Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Dados novos de uma violência antiga

 

Na mesma semana em que os anúncios mostram presentes e mais presentes que os filhos podem escolher para Dia das Mães, os jornais divulgam o “Mapa da Violência – Homicídio de Mulheres” de 2012 e mostram que, entre 87 países, o Brasil ocupa o desonroso sétimo lugar entre os que mais matam. Ou, conforme apurou a repórter Adriana Ferraz, do Estado de S.Paulo (8/5/2012), “a cada duas horas, uma mulher é assassinada no país” (ver aqui).

Como se não bastasse, o mesmo relatório diz também que a cada 12 minutos uma mulher é agredida no Brasil. O agressor ou assassino são pai, namorado, marido, ex-marido e, na velhice, os filhos. Anotou a Folha de S.Paulo:            

“Em 30 anos, a taxa de homicídios de mulheres no Brasil oscilou em torno de 4,4 vítimas a cada 100 mil mulheres. Foram assassinadas, entre 1980 e 2010, 91.932 mulheres. Quase a metade dos casos, 43.486 mortes, ocorreu na última década. Segundo o estudo, até aos 14 anos de idade os pais são os principais responsáveis pela violência. O papel de agressor, porém, vai sendo substituído progressivamente pelo parceiro ou ex-parceiro, a partir dos 20 anos de idade, situação que se mantém até a idade de 60 anos. Depois dos 60 anos, os filhos preponderam na geração de violência contra a mulher.” (Folha de S.Paulo, 8/5/2012)

Enquanto os homens vítimas de violência podem ser mortos no bar, no local de trabalho ou na rua, a agressão contra as mulheres ocorre em casa e, segundo o estudo, em 53,9% dos casos, com armas de fogo.

“Rede de acolhida”

Para quem acreditava que a Lei Maria da Penha fosse mudar as estatísticas, o “Mapa da Violência” foi um balde de água fria:

“Nos últimos 14 anos, o índice nacional de homicídios de mulheres se manteve estável. A menor taxa registrada no período é de 2007, ano em que entrou em vigor a Lei Maria da Penha, que pune o agressor com mais rigor e assegura à mulher proteção policial e da Justiça em caso de denúncia. Foram 3.772 casos – taxa de 3,9. No ano seguinte, porém, a curva voltou a crescer, atingindo 4,2.” (O Estado de S.Paulo, 8/5/2012)

Como se explica o fato de apesar de haver uma lei específica para tratar da violência contra mulheres, os índices continuam tão altos?

O sociólogo Júlio Jacobo, autor do “Mapa da Violência”, explica:

“Os indicadores de violência estagnaram desde a mudança da legislação. Não está aumentando, mas ainda estamos na UTI, mesmo sem o agravamento do quadro. A Lei Maria da Penha atua na contramão de um processo histórico de violência, mas nenhuma lei altera a realidade. A mobilização da sociedade civil e o funcionamento do poder público contribuem também para a eficácia da lei.” (Folha, 8/5)

Para Jacira Melo, diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão – especializado em violência contra mulheres – a redução dos conflitos domésticos está na construção de uma rede protetora que dê suporte psicológico à vítima. Disse ela, ao Estadão:

“Não basta abrir mais delegacias especializadas pelo País. A mulher dificilmente faz a denúncia imediatamente. Muitas vezes, ela até se sente culpada ou na obrigação de salvar o casamento. É nessa hora que precisa encontrar uma rede de acolhida para desabafar e receber orientação, antes de procurar a polícia”.

Um desafio

A verdade é que o tema está merecendo mais atenção do governo, mas deve merecer também mais destaque na mídia. É claro que as matérias que mostram mulheres vitoriosas – como a capa de Veja sobre as presidentas de empresa – são mais agradáveis e podem até servir de estímulo para a minoria que tem acesso à universidade e bons empregos. Mas essas mulheres, liberadas econômica e socialmente, sabem o que fazer para conquistar seu lugar no mundo.

Quem realmente precisa de atenção são aquelas outras – a maioria – que se sujeitam a apanhar dos companheiros porque, apesar de conhecer seus direitos, não têm coragem – ou condições – de recomeçar a vida sozinhas. Se elas não têm acesso à informação, é preciso que a imprensa dê mais apoio às pessoas que podem ajudá-las, para evitar as tristes notícias que surgem quando uma delas é assassinada.

É mais um desafio para os nossos jornais e revistas.

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[Ligia Martins de Almeida é jornalista]