Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Crime a combater ou atentado à imprensa?

Enviei à seção Painel do Leitor da Folha de S.Paulo a mensagem abaixo, no dia 10/5/2005, com cópia para o ombudsman. Não tendo ocorrido sua publicação (apenas uma burocrática manifestação do ombudsman agradecendo o envio), encaminho-a a este Observatório, na esperança de que seja publicada quae sera tamen.

Há muito não se lia na imprensa manifestação mais explícita de racismo do que a efetuada na edição de 10/5/05 da Folha pela colunista Eliane Cantanhêde.

Vejam só um dos comentários acerca da cúpula árabe-latino-americana feitos pela jornalista:

‘Com a mão na cabeça, uma jornalista francesa comentava: ‘Não é um país sério, não é um país sério’. Também, com árabes e sul-americanos, não deveria mesmo se esperar muito pior. Só se tivesse africanos junto. Aliás, havia: os árabes do norte da África – argelinos, marroquinos, tunisianos. Fechou-se o cerco. Deve ser assim que eles se entendem. E que os EUA não entendem nada.’

E dizer que um jogador de futebol (argentino, portanto latino-americano) foi crucificado pela imprensa (e vai responder a processo judicial) por, no calor de uma partida, ofender um jogador (brasileiro, latino-americano) por causa de sua cor! E que Lula foi igualmente massacrado por dizer, num comentário infeliz, que determinada capital africana ‘nem parecia estar na África, de tão limpa’.

A jornalista, ao condoer-se a respeito do que poderiam os EUA pensar ou entender, insulta gratuitamente, em poucas linhas, não somente árabes e latino-americanos, mas também os africanos (negros ou não), atribuindo aos seus atributos raciais e nacionais uma supostamente desorganizada entrevista coletiva, cuja responsabilidade, na pior das hipóteses, poderia ser atribuída a indivíduos (do Itamaraty) que organizaram o evento.

E pobres argelinos, marroquinos e tunisianos, duplamente qualificados como sub-raças (árabes E africanos!!!) – a jornalista se esqueceu de também incluir aí os egípcios e os líbios, mas talvez fosse exigir demais de seus conhecimentos de geografia.

Seria interessante saber:

1) se há algum critério legal ou jornalístico para estabelecer que racismo contra negros ou judeus seja mais grave do que contra latino-americanos, árabes ou africanos;

2) se algum membro do Ministério Público processará a jornalista por ter cometido um crime inafiançável;

3) se algum delegado paulista irá pessoalmente à Folha de S. Paulo para dar voz de prisão em flagrante à Sra. Cantanhêde, por crime de racismo;

4) em isso acontecendo (o que é pouco provável), se a Folha de S. Paulo consideraria isso um ‘atentado à liberdade de imprensa’, ou se julgaria que crimes de racismo devem mesmo ser combatidos, tanto na imprensa quanto nos campos de futebol.

Atenciosamente, Wilson Roberto Maluf, Ph.D.

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Professor-titular do Departamento de Agricultura da Universidade Federal de Lavras (MG)