Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Crônica de uma morte anunciada

Acordei com uma matéria no Bom Dia Brasil, da Rede Globo (14/2), sobre o abuso sexual sofrido pela nadadora Joanna Maranhão, quando do início de sua carreira no Recife. A matéria trouxe o assunto como fato concreto, realmente acontecido, quando na verdade não passa de uma acusação de um possível crime acontecido há 11 anos. A forma como a imprensa brasileira está noticiando os fatos me lembra um dos ótimos livros de Gabriel García Márquez, Crônica de uma morte anunciada.

Apesar de não ter assistido a todas as publicações do dia sobre o assunto, foi fácil perceber, pelas matérias veiculadas pela internet, o rumo que a imprensa brasileira está dando ao caso. O fim me parece não ser um dos melhores. Começando pela primeira matéria do dia sobre o assunto, a do Bom Dia Brasil, que além dar o caso como fato concreto, trouxe depoimentos de outros técnicos da nadadora e sonoras com pais de jovens atletas dizendo coisas do tipo: ‘Não podemos deixar nossos filhos sozinhos, principalmente na hora de ir ao banheiro’.

Os erros cometidos em 1994, com o exemplar caso da Escola Base, parecem ressurgir das cinzas. Primeiro, a nadadora usa a imprensa, a SporTV News, da França, para tornar pública a acusação a seu ex-treinador. Já no Brasil, e com o clima ‘vamos linchar o técnico’, a mãe da nadadora torna público o nome do acusado. A imprensa e suas ferramentas de hot news (notícias quentes) e notícias de última hora nem se aperreiam em divulgar o nome do possível violador.

A divulgação pública do nome do acusado, principalmente pela mídia, faz com que medidas sejam tomadas de forma precipitada, a exemplo da demissão do técnico de seu atual emprego, o que já aconteceu. Joanna e sua mãe, apesar de ressentidas, ainda não deram entrada num processo contra o ex-técnico e se vierem a fazê-lo, farão por pressão indireta da mídia, que precisa de mais lenha na fogueira.

Cavando a própria cova

Fogo na lenha que pode queimar a própria imprensa, ao não apurar corretamente o caso. Apuração esta que deveria começar com perguntas simples do tipo: Por quê denunciar só agora? Por que colocar este fato acontecido há 11 anos como motivo dos maus treinos e, conseqüentemente, de maus resultados? Por que ainda não deram entrada num processo contra o ex-técnico?

A imprensa brasileira ainda não aprendeu a cobrir corretamente casos jurídicos, judiciais e até policiais. Quando o fazem bem feito, fazem de forma tendenciosa. Tratam acusados como culpados por puro despreparo e desconhecimento de trâmites judiciais. No caso da violência sexual, a imprensa sempre tem tratado o tema com certa irresponsabilidade, divulgando nomes de possíveis agressores como culpados, sem levar em conta as conseqüências que podem ser sofridas pelo acusado numa sociedade que pune a ferro e fogo violadores dos direitos sexuais.

Voltando ao caso de Joanna Maranhão, só mesmo a imprensa poderá culpar o ex-treinador, já que será muito difícil, uma vez que tantos anos se passaram, provar quem está ao lado da verdade. Ao tratar o acusado como culpado, a imprensa cava sua própria cova, de uma morte anunciada numa crônica – não tão engraçada como a de Gabriel García Márquez.

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Jornalista, pós-graduando em Jornalismo Contemporâneo pelas Faculdades Jorge Amado, Salvador, BA