Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Conselhos práticos a um ministro nem tanto

Para os jornalistas da minha geração, a entrevista coletiva sempre foi um mal necessário. Se nos fosse permitido escolher, não seria a nossa primeira opção. Nada substitui o face to face, aquele olho no olho inquisidor do qual muitos fogem. Talvez por causa disso, toda autoridade desta República adora uma coletiva. Alguns, por puro exibicionismo. Outros, por medo de ficar a sós com jornalistas, esses temerários. E há aqueles que, mesmo não dominando a técnica da comunicação elegante, sóbria, rica em conteúdos, arriscam-se assim mesmo.

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, parece enquadrar-se neste último perfil. Pelo menos foi o que demonstrou na quarta-feira (3/6), quando reuniu, em entrevista coletiva, jornalistas nacionais e estrangeiros para falar sobre as operações de busca do que sobrou da queda do avião da Air France. Certamente, foi escolhido como porta-voz governamental dessas operações pelo cargo que ocupa. Mas o respeitável jurista e ex-parlamentar não é um especialista em assuntos aeronáuticos e navais e, pelo que nos foi dado ouvir e ver, não fez o dever de casa como devia, apesar de contar com o auxílio técnico e pedagógico do que temos de melhor nessa área. Infelizmente, o ministro não foi um bom aluno.

Passe o microfone para quem entende

Impacientou-se com algumas perguntas de quem, como ele, não domina o tema e estava ali para tentar decifrar os enigmas que ainda cercam esse desastre aéreo. Não precisava, mas foi grosseiro com a jornalista que buscava maiores esclarecimentos sobre alguns detalhes técnicos: ‘Você não aprendeu isso na escola…?’ Foi ríspido com alguns assessores, chamando-lhes a atenção publicamente por algum eventual erro na apresentação. Finalmente, mostrou que estava no lugar errado e na hora errada.

Ministro, aí vão alguns conselhos de quem já cobriu inúmeros desastres aéreos, no Brasil e no exterior.

1. Seja humilde e sincero em todos os momentos de sua vida, principalmente diante daqueles que representam a opinião pública. Não se lixe pra ela. Deixe isso para o baixo clero. Se não domina o tema para o qual foi chamado a explicar, passe o microfone para quem realmente entende do assunto. Havia vários na sua retaguarda, civis e militares. E dos melhores da praça.

A pressa… o senhor sabe

2. A obrigação do jornalista é perguntar. A do entrevistado, responder. Se aceitou o papel de porta-voz de assuntos aeronavais, mesmo sabendo que esta não é a sua especialidade, tem que se preparar para o mata-mata. É do jogo e o senhor tem experiência suficiente para entender isso. Nenhum jornalista, a menos que seja, também, médico, salva-vidas ou especialista em anatomia humana, sabe o real significado da expressão ‘abdômen íntegro, abdômen estourado’. Poderia ter explicado isso, sem humilhar o profissional.

3. O corpo fala, senhor ministro. Evite revirar os olhos de impaciência com perguntas insistentes diante de respostas evasivas; evite agir numa entrevista coletiva como um professor em sala de aula; não precisa mostrar autoridade com ironias nem sempre finas. Todo mundo sabe da sua importância e do seu valor para o país.

4. Finalmente, preocupe-se também (e sempre) com a qualidade técnica das suas entrevistas coletivas, principalmente aquelas exibidas no exterior, como foi o caso. O som estava péssimo, mal se ouviam as perguntas e o mapa poderia ter sido mais auto-explicativo. A pressa… o senhor sabe. É bom inspirar-se nas entrevistas coletivas dos grandes líderes internacionais. Não tem erro. Eles sabem com quem e para quem estão falando.

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Jornalista e professora, Porto Alegre, RS