Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Pequim aperta censura a programas de TV

A ideia de Wang Peijie para o programa de televisão que se tornaria o mais comentado da China foi simples: projetar um refletor sobre jovens inteligentes deste país enquanto se paqueram no palco, com música pop e aplausos da plateia.

Os homens se gabavam de suas contas bancárias, casas e carros modernos. As mulheres eram elegantes e espirituosas, inundando os candidatos com comentários pouco lisonjeiros. Mas nessa mistura havia questões sociais importantes que os chineses urbanos de 20 a 40 anos enfrentam, nem sempre em público: morar juntos antes do casamento, a constante busca pela riqueza ou a política do filho único vigente no país.

 “Por meio deste programa você pode saber o que a China pensa e deseja”, disse Wang, um produtor de TV veterano.

O programa Se For Você bateu recordes de audiência. Mais de 50 milhões de pessoas o sintonizaram. Os candidatos mais desinibidos se tornaram sensações – uma aspirante a atriz ficou famosa por recusar um homem que oferecia um passeio de bicicleta, dizendo: “Prefiro chorar em uma BMW”. O programa atraiu grande interesse dos chineses no exterior e aumentou a influência cultural do país, o que os dirigentes desejam intensamente.

Mas o programa também ajudou a desencadear a maior repressão à televisão em muitos anos, expondo a crescente tensão no centro de controle da indústria de entretenimento pelo Partido Comunista. Os reguladores formularam uma política abrangente que efetivamente elimina dezenas de programas de entretenimento.

‘Entretenimento excessivo’

Durante décadas, o partido forçou as redes de televisão a adotar o mercado, mas membros conservadores passaram a temer o tipo de programa que atrai o público e a publicidade, projetando uma imagem global não moldada pelo Estado.

As autoridade evidentemente determinaram que as tendências inspiradas por Se For Você e o programa de calouros Supergarota foram longe demais, e reagiram com uma política para conter o que chamam de “diversão excessiva”. Supergarota foi suspenso.

A televisão ocupa uma posição singular na mídia estatal chinesa: com seus 1,2 bilhão de espectadores e mais de 3 mil canais, é o maior veículo do partido para transmitir propaganda, seja através do noticiário noturno ou de sóbrios dramas históricos.

 “Surgiu um conflito: de um lado, eles estão forçando a construção de uma indústria comercial, mas de outro eles se perguntam se essa comercialização levou a um declínio geral na qualidade cultural e no cultivo moral”, disse Yin Hong, um professor da Universidade Tsinghua em Pequim que estuda televisão.

Controle cultural

As novas regras estão obrigando os executivos de 34 estações via satélite de toda a China a cortar muitos programas de suas grades, para reduzir o que os reguladores descrevem como “tendências vulgares”.

O arrocho da televisão está na vanguarda de um novo esforço para controlar a cultura, supervisionado pelo presidente Hu Jintao, que também permeia o cinema, as editoras, a Internet e as artes cênicas.

Reguladores do governo emitiram as diretrizes para a televisão logo depois que o Comitê Central do partido enfocou a cultura e a ideologia em uma reunião em outubro. Yin, que assessorou as autoridades antes da reunião, disse que “muitos velhos camaradas” se queixavam frequentemente dos programas de entretenimento e da “idolatria das celebridades”.

Sob as novas regras, cada canal de televisão pode transmitir somente dois “programas de entretenimento” no horário nobre por semana. Somente nove podem ser mostrados nacionalmente por noite, contra uma estimativa oficial neste outono de 126 por semana. As ideias para novos programas devem ser aprovadas pelos censores. Estações via satélite também deverão aumentar sua programação noticiosa e transmitir pelo menos um programa que promova as virtudes tradicionais chinesas e “o sistema de valores básicos socialistas”.

A agência que regulamenta a indústria, a Administração Estatal de Rádio, Cinema e Televisão (Sarft na sigla em inglês), também não se intimida ao impor limites ao teatro. No ano passado ela manifestou reprovação a programas de espionagem e viagem no tempo.

Controlar a televisão também está ligado ao dinheiro da publicidade, alegam pessoas da indústria. As autoridades da Sarft estão próximas das da Televisão Central da China, ou CCTV, a rede estatal que é a maior do país e envia uma fração de sua receita anual para a Sarft.

A CCTV ainda domina a indústria, mas perdeu participação de mercado para estações via satélite das províncias. Por isso a repressão da Sarft ao entretenimento visa em parte enriquecer a CCTV, segundo observadores do setor.

Mas endurecer o controle pode ser contraproducente. Alguns analistas dizem que quanto mais a televisão for regulamentada, mais espectadores assistirão a programas na internet.

Definindo o tom

Se For Você caiu nos índices de audiência depois que os censores o obrigaram a mudar de formato no ano passado. Ele adotou um terceiro anfitrião, Huang Han, uma professora matrona da escola provincial do Partido Comunista.

“Tivemos mais restrições sobre expressões no programa, para eliminar comentários que pudessem ter um impacto social negativo”, disse Wang, 45.

Mas o programa ainda responde pela maior parte da receita de publicidade de sua matriz, a Jiangsu Satellite Television. Montado como um tribunal, ele tem 24 mulheres solteiras atrás de pódios, que fazem perguntas a um potencial parceiro masculino.

O diretor da conversa é Meng Fei, um ex-âncora de noticiário bem-humorado e careca. Seu acompanhante é Le Jia, um homem mais jovem e magro (mas também calvo), considerado o “analista psicológico” do programa.

O primeiro episódio que foi ao ar em 15 de janeiro de 2010 definiu o tom. “Qualquer mulher que vier comigo não precisa se preocupar com ganhar a vida”, disse o primeiro candidato, Zhang Yongxiang, 23.

Sua família dirige uma fábrica com mais de mil operários. Um vídeo mostrou seu grande apartamento, um carro branco e muitas fileiras de roupas. Outros candidatos tinham suas rendas anunciadas em gráficos.

Mas questões sérias acabaram surgindo. As mulheres testaram Zhang sobre por que ele se apega à tradição de querer um filho homem.

“Os jovens de hoje ousam se expressar”, disse Wang. “Você não pode ser autêntico se não ousar se expressar.”

Ele disse que queria um novo programa de namoro para capitalizar o conceito de “garotas abandonadas” e “garotos abandonados”, pessoas voltadas para a profissão sem um parceiro, um tema quente na China. O programa também seria uma janela para as vidas da “segunda geração rica” de filhos do dinheiro novo da China.

Não poupe a dignidade

Em outro episódio, a jovem Zhu Zhenfang disse que um homem que quisesse apertar sua mão teria de pagar 200 mil yuan. Os espectadores adoraram. Em maio de 2010, sua audiência só perdeu para a do noticiário noturno da CCTV, que todas as estações por satélite são obrigadas a transmitir.

O jornal China Daily o chamou de “moralmente ambíguo e visualmente eletrizante”. Logo brotaram dezenas de programas que imitavam a fórmula.

Os censores não gostaram. Em junho, os diretores das estações via satélite de Jiangsu e Hunan foram chamados a Pequim para uma reunião com autoridades da Sarft. “Eles foram muito duros”, disse uma pessoa inteirada da reunião. A mensagem foi simples: baixar o tom dos programas ou enfrentar o cancelamento.

A agência emitiu duas diretrizes. Uma dizia: “Não humilhar e atacar os participantes em nome do namoro; não discutir temas vulgares que envolvam sexo; não enaltecer o materialismo ou outros pontos de vista insalubres e incorretos sobre o casamento; e não transmitir o programa sem censura e edição”.

Os fãs de Se For Você perceberam imediatamente as mudanças quando o episódio de 26 de junho foi ao ar. As mulheres, todas novas participantes, eram mais discretas, assim como os homens. E não havia menção a suas rendas. “Começamos a escolher participantes mais velhos, que têm um desejo mais forte de se casar”, disse Wang.

Hoje cada episódio tem de ser revisado pelo menos seis vezes na emissora. Os produtores pediram que os âncoras sejam mais sutis sobre questões sociais. “Os comentários feitos pelos participantes não foram tão incisivos quanto antes”, disse Guo Wei, um apreciador do programa.

Wang disse que espera que os censores tenham em mente que Se For Você fez modificações quando solicitadas. Hoje o programa tenta conquistar pontos de audiência não através do diálogo feroz, mas se promovendo online e trazendo candidatos chineses de outros países.

No site do programa na internet todos os episódios do primeiro semestre foram deletados. “Nosso programa obedece às regras”, ele disse.

***

[Edward Wong, do New York Times]