Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Defesa do Congresso ou dos tucanos?

No site da revista Primeira Leitura, até agora não encontrei nenhum texto assinado por sua redatora-chefe, a jornalista Liliana Pinheiro, abordando o possível envolvimento do senador Antero Paes de Barros e demais dirigentes do PSDB de Mato Grosso com o chamado comendador Arcanjo e com as estruturas do crime organizado.

Estranho o silêncio porque, no dia 25 de abril, ou seja, muito recentemente, a jornalista fez divulgar, no site que comanda, um belo e oportuno artigo em que condenava, com tintas fortes, a partir de uma denúncia que envolvia o deputado federal petista José Mentor, qualquer possível liame entre o Congresso Nacional, seus componentes e as estruturas do crime organizado.

Um belo texto, sem dúvida. Para quem não leu, faço questão de divulgá-lo. Leiam que, tenho certeza, haverão de gostar do destemor com que Liliana Pinheiro se põe em defesa do Congresso Nacional, que aqui se apresenta como a representação política mais legítima da cidadania brasileira:

Por que Mentor não é apenas ‘mais um’

Por Liliana Pinheiro

No valerioduto, há pegadas atribuídas ao deputado petista José Mentor (SP), que ao menos na Câmara foi absolvido de um processo de cassação. No trabalho de embaraçar investigações sobre propinodutos em prefeituras administradas pelo PT, também se vêem indicações de sua atuação, na condição de benfeitor do compadre do presidente Lula, Roberto Teixeira. No eterno postergar de um desfecho para os desmandos da família Maluf, marcas de uma ação protetora surgem aqui e ali e são, em certa medida, também debitadas na conta do relator da famosa e gorada CPI do Banestado — que acabou por não ter um relatório final. Isso tudo já foi dito pela imprensa.

Surge, agora, um doleiro de nome interessante. Richard Andrew de Mol Van Otterloo se diz disposto a colaborar com as investigações sobre a família Maluf, entre outras, em troca dos ‘benefícios previstos em lei’. Em resumo, trata-se de um Rogério Buratti do mundo financeiro, ou seja, mais um que adere à delação premiada. Conta o que sabe, e sua pena pode ser reduzida, a critério da Justiça.

Otterloo sabe um bocado de política e políticos ou pelo menos diz que sabe. Por exemplo, de outros colegas doleiros que receberam propostas de pagamento de propina a Mentor para que seus nomes não aparecessem no relatório final da CPI do Banestado, segundo afirmou ao Ministério Público de São Paulo. Ele mesmo diz que pagou R$ 300 mil a um emissário do deputado. E se livrou do incômodo, chamemos assim.

Feito esse pequeno mapa para trafegar no mais recente escândalo da República, é preciso que se estabeleça um marco neste debate. A ser verdade o que diz Otterloo, tem-se aí um daqueles episódios de corrupção que vão além da baixa gatunagem que insiste em usar o Parlamento como QG. Estaremos diante de um dos muitos braços do crime a interferir no trabalho do Legislativo de forma direta e definidora. Pior ainda, na ação de uma comissão parlamentar de inquérito, constituída para investigar temas de alta relevância e implicações profundas na vida nacional.

É preciso cumprir os ritos. Denúncia, investigação, indiciamento, julgamento. Não há que tolerar, porém, atrasos nesse processo. Mentor não pode ser visto como apenas mais um suspeito, entre tantos. É mais grave a denúncia do doleiro. Se ele fala a verdade, o que está em jogo não é mais o PT, como celeiro de tantas vocações sombrias, e o governo Lula, como ambiente no qual elas floresceram. Trata-se de apartar a instituição Congresso Nacional do crime organizado.

O que Liliana Pinheiro escreveu me pareceu tão bem dito, tão oportuno, tão bem focado, que tratei logo de escrever-lhe uma carta, parabenizando-a pela precisão de sua análise. Na verdade, essa decisão da articulista do Primeira Leitura de criticar a postura de Mentor, principalizando a defesa desta instituição vital para a nossa democracia, que é o Congresso Nacional, me pareceu tocante, entusiasmante. Tanto que fiz questão, assim que acabei de ler o artigo no site da revista, de remeter, via e-mail, a Liliana, uma ‘carta aberta’ nos seguintes termos:

‘À jornalista Liliana Pinheiro,

‘Trata-se de apartar a instituição Congresso Nacional do crime organizado.’ Que belo fecho o do seu artigo nesta terça-feira, 25 de abril! Muito oportuna, além do mais, a preocupação que você, como redatora-chefe e articulista do Primeira Leitura, demonstra – na matéria ‘Por que Mentor não é apenas mais um’ – com relação ao possível envolvimento do deputado José Mentor com o doleiro Van Oterloo e, conseqüentemente, com o crime organizado.

Nenhuma complacência para com este deslize do deputado Mentor, desde que devidamente provado!

Entendo tão oportuna a sua abordagem que, entusiasmado, fico na expectativa, já que se dedicou a essa abordagem – a promiscuidade entre o Parlamento brasileiro e o crime organizado – de que amplie seu enfoque e mergulhe também na análise, por exemplo, das denúncias que envolvem, em Mato Grosso, o PSDB do senador Antero Paes de Barros e do ex-governador Dante de Oliveira, com a organização criminosa comandada pelo bicheiro João Arcanjo Ribeiro, o chamado ‘Comendador’.

Lá, em Mato Grosso, ao invés de mera suspeita, como no caso de Mentor, existe uma série enorme de processos, tramitando na Justiça Federal, e implicando o senador do PSDB ( e, consequentemente, a instituição Congresso Nacional, que você tão zelosamente, se dispõe a defender ) e diversas outras figuras do partido tucano, com um dos braços mais poderosos do crime organizado em nosso País.

Dada a seriedade com que ‘Primeira Leitura’ trata as questões de moralidade, eis aí a oportunidade de se aprofundar em rico filão, prestando enorme contribuição à Cidadania brasileira. Partindo das denúncias que envolvem Mentor, ampliar o enfoque e colocar na pauta de nossa mídia mais responsável esta convivência tão condenável entre quem é eleito para representar a população e acaba defendendo interesses da criminalidade.

É uma pauta oportuna, entendo eu, ainda mais quando se lembra que o senador Antero Paes de Barros, tanto quanto o deputado Mentor, atuou no comando da tão questionada CPMI do Banestado. De repente, suas investigações, prezada jornalista, superando as deficiências demonstradas por outros orgãos de informação, podem reabrir importantes investigações deixadas adormecidas desde que aquela CPMI foi tão atropeladamente encerrada em episódio até hoje não devidamente esclarecido.

Enfim, o que entendo oportuno é que você, com a tribuna privilegiada de que dispõe, desnude, para o grande público, além do deputado Mentor, esta figura polêmica do senador Antero – e possa se dedicar a uma abordagem ampla da deletéria promiscuidade que, tudo indica, continua a envolver diversos parlamentares brasileiros e diversos dos nossos partidos com as estruturas clandestinas, violentas e corruptoras do crime organizado.

Ou será que você, Liliana Pinheiro, só enxerga os desgastes para o Congresso Nacional promovidos por agentes da tão denunciada ‘quadrilha do PT’? Infelizmente, cara jornalista, existem outras quadrilhas – e quadrilhas tão amplamente denunciadas. Em tempo: se você, em algum outro momento, já abordou o possível envolvimento de Antero, Dante e o PSDB com o crime organizado lá em Mato Grosso, gostaria de receber cópia de seus artigos e peço desculpas pelo alerta extemporâneo. E que se depure, sempre e sempre, o Congresso Nacional e a representação popular! Receba minha saudação. Enock Cavalcanti – Jornalista.

Caso exemplar

A carta foi remetida ao e-mail geral do site, primeiraleitura@primeiraleitura.com.br, não houve retorno, logo deve ter chegado à destinatária. Minha intenção, além do elogio rasgado, era contribuir para o fortalecimento da pretensa cruzada que Liliana Pinheiro prenunciava em sua abordagem, ao defender o Congresso Nacional contra a ameaça de ver-se enredado – além do valerioduto, dos mensaleiros, dos oportunistas de toda a sorte – com os subterrâneos sombrios do crime organizado. Com a máfia, enfim, com toda aquela imagem de sordidez e violência que sempre aparece quando se fala de máfia.

Por isso, a minha sugestão de que, para prevenir e precaver seus privilegiados leitores, Liliana Pinheiro, como legítima defensora do Congresso Nacional, não deveria abordar única e tão somente a possível escorregadela do deputado José Mentor – mas esforçar-se para retratar todas as informações que dessem conta de que qualquer uma ou qualquer um dos parlamentares ali atuantes estariam refrescando para o lado dos mafiosos de plantão. Sim, uma revista como a Primeira Leitura, que vende bem nas bancas e que diz registrar mais de 2 milhões de pageviews na internet, a cada mês, tem a possibilidade de cumprir importante papel formador e informador.

Como a Folha de S.Paulo, o Globo, a Rede Globo, o Estadão, o SBT, a TV Record, enfim, toda a nossa grande mídia, vem citando, nesta virada de abril para maio, este episódio de Mato Grosso como um caso exemplar, cuidei de lembrar Liliana Pinheiro da necessidade de que ela, valendo-se dessas informações, defendesse o Congresso Nacional de forma ampla, geral e irrestrita, caracterizando devidamente todos os vacilões que ali se apresentam. E me parece que o senador Antero Paes de Barros e o ex-governador Dante de Oliveira, que citei em minha carta, e estão sendo muito citados nos jornais e em toda a mídia, se enquadram bem dentro das preocupações que Liliana Pinheiro aparentava esposar em seu texto.

O tempo voa

Afinal de contas, Antero é senador, atualmente, e fala em disputar a reeleição. Dante, que já foi governador de Mato Grosso por duas vezes, agora se anuncia candidato a deputado federal. É o que tenho sabido de ler a imprensa de Mato Grosso e do país. Se existem suspeitas de que esses dois teriam, também, participado de negociações subterrâneas com as estruturas do crime organizado, nada mais justo do que merecerem o enfoque solene da Primeira Leitura e de sua redatora-chefe.

Ou seja, o senador Antero Paes de Barros não pode ser apenas mais um! O ex-governador Dante de Oliveira não pode ser apenas mais um! Para citar a própria Liliana Pinheiro: ‘Trata-se de apartar a instituição Congresso Nacional do crime organizado.’

Acontece que o tempo passa, o tempo voa, e, no site da Primeira Leitura continuo a ler muitas revelações, muitas críticas, muitas reprimendas contra posturas adotadas por integrantes do governo Lula e do PT, basicamente. O deputado José Mentor continua a ser muito citado, sempre em tom restritivo. Quanto ao PSDB de Mato Grosso e o comendador Arcanjo, só vi, no clipping deste 1º de maio – dia em que escrevo estas mal traçadas linhas –, um resumo do que divulgou a Folha de S.Paulo, vazado nos seguintes termos:

‘Arcanjo diz que tucano usou verba de caixa 2 em campanha

05h26 — Por Hudson Corrêa na Folha de S.Paulo desta segunda: ‘O ex-policial civil João Arcanjo Ribeiro, 55, conhecido como o ‘comendador’, afirmou ontem à Polícia Federal – no inquérito sobre suposto caixa dois do PSDB que Dante de Oliveira, ex-governador tucano de Mato Grosso, pegou dinheiro emprestado de sua empresa de factoring para cobrir gastos de campanhas eleitorais ‘na forma como foi narrada por Nilson Roberto Teixeira [o ex-gerente de Arcanjo]’. Teixeira narrou à PF no início de abril o que já havia dito à Justiça em 2003: Dante pegou dinheiro da Confiança Factoring, a empresa de Arcanjo, e pagou a dívida com cheques do Dvop (antigo órgão de obras públicas do governo tucano de 1995 a 2002). Assim, teria ocorrido desvio de dinheiro público para bancar a campanha de 1998 e débitos ainda de 1994. Segundo a Justiça Federal de Mato Grosso, a Confiança Factoring recebeu do Dvop R$ 8.332.775,21 de janeiro de 1998 a fevereiro de 2003. A PF tomou o depoimento de Arcanjo ontem, no presídio Pascoal Ramos, em Cuiabá, onde ele está preso desde março. Por determinação da Justiça Federal, a PF investiga também as do senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), que perdeu o governo de Mato Grosso em 2002. Segundo o delegado federal Tony Barbosa de Castro, que ouviu Arcanjo, outra pessoa cuida do inquérito sobre a campanha de Antero e, por isso, não teria havido perguntas sobre o senador. ‘Ele mencionou Antero como um velho conhecido’, disse, após o depoimento, o advogado Zaid Arbid, que defende Arcanjo.

Segundo ele, Teixeira era procurado quando o empréstimo era menor. Para quantias maiores, a conversa era com o ‘comendador’. ‘Eu sei que ele falou que na última eleição [de 2002] ele recebeu um candidato majoritário em sua fazenda. E esse candidato, inclusive, estava de chapéu. Ele não deu o nome’, relatou o advogado. Arcanjo afirmou ainda à PF que não participou da negociação de empréstimos com Dante. (…) Ainda no depoimento, Arcanjo afirmou que os deputados Humberto Bosaipo (PL) e José Riva (PP) desviaram por meio da factoring dinheiro da Assembléia Legislativa de Mato Grosso.’

De olho

Da pena brilhante de Liliana Pinheiro, nada. Primeiramente, me acomete a dúvida mais primária: será que meu e-mail chegou até ela? Daí, passo a inquietações mais angustiantes: será que ela não vê, no episódio de Mato Grosso, nada que a estimule a defender o Congresso Nacional com a mesma energia que defendeu diante das ações que ela diz serem suspeitas do deputado José Mentor?!

Muitos comentam que a Primeira Leitura é uma revista, nas bancas e na internet, de vinculação tucana. Janer Cristaldo, no insuspeito site direitista Mídia sem Máscara, chegou a referir-se ao jornalista Reinaldo Azevedo, uma das estrelas do Primeira Leitura, como ‘tucano chapa-branca’. Dessa vez, Reinaldo, que gosta de ter sempre a última palavra, se calou, talvez por não considerar Cristaldo um polemista à sua altura. Serei eu um alertador à altura de Liliana Pinheiro? O fato é que, diante da omissão de Liliana Pinheiro, sou tomado por muitas dúvidas: será que me precipitei ao elogiar a abordagem da jornalista? Será que, ingenuamente, acabei contribuindo para fortalecer um site com intenções golpistas, como outros, mais extremados e mais sectários e mais petistas, gostam de caracterizar o Primeira Leitura?

Prefiro acreditar que não. Não sei bem por que, mas sou vidrado no Primeira Leitura. Gosto de encarar, logo no início do dia, suas análises algo sanguinolentas da conjuntura político-partidária. Tenho certeza de que, neste processo, a vida tem mais uma lição a me ensinar. Vou ficar de olho.

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Jornalista, editor do site www.debrasilia.com; assessor técnico do mandato da senadora Serys Slhessarenko (PT-MT)