Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

‘Democracia e direito à liberdade de expressão saem fortalecidos’

A propósito da apreensão do livro Roberto Carlos em Detalhes, determinada pela Justiça, o advogado do cantor, Alvaro Borgerth, especialista em direitos da personalidade, acredita que o artista que defende ‘não merece esse achincalhamento por parte de alguns poucos jornalistas que detém muito espaço na mídia’. Borgerth diz estar convicto que a retirada do livro do mercado ‘não representa censura ou infração a qualquer direito’. Ele respondeu às seguintes indagações do Observatório da Imprensa.

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Em que está baseada a argumentação de Roberto Carlos de que o livro Roberto Carlos em Detalhes é invasão de privacidade?

Alvaro Borgerth – Na Lei. A publicação de fatos íntimos da vida de qualquer pessoa (inclusive as públicas), mesmo que tais fatos sejam de conhecimento do público, sem sua autorização expressa, é considerada, no direito brasileiro, verdadeira violação dos chamados direitos da personalidade, dentre eles o direito à intimidade e à vida privada. O exercício pleno do direito à livre expressão da atividade intelectual, previsto no inciso IX, do artigo 5º, da Constituição Federal, encontra sua primeira barreira logo no inciso seguinte, o X, do mesmo artigo, que assegura a todos (mesmo às chamadas personalidades) o direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem.

O segundo grande impedimento ao pleno exercício da liberdade de expressão é o próprio Novo Código Civil Brasileiro, que estabelece, em seus artigos 12, 20 e 21 que, salvo se autorizada, a divulgação de escritos pode ser proibida, sem prejuízo da indenização que couber para os casos de serem atingidas a honra, a boa fama, a respeitabilidade ou se o escrito se destinar a fins comerciais. É exatamente o caso do livro que o sr. Paulo César escreveu.

Não resta sombra de dúvida de que o livro devassa a vida pessoal de Roberto Carlos, ainda que os fatos já tenham sido publicados anteriormente. Um erro não justifica o outro. A violação do passado não justifica nem autoriza a violação do presente, ambas são ilegais. 

O que querem os que se rebelaram contra a retirada da biografia de Roberto Carlos do mercado é exatamente desfigurar o direito constitucional à liberdade de expressão (liberdade com responsabilidade) transformando-o no direito de escrever textos sem responsabilidades ou conseqüências. Isto não se permite no nosso sistema jurídico.

A ordem para que o livro saia de circulação atenta contra a democracia e a liberdade de expressão?

A.B. – Muito pelo contrário. A retirada do livro do mercado nada mais é do que o exercício de um direito do biografado. O verdadeiro atentado ao Estado Democrático de Direito e à liberdade de expressão seria garantir a publicação de livros como este, publicados sem a autorização do biografado e que retrata fatos íntimos de sua vida privada. A democracia e o verdadeiro direito à liberdade de expressão saem fortalecidos desse episódio. As obras verdadeiramente literárias, que não ofendem, não devassam a vida das pessoas e não causam prejuízo a terceiros estão sob a salvaguarda da lei.

Não se deve esquecer que a Justiça já havia determinado a retirada do livro do mercado em caráter liminar, e se a lei e a justiça garantem ao biografado o exercício de seu direito, nada mais injusto do que acusá-lo da prática de censura ou coisa parecida. Eis a íntegra da decisão:

‘A biografia de uma pessoa narra fatos pessoais, íntimos, que se relacionam com o seu nome, imagem e intimidade e outros aspectos dos direitos da personalidade. Portanto, para que terceiro possa publicá-la, necessário é que obtenha a prévia autorização do biografado, interpretação que se extrai do art. 5º, inciso X, da Constituição da República, o qual dispõe serem invioláveis a intimidade, a vida privada e a imagem das pessoas. No mesmo sentido e de maneira mais específica, o art. 20, caput, do Código Civil/02, é claro ao afirmar que a publicação de obra concernente a fatos da intimidade da pessoa deve ser precedida da sua autorização, podendo, na sua falta, ser proibida se tiver idoneidade para causar prejuízo à sua honra, boa fama ou respeitabilidade. Registre-se, nesse ponto, não se desconhecer a existência de princípio constitucional afirmando ser livre a expressão da atividade intelectual e artística, independentemente de censura ou licença (inciso IX do mesmo art. 5º). Todavia, entrecruzados estes princípios, há de prevalecer o primeiro, isto é, aquele que tutela os direitos da personalidade, que garante à pessoa a sua inviolabilidade moral e de sua imagem. Além do mais, conforme mansa jurisprudência, não está compreendido dentro do direito de informar e da livre manifestação do pensamento a apropriação dos direitos de outrem para fins comerciais. Assim, presente a plausibilidade do direito alegado pelo autor da causa, ante a necessidade da sua prévia autorização para a publicação e para a exploração comercial da sua biografia. Presente, ainda, o requisito do receio de dano irreparável ou de difícil reparação (art. 273, I, do CPC), na medida em que, não concedida a medida ora pleiteada, permanecerá a comercialização da obra, fazendo com que novas pessoas tomem conhecimento de fatos cujo sigilo o autor quer e tem o direito de preservar. Ante o exposto, defiro a antecipação dos efeitos da tutela, para determinar aos réus a interrupção da publicação, da distribuição e da comercialização do livro `Roberto Carlos em Detalhes´, em todo o território nacional, no prazo de três dias, sob pena do pagamento de multa diária de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais)’.

Este acordo abre precedente para outras ações?

A.B. – Cada caso é um caso. Como não houve sentença condenatória e foi um acordo absolutamente privado, sem interferência judicial, apesar de ter sido celebrado perante um juiz togado, não há de se falar em precedentes. Outras ações futuras contra biografias não-autorizadas poderão ou não ter o mesmo desfecho. Depende do reconhecimento do erro pelos editores e pelo escritor. Se isto acontecer de novo, certamente será para o bem dos leitores, como o foi no caso em discussão.

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Repórter Observatório da Imprensa/TVE