Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Um vazio a preencher

O publishing e o jornalismo operam no modo catatônico há dez anos, pelo menos, diante das borbulhantes novidades tecnológicas, patrocinando um paradoxo patético: repetem-se enquanto discutem internamente o que fazer, quando saltam a sua frente a informação instantânea, o conhecimento novo e a chuva de novidades que seriam material bruto de trabalho, assim, não as utilizam integralmente porque não as entendem, não as divulgam contextualizadas porque não conhecem todo o seu alcance – cambaleiam.

Na pista rápida avançam sem freio as indústrias das telecomunicações, dos dispositivos móveis, dos computadores e dos softwares de todos os tamanhos, dos mais pesados aos miúdos aplicativos para telefones inteligentes. Assumem a postura do buraco da agulha em que todo o resto (da humanidade) tem que passar por ali, e passa.

Tanto os weblogs, as redes sociais, micro blogs e aplicativos móveis, quanto os dispositivos digitais de leitura e a atual profusão de formatos e softwares de leitura de textos que um dia chamamos de “livro” (ali na esquina de “os livro”), nem chegaram a ser digeridos pelo publishing e jornalismo, já são substituídos por versões atualizadas, mais sofisticadas e, para complicar, mais fragmentadas.

Está em curso uma guerra de formatos (dezenas), dentro de uma antiga (dez anos atualmente talvez equivalha a um século) guerra de plataformas (uma mão cheia), leia-se herdeiros de Bill Gates e aliados contra os recentes órfãos de Steve Jobs e seguidores xiitas.

Da mesma forma que a maioria dos jornalistas nunca chegou a adotar o hipertexto, como elo de informação e fontes em parâmetros de linguagem de alto nível, um tabu (semelhante à virgindade) até tornar-se obsoleto substituído pela atual profusão de recursos interativos, nativos ou de plataforma aberta, nas nuvens ou integrado numa mothership qualquer das redes sociais; a maioria dos publishers (de jornais e de editoras de livros) repetiu a resistência com relação ao surgimento de novos tipos de livros recursos de leitura, acesso a referências e monetização.

É certo que, de um lado tanto o publishing quanto o jornalismo ganharam, ao guarnecerem seus antigos territórios (graças a uma meia dúzia de empresários experimentados e sábios do ramo), mas é possível que tenham perdido em profundidade, posto que não chegaram a assimilar uma parte da história recente, perderam rico estofo cultural tecnológico. Por esta via ocorre um nivelamento dos mais antigos com os que acabaram de aprender pela metade as novas ferramentas. A passagem saudável de uma Royal para a frieza ágil de uma IBM de esfera e subsequentemente aos editores do texto com memória, deram aquele estofo; o “gap” de não ter assimilado o pulo das páginas estáticas da web para o estágio atual, ou do próximo semestre, provavelmente deixará sequelas irreparáveis no ferramental humano do publishing e do jornalismo. Ficará um branco histórico, talvez só compreendido daqui a muito tempo.

Os pesquisadores em jornalismo talvez queiram iluminar este vazio, agora. Fica o desafio.

Já, no publishing, os gatos sabidos e pingados de um mesmo couro praticam a velha tática de criar dificuldade para vender facilidade – livro digital não é nada complicado, apenas deve ser produzido por quem realmente conhece todos os seus meandros, como na indústria gráfica, ou você se aventuraria a editar livros impressos conhecendo a produção de apenas um tipo de encadernação?

“What is this?”

Em agosto de 2010, publiquei na Clínica Literária um artigo a partir de entrevistas com especialistas internacionais da indústria do livro com o título provocativo Editoras Assustadas com a Explosão da Era Digital.

Roger Chartier – French historian, École des Hautes Etudes en Sciences Sociales.

Mike Shatzkin – New York, The Idea Logical Company.

Joshua Tallent – Texas, eBookArchitects.

Ronaldo Lemos – RJ, Fundação Getúlio Vargas, Direito Tecnologia e Cultura.

Carlos Viceconti – São Paulo, DigiSign.

Brian Solis – New York, autor de briansolis.comand Engage! Palestrante do Digital Age 2.0. São Paulo, 18 e 19 de agosto de 2010, no Sheraton WTC Hotel.

John Thompson – Londres, Universidade Cambridge, The Book in the Digital Age.

Rich Jaroslovsky – San Francisco, Bloomberg, criador do Wall Street online.

Adam Hanft – New York, New York, Creative Director at Faith Popcorn's BrainReserve.

Pois o vento levou, isto é, mudou, e, passados dois anos, assustados estão os que previam que o livro de papel iria acabar. Quer dizer, todos estão assustados hoje, há até quem grite que não se sabe mais o que é um livro, ou como um livro deve ser, quase um pesadelo, imaginar que o editor de textos pipocará na tela “what is this” quando digitarmos a palavra “livro”. A imprensa não acompanhou essa efervescência como se isso fosse assunto apenas para cadernos especiais, colunas ou, ainda, programas afastados da grade do prime time.

Ajeite-se na cadeira, “sleep off your shoes and enjoy the show”, o texto é híbrido assim como o novo livro que vem aí, o “livro híbrido”; continua (o aviso é importante porque num eReader a página poderia pular aqui):

O primeiro encontro nacional sobre eBook aconteceria em São Paulo, naquele mesmo mês em 2010, precedendo a Bienal do Livro, portanto eram muito oportunas as opiniões dos entrevistados, alguns inclusive eram palestrantes do evento. E, entre os entrevistados que não vieram, estava o Prof. Roger Chartier, acadêmico reconhecido internacionalmente, especialista na história da leitura. Chartier é dono do mantra de que a leitura na era digital é fragmentada, ele relembra um processo que encanta aos que gostam de história: no início se lia caminhando, de mãos para trás, enquanto servos iletrados desenrolavam longos pergaminhos; depois do codex e até o final do século XX, abríamos as páginas dos livros para uma viagem da qual nunca saíamos ilesos; com o livro digital ainda teremos que definir, mas sabe-se que os servidores são o nosso Tendão de Aquiles (se caírem, podemos não ter acesso a nada) e não se pode ler sem o indicador, embora alguns utilizem leitores tão pequenos que só mesmo com o polegar, par ler, e escrever… Isso ainda vai causar sérios danos ao cérebro do homo sapiens.

O entrevistado Joshua Tallent, texano especialista da produção de livros digitais, autor do guia de produção de Kindle da Amazon.com, definiu o seguinte: “tentar copiar um livro de papel num dispositivo digital é como dirigir um Mustang como se estivesse cavalgando o animal” (Ô, ô, mustangue é um cavalo, lembra?).

Shatzkin, um novaiorquino agitado, ex-livreiro e filho de livreiro, era um dos que entrevistei e também esperado com grande excitação pelos organizadores de O Livro na Era Digital, e concluiu seu ponto de vista cético sobre o futuro do livro de uma forma inusitada: “não tentaria viver dos rendimentos como um editor ou vendedor de livros nos próximos dez anos”. Passados dois anos, o Sr. Shatkin, às vésperas de um lançamento bombástico da Apple, a revolucionar o mercado editorial, publicou em seu blog que não há números sólidos para analisar o publishing business, nem demográficos nem de segmentos de mercado editorial, tampouco detalhamento vertical nem horizontal da performance dos gêneros comparada entre impressos e digitais.

O Sr. Shatzkin não quer viver dos rendimentos de editor ou vendedor de livros, ele é consultor, e sua descrição sobre o book business é a seguinte; trata-se de um negócio granulado, com uma taxa de mudança borbulhante.

Entre grãos e bolhas, ou fragmentação, a indústria das telecomunicações (hardware e software) puxa a carroça que corta o eldorado de nossos tempos, pareando o esforço com a indústria dos computadores móveis, correlatos e sua carnavalesca existência de softwares (mercado mobile, de aplicativos e redes sociais), carroça esta a mil pelo brasil da Internet e da web (duas coisas diferentes); o mercado do publishing, especialmente o de livros, olha o horizonte, olha, do nascer ao pôr do sol, misturando-se esparsamente às miragens; o jornalismo passa batido, não cobre, não explora, não investiga, não contextualiza apropriadamente. O que é isso companheiro?

Voltar a ler o mundo

No início era o verbo e diziam: o livro de papel vai acabar. Já não dizem mais, inclusive o avanço da indústria do livro digital não duplicou, como previam os futuristas do presente, ficaram frustrados, veja só, porque não duplicou em 2011, cresceu mas não duplicou, poxa vida…

O negócio do livro digital veio para ficar, isto é ponto final, mas os que pegaram carona naquela carroça caem pelo caminho e tentam o reembarque em movimento porque não há outra saída. Uns nem pertenciam ao mercado de livros tradicionais, outros já nem sabem mais produzir livros de papel. Uma das razões de alguns livros de papel de fato terem acabado. Clássicos, por exemplo, rareiam quase à inexistência. Ãh, back list? Ora, livro digital não tem back list.

Aliás, houve um tempo em que era praxe uma editora colocar o maior número possível de títulos no mercado por ano, e ecoava das “casas” o bordão “escritor bom é escritor morto”. Isso mudou. E, atualmente, a fórmula de contribuição financeira de um título não é mais universal. Umas editoras multiplicam o custo de um por 5, outras por 7 e há as multiplicam por 10 para obter o preço de capa, depois cedem descontos para a malha de distribuição (estrangulada pela matemática = logística cara ineficiente + baixo índice de leitura per capita + custo de estoque) a ponto de diluírem qualquer racional prático de lucratividade. O índice de leitura no Brasil continua por um cálice de vinho.

Enquanto me maneio neste artigo, estão sendo lançados novos dispositivos de leitura, novos formatos de arquivos digitais estão sendo validados pelos organismos que se intitulam reguladores, validadores; segundo os quais, o ePub 2 estará obsoleto antes do final do ano, sem que o mercado tenha aprendido tudo sobre ele, e a versão 3 beta será “o cara”, contudo, já na pia batismal estará obsoleta também; as marcas brigam por share of clicks per bytes, a Apple, por exemplo, voltou a abalar o mercado, na quinta-feira (19/1), ao lançar uma plataforma que oportunizará sons e imagens em movimento aos livros digitais, o tal do livro híbrido, que, aliás, trará links e ícones que permitirão a execução de exercícios (educacionais) e arrancarão o leitor das “telas” do livro que estiver lendo para navegar em outras águas. Se ele voltará para o livro, não se sabe… Maçã de fundo de quintal morde mercado editorial

Mas quem sabe o livro alcance o status de “tudo”, livro será o mundo ao redor, e ler, finalmente, será apreender o mundo que nos rodeia.

Se o jornalismo assimilar isso tudo já, poderemos voltar a ler de verdade o mundo que nos rodeia através dos jornais, em vez de apenas mimetizar uma onda social etérea, idiotizante.

Por baixo dessa poeira toda, perde-se o foco do valor da leitura e da própria língua, do pensamento. Perde-se também a oportunidade de aproveitamento de novidades que passam ao largo, simples e tão interessantes quanto os iTablets, Nooks e Kindle Fire da vida, me refiro às canetas digitais que possibilitam armazenar anotações feitas à mão, desenhos e textos, rabiscos, só para citar uma das novidades perdidas pelo mercado. Parece que o mundo se entregou à produção de coisas e momentos, em detrimento da produção de idéias e do reservoir… Pensa-se menos hoje dia, eu acho – e será que ainda existimos? Agora, plagiando o velho publicitário Roberto Duailibi, este artigo não tem fim, a partir daqui o problema é seu.

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[Luís Peazêé escritor, jornalista e tradutor]