Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Contra o fanatismo e a intolerância

Eu sou Charlie – I’am Charlie – Ich bin Charlie – Yo soy Charlie – Sono Charlie – Somos todos Charlie: contra a chantagem terrorista e a radicalização religiosa. A favor da convivência, tolerância e liberdade de expressão

Há pouco mais de 100 anos, em 31 de julho de 1914, véspera do início da Grande Guerra, o jornalista e socialista Jean Jaurès, fundador do L’Humanité, foi assassinado por um exaltado nacionalista franco-alsaciano que pretendia calar o admirável tribuno pacifista.

Àquela altura a guerra era inevitável: começou três dias depois, prolongou-se por quatro anos, gerou outra guerra vinte anos depois. Hoje a Alsácia é uma passagem livre entre a França e a Alemanha, ambas pilares da União Europeia.

Jaurès caiu mas não se calou. Continua símbolo da luta contra o fanatismo, a xenofobia e a intolerância, patrono do partido da humanidade.

O tunisino Georges Wolinsky, seu chefe Stephane Charbonnier, o Charb (editor do semanário Charlie Hebdo), o vice, três outros cartunistas-estrela, um revisor de origem árabe, uma psicanalista e um crítico literário (colunistas), um funcionário de um prédio vizinho e dois policiais (um de origem árabe) morreram no local. O banho de sangue deixou ainda 11 feridos, sendo quatro em estado grave. Todos fuzilados por ofender o profeta Maomé.

Em poucas horas o mundo se levantou movido por uma indignação contida, até certo ponto serena, incrivelmente criativa. Com hashtags lembrando Charlie (Charles Brown), a língua francesa até quarta-feira (7/1) mergulhada num imerecido ostracismo foi subitamente revivida como expressão do Iluminismo, da Solidariedade, dos Direitos Universais do Homem e do trinômio humanista Liberté-Egalité-Fraternité.

Lápis de cor

Os sicários são supostamente fanáticos religiosos e, sob o ponto de vista técnico, terroristas clássicos – agentes da intimidação, da chantagem e da indigência política. Serviram-se da imprensa para que a imprensa servisse à estratégia da brutalidade.

Tal como em 11 de Setembro de 2001, não têm uma pauta específica de reivindicações, estão a serviço de um projeto político tacanho, estúpido – a disseminação global da discórdia e do medo.

No momento em que na Alemanha intelectuais e estadistas convocam a sociedade para lembrar o passado e desativar o rancor anti-islâmico, o jihadismo vai na contramão: aposta na radicalização, força confrontos, estimula revanches e represálias das facções neofascistas contra as comunidades de origem árabe, africana ou muçulmana.

Mesmo que as lideranças das comunidades islâmicas da Europa ocidental estejam mais interessadas no processo de integração, coabitação e convivência, os radicais sabem que alguns segmentos – sobretudo os mais jovens e mais vulneráveis à crise econômica – acabarão se desgarrando do mainstream e embarcando na insanidade do terror. Serão os jihadistas de amanhã. E eles precisam ser salvos da fascinação pelo martírio.

Empunhando lápis, lápis de cor, lapiseiras e crayons – como se viu na quarta-feira (7) nas praças do mundo livre – será possível desenhar um novo modo de vida onde a sátira e o humor deixem de ser profissões de risco. E o jornalismo volte a ser uma profissão romântica.

Relativismo moral

Como sempre acontece em eventos políticos extremos, já apareceram os relativistas, os experts em justificações. Lamentam a violência, repudiam o derramamento de sangue, solidarizam-se com as vítimas inocentes, mas… pedem compreensão para os motivos que geraram a barbárie. Na quarta-feira (7/1), na rádio CBN, em torno das 15 horas, uma especialista oriunda de uma das mais importantes universidades brasileiras explicou que os focos de radicalismo em algumas comunidades árabes da França originam-se na anexação da Argélia no século 19. E docemente acusou a direção da Charlie Hebdo – recém-assassinada, sequer sepultada – de explorar o ressentimento anti-islâmico para escapar da falência.