Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Conteúdo restrito em site aberto: paradoxo a resolver



‘O conteúdo deste site é desaconselhável para menores de 18 anos. As imagens e vídeos que você verá a seguir são destinadas apenas para pessoas maiores de idade. Se você não for maior de idade clique em NÃO ACEITO. Se você for maior de 18 clique em ACEITO e aproveite o ensaio.’


O texto acima é o alerta de um site Top Girls, de ensaios fotográficos sensuais, hospedado no portal noticioso Campo Grande News, o mais acessado de Mato Grosso do Sul. No link, os anunciantes ainda contam com um espaço privilegiado para divulgar qualquer tipo de empresa ou serviço, desde propagandas de educação no trânsito do Detran até anúncio de inscrição para vestibulares. O que chega a ser, no mínimo, um despropósito. Anunciar vagas para a universidade num site considerado restrito a menores de 18 anos, o principal público das instituições de ensino superior.


Eis o paradoxo. Onde acaba e onde começa o conteúdo dito ‘informativo’ de um portal de notícias? Até que ponto os adultos precisarão interferir no conteúdo acessado por crianças e adolescentes? Existem mecanismos de bloqueio dos sites considerados ‘impróprios’. Com a confusão que virou a internet, fica uma pergunta no ar: onde estão esses conteúdos impróprios? A resposta: em qualquer lugar.


Hoje, há sites sobre todo e qualquer assunto, desde venda de carro até os que fazem casamentos arranjados. Nessa grande salada estão os sites noticiosos, cópias ou não de jornais e revistas impressos, que trazem um volume enorme de conteúdo. Conteúdo esse que deve ser chamado de democrático, uma vez que todas as pessoas, de qualquer raça, sexo e idade, têm direito a acessar.


Aviso não falta


O acesso à informação é um direito assegurado também aos jovens no artigo 71 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que completa 15 anos de existência em 2005. O artigo prevê que ‘a criança e o adolescente têm direito a informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento’. O artigo 78 da mesma lei adverte que ‘as revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com a advertência de seu conteúdo’. Da mesma forma que fitas de vídeo, espetáculos e programas de televisão também devem trazer esse alerta.


A lei está sendo cumprida, em parte. Como no exemplo do site sul-mato-grossense, o portal de entretenimento Terra dispõe, no rodapé da página, em letras mínimas, um contrato de utilização dos serviços de internet. Um dos artigos diz:




‘Para utilizar os Serviços, os Usuários menores de idade devem obter a prévia permissão de seus pais, tutores ou representantes legais, os quais serão considerados responsáveis por todos os atos praticados pelos menores (sic).’ Ainda responsabiliza os pais pelo conteúdo e os serviços utilizados por seus filhos, já que a internet ‘possibilita o acesso a conteúdos que podem não ser apropriados a menores (sic)’. Quanto a isso, o site se isenta, informando que ‘existem mecanismos que permitem limitar os conteúdos disponíveis, sendo de especial utilidade ao controle e restrição de materiais, embora não sejam infalíveis’.


A questão não está, dessa forma, na falta do aviso, mas sim na importância/relevância da presença de um site com conteúdo restrito em portal noticioso, que, em tese, deveria ter conteúdo totalmente democrático. A criança e o adolescente têm direito à informação, mas lhes é negado o acesso irrestrito a todos os conteúdos do site, uma vez que o Estatuto da Criança e do Adolescente também determina que as informações devem respeitar a condição peculiar de desenvolvimento dessa faixa da população.


Bagunça a ordenar


Mas como controlar? Como monitorar?


É muito difícil para pais e mães estarem ao lado do filho em todos os momentos, como mostra pesquisa realizada no Peru e publicada no site da Adital, em março. O estudo revela que mais de 41% das crianças e adolescentes do país acessam a internet diariamente. Além disso, muitas crianças (89%) preferem ingressar na rede em locais públicos. O dado mais grave, no entanto, é o que revela que 76,2% acessam a internet sem a supervisão de um adulto e apenas 21,2% têm algum tipo de controle familiar. A maioria, 55%, navega pela rede com o objetivo de bater papo e 30,5% dos entrevistados revelaram que têm acesso a material pornográfico. O estudo foi realizado pela organização Ação pelas Crianças, com 413 crianças e adolescentes na faixa dos 11 aos 17 anos.


Já que é praticamente impossível monitorar, mesmo com os mecanismos de bloqueio de sites, a discussão passa ser sobre a linha editorial do endereço eletrônico. Os sites ou são totalmente noticiosos ou são de entretenimento com links para notícias, e isso deve ficar claro aos leitores. O que acontece é que o conteúdo dito democrático e o conteúdo de acesso restrito – que leva esse nome para que se cumpra a lei, sem que exista, muitas vezes, qualquer responsabilidade social – estão lado a lado, disputando espaço na tela do computador. O que conta, no fim, é que quanto mais acessos mais anunciantes.


É preciso ordenar essa bagunça, deixando explícito a que veio o site. Assim, pais e responsáveis terão um norte no momento de selecionar o que é e o que não é interessante para o filho. Nessa desordem, a criança e o adolescente correm o risco de ver bloqueado seu direito à informação, previsto no estatuto.


Defesa de direitos


Para isso existem dois caminhos: qualificar e sensibilizar os comunicadores sobre sua responsabilidade na construção de conteúdos democráticos, educativos e formadores, principalmente. Outro caminho é formar adolescentes críticos que possam avaliar a qualidade da informação que recebem. Adolescentes que participaram da 4° Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes, em abril do ano passado, já demonstravam preocupação quanto à ‘situação em que se encontra a mídia para crianças e adolescentes’, conforme documento publicado no site. Segundo os jovens, há necessidade de ‘discutir e rever os conceitos sobre a democratização da informação e do uso dos meios de comunicação’. Para isso, sugerem mecanismos para garantir o controle da qualidade da mídia por meio da definição, por exemplo, de horários e/ou a proibição da veiculação de conteúdo erótico, violento ou que incite o uso de bebidas alcoólicas, cigarros e drogas ilícitas.


Um dos projetos de monitoramento e qualificação da mídia é a Rede Andi Brasil, um grupo de comunicadores que atua em 10 estados brasileiros e no Distrito Federal avaliando e subsidiando a cobertura jornalística sobre as pautas referentes a crianças e adolescentes. A rede realiza, desde 2000, análise de jornais de todo o país com o objetivo de consolidar uma cultura jornalística que priorize temas que contribuam para a promoção e a defesa dos direitos da população infanto-juvenil.

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Jornalista, responsável pelo Projeto Rede Andi em Mato Grosso do Sul