ministro da Educação e governador do DF. Autor de diversos livros, o senador é conhecido por seu compromisso pela melhoria da Educação. No Rio de Janeiro, participaram o professor e jornalista Muniz Sodré e o editor-adjunto da editoria “O País” do jornal O Globo, Antônio Gois. Sodré é mestre em Sociologia da Informação e Comunicação e doutor em Letras. Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi presidente da Fundação Biblioteca Nacional e escreveu mais de 30 livros sobre Comunicação e Cultura. Antônio Gois é especializado em Educação e demografia. Começou a carreira no “Caderno de Educação” do jornal O Dia, foi repórter da Folha de S. Paulo e bolsista do programa Knight Wallace Fellowship, na Universidade de Michigan, onde estudou avaliação educacional.

Demanda da sociedade

No editorial que abre o programa, Dines explicou que esta pauta foi sugerida pelo telespectador Gilberto Ichiara, técnico administrativo da Universidade Federal do Tocantins. Gilberto escreveu para a ouvidoria da TV Brasil criticando a cobertura da greve nas universidades federais [veja o depoimento do telespectador]. Dines comentou que a imprensa opta pelo simplismo: “Quantos jornais têm seções especializadas em Educação? Por que a mídia dá tanta atenção às dietas e celulite e quase nenhum espaço à formação de médicos? A cobertura de educação nunca é tratada como emergencial porque são poucos os jornalistas especializados e porque nas redações impera o dogma que ‘Educação não vende jornal, não dá Ibope’. Não vende porque os pais de alunos não se interessam pelo futuro dos filhos ou porque os próprios veículos jornalísticos estão desinteressados no seu próprio futuro?”.

A reportagem exibida antes do debate ao vivo mostrou a opinião de duas especialistas em Educação. Gilda Helena Bernardino de Campos, professora do Departamento de Educação da PUC-Rio, destacou que é importante aumentar as verbas para Educação, mas é preciso administrar melhor os recursos: “Para utilizar este investimento, os professores, a escola como um todo deveria ser consultada para que possa gerir efetivamente este financiamento, esse dinheiro, para que chegue na ponta, para que chegue naquelas escolas nos locais mais recônditos e longínquos do país”. Na avaliação da professora, a mídia deveria tornar a importância da Educaçao mais visível para a sociedade e não se limitar a publicar notícias ruins sobre a área.

Além de pressionar o governo a formular políticas públicas efetivas, a imprensa deveria, na avaliação da consultora em Educação Regina de Assis, abrir mais espaço para o tema e ser mais plural. A consultora questionou como o cidadão pode estar bem informado sobre o ensino no Brasil se os veículos de comunicação não expressam as várias opiniões que estão em jogo. “Órgãos da grande imprensa no Brasil atualmente têm se limitado a dar a opinião de órgãos de governo e não dar a opinião de, por exemplo, milhares de professores”, criticou. Para Regina, é importante que a imprensa compreenda que políticas públicas de Educação e Saúde são políticas de Estado e não apenas do grupo político que está no poder.

Quando a Educação é pauta

O correspondente Silio Boccanera, baseado em Londres, contou que no Reino Unido o tema Educação está presente na mídia de forma regular e gera discussão na sociedade. Jornais publicam cadernos periódicos onde avaliam universidades de todo o mundo, tratam das escolas secundárias e criam tabelas de desempenho para comparar as instituições. A preocupação com a melhoria no sistema de Educação é permanente tanto na sociedade quanto na mídia.

O secretário de Estado britânico para a Educação, ministro Michael Gove, participa de programas jornalísticos com frequência para se explicar e “levar pedrada do público”. Nestes embates, a mídia segue o tradicional estilo londrino: é educada, mas cobra dos governantes em nome do povo. “Ocorreu isto essa semana com a ministra-assistente, atrapalhada em esclarecer o que o repórter da BBC cobrava dela. Até que, finalmente, ele perguntou: ‘Não lhe ocorreu que a senhora pode ser incompetente para o cargo que ocupa?’”, relatou Boccanera.

No debate ao vivo, o senador Cristovam Buarque destacou que a mídia deveria dar mais atenção à Educação porque ela é a chave para desenvolver a democracia, consolidar a República e fortalecer a economia. Há cinco anos, o senador coleciona manchetes dos jornais sobre o setor. O estudo da quantidade de reportagens sobre o tema mostrou que o espaço dedicado ao assunto nas páginas dos jornais tem aumentado, mas ainda é insuficiente.

Notícias sem contexto

“Na semana passada, a Fifa colocou a seleção brasileira em décimo primeiro lugar. Isso deu muitas matérias. Mas a Unesco coloca o Brasil em octogésimo oitavo lugar em Educação e isto não tem o destaque que deveria do ponto de vista analítico”, criticou Buarque. Este caráter apenas descritivo e não sociológico das reportagens ocorre em outras áreas, na opinião do senador. Matérias sobre corrupção apresentam a mesma deficiência.

Outro aspecto destacado por ele é que a classe política e parte dos professores não valorizam o conhecimento. “Eles se preocupam com a sua aula. No máximo, com a sua escola. Mas no problema amplo – que o Brasil tem uma má educação e muitas das nossas crianças vão hoje para a escola para comer, vão pela merenda, não vão pelo dever de casa – os professores não se envolvem”, criticou.

Para o senador, há uma grave crise no ensino superior: o recurso da greve caiu na banalidade e os professores não questionam seus motivos. A universidade perdeu o rumo diante dos desafios contemporâneos. “Não estamos sabendo bem o que é ser universidade. Temos a falta de recurso, fazemos greve por isso, mas não estamos aprofundando a dimensão da crise da universidade, que vai muito além da falta de recursos. E uma delas é a falta de compromisso da universidade com a educação de base”, pontuou.

Questão cultural

Buarque apontou duas razões para a pouca importância do ensino no país. A primeira é cultural. “Por alguma razão, a Educação no Brasil não é vista como riqueza”, lamentou. O segundo fator é político e não envolve apenas Educação. Os projetos que se referem às massas permanecem abandonados, enquanto as demandas das elites são resolvidas com celeridade. Habitação, saúde, transporte público e saneamento são exemplos de setores estratégicos que não são priorizados.

Antônio Gois concordou que a quantidade de notícias sobre Educação ainda é pequena, mas ponderou que o espaço tem aumentado. Gois contou que, há dez anos, a Agência Nacional dos Direitos da Infância (Andi) realiza um levantamento sobre a cobertura do setor. O estudo detectou uma curva de crescimento na quantidade de notícias. “A nossa Educação era uma Educação de qualidade para poucos. Ela ganhou espaço. Hoje, é uma Educação de massa para todos. No caso da cobertura educacional, ainda precisamos universalizar mais o número de matérias. Agora, o salto de qualidade que a nossa educação pública não deu também falta que a nossa imprensa dê”, avaliou.

O jornalista explicou que os veículos de comunicação estão mais dispostos a tratar do tema; no entanto, é preciso que os repórteres “batam na porta” dos editores para defender o espaço para a Educação. Gois destacou que a imprensa tem a sua parcela de culpa pelo pouco destaque do ensino na mídia; por outro lado, a sociedade não valoriza a Educação como deveria. “Qual é o nosso papel de jornalista? É fazer, mesmo sabendo que pode não ser tão interessante para o público. Considerando que é de interesse público, a gente tem que assumir um papel de liderança, de protagonismo e fazer do interesse público algo interessante para o público. E esse é um desafio e tanto, não é fácil”, sublinhou.

O ensino ontem

Dines questionou se os professores perderam prestígio na sociedade. Para Antônio Gois, é preciso valorizar o professor para poder cobrar resultados. O jornalista explicou que houve uma “época de ouro” do ensino no Brasil. No passado, quando as escolas atendiam apenas a elite e as mulheres tinham como opção de carreira mais viável o magistério, o menor número de professores contribuía para a melhor formação dos educadores. Com a massificação do ensino e a entrada das mulheres em outros campos de trabalho, perdeu-se a perspectiva das prioridades.

Muniz Sodré afirmou que, se a imprensa se interessasse pela Educação, estaria noticiando com mais destaque a greve dos professores das universidades federais. “É uma greve justíssima simplesmente pelo cumprimento de um acordo emergencial que foi feito pelo governo em 26/08/2011 com o Sindicato Nacional de Professores e não foi cumprido”, sublinhou o professor. Ele assinalou que, se a Educação fosse uma questão de Estado, e não de governo, haveria uma continuidade nos projetos.

Sodré é pessimista quanto à visão da mídia sobre a importância do ensino de qualidade. “Eu fui de imprensa. A imprensa é tradicionalmente adversária da Educação e do professor. No ambiente de relação, inclusive do Jornal do Brasil, por onde eu passei, há aquela sutil frase por trás: ‘Quem sabe, faz. Quem não sabe, ensina’”. O professor criticou a forte presença do viés econômico nas políticas públicas de Educação e lamentou que o Brasil não tenha mais em seus quadros figuras do porte dos educadores Paulo Freire e Anísio Teixeira.

“Um dos grandes problemas é que o discurso, e a consciência da importância da Educação, foi submerso, soterrado, pelo discurso da informação. Como se informação resolvesse os impasses da consciência, os impasses da vida social. No entanto, a informação sem a formação, sem a ética, sem a moral, sem a iniciação que a informação dá, é como você pegar um cadáver e enfeitar. Você tem muita informação, pode enfeitar bem o cadáver e ele continua a ser cadáver. E você pode estar muito bem informado e esta informação ser absolutamente intransitiva. E as ideias que se tem sobre Educação nesse panorama do espetáculo que a informação domina não são produtivas”, avaliou Sodré.

 

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“Educação não dá Ibope”

Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 647, exibido em 10/7/2012

Um dos participantes do nosso primeiro programa, em maio de 1998, já se vão quase 15 anos, foi um leitor de Juiz de Fora, estudante de Física, Marcelo França, que escreveu uma carta no falecido Jornal do Brasil criticando a cobertura da imprensa sobre o desabamento do edifício Palace Dois, na Barra da Tijuca. A palavra interatividade ainda não fora inventada, nem o conceito de redes sociais; o programa queria apenas socializar o debate sobre o desempenho da imprensa.

A edição de hoje recorre novamente a um cidadão-telespectador, que no dia 29 de junho escreveu à ouvidoria da TV Brasil uma carta criticando a omissão da mídia diante da greve nas universidades federais e tratada como um “não movimento”. Gilberto Ichiara, técnico administrativo da Universidade Federal do Tocantins, critica a mídia pela cobertura monocórdica. Todos repetem que “greve prejudica os alunos”, levando a sociedade a acreditar que alunos não querem estudar e os trabalhadores não querem trabalhar.

Nossa imprensa opta pelo simplismo porque não tem profissionais treinados para encarar complexidades. Quantos jornais têm seções especializadas em educação? Por que a mídia dá tanta atenção às dietas e celulite e quase nenhum espaço à formação de médicos?

A cobertura de educação nunca é tratada como emergencial porque são poucos os jornalistas especializados e porque nas redações impera o dogma que “educação não vende jornal, não dá Ibope”. Não vende porque os pais de alunos não se interessam pelo futuro dos filhos ou porque os próprios veículos jornalísticos estão desinteressados no seu próprio futuro?

Este Observatório foi criado justamente para caminhar na direção oposta aos Ibopes. Para nós, educação é uma questão prioritária. Queremos um país com mais Gilbertos Ichiara, gente para quem as manchetes, mesmo quando denunciadoras, atendem ao bem comum.