Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Culpar a polícia e a imprensa, estratégia previsível

Os jurados não conhecem a lei e só julgam os fatos. Mas o que interessa no júri é menos a racionalidade da lei, aplicada por seu presidente, e mais a emoção daquilo que se tem como justo, decidido pelos jurados. São eles que importam.

O júri é um teatro onde emoção e razão se encontram. Como bons atores, defesa e acusação entram em cena com alguns atos ensaiados, mas, sobretudo, jogo de cintura para improvisarem de acordo com as deixas.

O julgamento do caso Eloá não é diferente. A estratégia da defesa é arriscada e pode parecer desesperada, mas não deixa de ter lógica.

Colocar a mãe e o irmão da vítima como testemunhas evitou que os jurados vissem os familiares em prantos durante vários dias. E dispensar o testemunho da mãe quando ela finalmente seria ouvida fez com que os jurados, já privados de vê-la, também não a ouvissem.

Dividir a culpa com a imprensa é esperado em qualquer caso de repercussão. Além disso, é uma forma de convencer o juiz a estabelecer uma pena base menor, se a condenação for inevitável. Culpar a polícia é esperado sempre que possível.

Barreira da legalidade

Bater na tecla do cerceamento da defesa, embora também não seja original, prepara o terreno para pedir a anulação desse primeiro julgamento. Se colar, colou.

De todas as estratégias até agora, mandar a juíza estudar foi a mais arriscada e a única inusitada.

A verdadeira intenção da defesa só ela saberá. A impressão que fica, contudo, é que desejava mostrar factualmente o cerceamento por ter sido impedida de fazer a pergunta depois do prazo. Ou, simplesmente, começar um bate-boca que justificasse o abandono justo da causa, que já ameaçara antes. Ou talvez fosse só o cansaço.

A magistrada, por paciência ou sapiência, permitiu a pergunta temporã, o que tornou a estratégia fútil.

A defesa não pode ser cerceada, e é normal que, em casos de grande repercussão, ela ande no limite da razoabilidade. É seu direito.

Mas, mesmo que a juíza tenha decido que a barreira da legalidade não tenha sido transgredida, emocionalmente, isso pode predispor os jurados contra o réu.

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[Gustavo Romano é mestre em direito por Harvard e em ciências políticas pela UFMG. Produz o site direito.folha.com.br]