Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O jornalista e a mordaça

Editor e articulista veterano, Emilio Palacio dispensa conselhos para elaborar seus artigos. Mas o jornalista equatoriano de 48 anos, que durante 13 anos dirigiu a página de opinião do jornal El Universo, teve de recorrer a profissionais para redigir seu último argumento, talvez o mais importante de sua carreira. Condenado a três anos de prisão por ter supostamente ofendido o presidente Rafael Correa, Palacio pediu asilo político aos EUA e semana passada teve audiência no Departamento de Imigração, em Miami, onde está foragido. O cônsul-geral do Equador em Miami negou que Palacio fosse um perseguido político, mas apenas um réu em um crime comum: a calúnia. O problema, no Equador, é que a política engoliu a Justiça. “Esse é um caso clássico de perseguição política”, diz sua advogada, Sandra Grossman. “A ação contra o senhor Palacio foi para silenciá-lo.”

A palavra final do governo americano pode demorar dias, semanas, meses ou até anos. Quando vier, determinará a sorte do jornalista e de seu jornal, mas também pode criar um marco para a imprensa da América Latina, que anda maltratada. Desde 2007, Correa trava uma batalha inédita com a imprensa. Não que seja antimídia. Pelo contrário, entende como poucos o peso da comunicação. Antes dele, o governo operava uma estação de rádio – hoje é dono de mais de 15 veículos. E os meios que não possui, sequestra, ao convocar em ritmo ofegante cadeias nacionais para transmitir filípicas contra seus desafetos, especialmente na imprensa.

Instinto democrático

O destempero de Correa não se confina às palavras. Sua queda de braço com o “poder informativo” começou na Constituinte de 2007, que no Artigo 18 garante ao “povo” o direito à “informação verídica, averiguada, oportuna, contextualizada e plural” (leia-se tutelada). Não demorou para que o governo aplicasse a nova ordem. Ano passado, El Universo publicou um duro editorial acusando o presidente de ter simulado um golpe de Estado em 2010. O próprio presidente teria ordenado tropas leais a atirar contra o hospital onde ele estava negociando com policiais rebelados.

O governo retaliou a “calúnia”, exigindo a prisão de três diretores do jornal e multa pesada. Palacio, temendo a falência do jornal, pediu demissão e o jornal convidou o governo a responder ao artigo. Correa não quis saber. A Justiça não o decepcionou e, em 24 horas, condenou Palacio e dois diretores.

Quando se lançou candidato à presidência, Correa esforçava-se para se desvincular de um ativo político tóxico: Hugo Chávez. Correa hoje parece empenhado não em copiar o homem forte venezuelano, mas em superá-lo. Com a nova Constituição, ganhou sobrevida política, podendo estender seu mandato até 2017. Sabe que a mídia é peça fundamental nessa empreitada. Sua nova regra: a mídia está proibida de se manifestar “direta ou indiretamente” a favor de qualquer candidato, até nos editoriais. Também sabe que, sem partir para uma franca ditadura, dificilmente dominará a informação em uma sociedade como o Equador, com feroz instinto democrático. Mas poucos tentaram como Correa.

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[Mac Margolis é correspondente da revista Newsweek no Brasil, colunista do Estado de S.Paulo e edita o site www.brazilinfocus.com]