Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Descobrir o que se esconde

A novela dos sigilos chega agora à venda de material bélico e urânio, depois de passar pela cogitação de que o grande segredo a preservar seria um programa nuclear ainda de natureza militar, a despeito de acordos assinados há um quarto de século pelos presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín.

Nessa trajetória houve lugar para confusões entre segredos pretéritos e tentativas governamentais de desmontar cartéis futuros em obras públicas, tudo sob a mesma imprópria rubrica. Pressionada pelos senadores José Sarney e Fernando Collor – e louvada em informações do ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota −, a presidente Dilma Rousseff aderiu ao sigilo eterno. Segundo a Folha de S.Paulo (“Painel”, 26/6), Patriota reviu sua avaliação e Dilma voltou a opor-se ao ocultamento perene de documentos oficiais, como no tempo em que ocupou a Casa Civil.

Cortina de fumaça

Durante algum tempo, a explicação apregoada para barrar o livre acesso aos papéis dizia respeito a segredos da Guerra do Paraguai e da conquista do Acre à Bolívia. Tempestivamente, os jornais noticiaram que as informações estavam à disposição de pesquisadores em arquivos públicos e mesmo em repositórios online. Em comentários e análises, evidenciou-se que narrativas onde o Brasil faz o papel do vilão são correntes entre as populações dos dois países.

Na Época (20/6), Leandro Loyola, chefe da sucursal de Brasília, fez um apanhado da questão, reproduzido em sites oficiais como os das Forças Armadas e do próprio Itamaraty (ver “Quando o passado atrapalha“). Escreveu:

“Manter segredos por algum tempo é estratégico para qualquer país. Conservar esses segredos por prazo indefinido, no entanto, é uma distorção na democracia. Esse desvio é comum no Brasil, por causa da resistência à transparência e do secretismo em torno de atos que deveriam ser de conhecimento de todos, velhos vícios incrustados na administração pública brasileira”.

Os arquivos abertos do Itamaraty

O jornalista entrevistou Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra, “o livro mais completo sobre a Guerra do Paraguai”, e dele ouviu que a suposta guarda pelo Itamaraty de documentos sobre o conflito com fatos novos importantes “virou lenda urbana”. “Os arquivos do Itamaraty sobre a Guerra do Paraguai são públicos e já foram estudados por muita gente”.

No livro, publicado em 2002, Doratioto já oferecera visão crítica sobre o que conta, no caso:

“Ficou claro [em pesquisa do autor] que, desde o final da guerra, em 1870, a historiografia tradicional brasileira reduziu a importância do aliado argentino para a vitória sobre Solano López e minimizou, quando não esqueceu, importantes críticas à atuação de chefes militares brasileiros no conflito. (…) Nas últimas décadas do século 20, a história da guerra foi ‘retrabalhada’ pelo revisionismo populista, ao se criar o mito de Solano López grande chefe militar e, absurdamente, líder anti-imperialista”.

Seringueiros na Bolívia

Sobre a questão do Acre, este Observatório publicou, em 2008, entrevista do professor Antonio Carlos Peixoto (ver “Crise boliviana pede debate sobre limites do poder da maioria“) na qual o foco não está posto em detalhes mais ou menos escabrosos do acordo firmado em 1903 com a Bolívia, mas no desenho histórico abrangente. Como segue:

“O surto da indústria automobilística, na Europa e, principalmente, nos Estados Unidos, leva a que passe a existir uma demanda de borracha. Ela vai provocar a colonização da Amazônia. Antes de mais nada da Amazônia brasileira. (….) Seringueiros, principalmente nordestinos, vão avançando, porque tem uma seringueira aqui, tem outra a 50 metros de distância, a outra, a 50 metros de distância, já fica em território boliviano. Alguém vai saber? É impossível. O certo é que em algum momento a Bolívia desperta para o fato de que os seringais em território boliviano, o que hoje é o Acre, estão sendo ocupados pelas casas aviadoras do Amazonas. Eram as casas que aviavam a borracha, por isso têm esse nome. (….) Por artimanhas do barão do Rio Branco, o Acre acaba se tornando brasileiro, na medida em que as tentativas do Exército boliviano de ocupar militarmente aquele território são malsucedidas. A guerrilha organizada por Plácido de Castro derrotou efetivamente os bolivianos”.

Afastadas razões que se mostraram falsas – Guerra do Paraguai, Brasil/Acre/Bolívia, entre outras −, ou apenas pretextos, seria bem-vinda uma apuração jornalística que avançasse mais fundo nas razões reais que levaram os senadores Sarney e Collor a pôr areia nas engrenagens da tramitação da Lei Geral de Acesso à Informação.

As explicações até aqui oferecidas não convencem.

 

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