Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Câmara garante sair na frente

A iminência da entrada em vigor da Lei de Acesso a Informações Públicas tem revelado a falta de preparo dos órgãos públicos para se adequar às exigências constitucionais de transparência no poder público. Até mesmo a Controladoria-Geral da União já admitiu as dificuldades do governo para obedecer às regras da lei. No entanto, a situação parece mais confortável na Câmara dos Deputados. Representantes do grupo de trabalho criado para estudar e propor ações de transparência na Casa garantem: apesar da resistência que sofrem de alguns servidores e setores, a Câmara está pronta para as exigências impostas pela lei.

Sancionada pela presidenta Dilma Rousseff no dia 18 de novembro do ano passado, a Lei de Acesso à Informação define novos critérios de transparência para as informações públicas. Ela acaba com o sigilo eterno que alguns documentos até hoje têm e estabelece um prazo que acaba no próximo dia 18 de maio para que os órgãos de todos os poderes da República, tanto federais como estaduais e municipais tornem públicos e criem ferramentas de acesso fácil ao cidadão para seus documentos antes reservados. O problema é que, apesar da determinação legal, poucos órgãos têm de fato se mexido para se adequarem à lei.

Há diversos documentos sigilosos tanto na Câmara como no Senado, obtidos, principalmente, pelas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs). As Casas do Congresso, portanto, precisarão trabalhar para analisar tais documentos e para ver como eles devem ser tratados com base no que diz a Lei de Acesso: o que precisa ser tornado público imediatamente e de que forma os demais papeis precisarão ser gradativamente liberados. Com relação a isso, a Câmara parece estar bem mais avançada que o Senado.

No ano passado, a diretoria-geral da Câmara criou o projeto “Lei de Acesso à Informação”, composto por representantes da presidência e da primeira-secretaria da Casa, além das principais diretorias. O objetivo é avaliar e definir as formas de adaptação das normas já existentes na Casa aos requisitos que foram estabelecidos pela lei.

O grupo de trabalho estabeleceu duas metas principais neste primeiro momento. As informações que já estão disponíveis no portal da Casa serão levantadas e organizadas de forma que possam ser publicadas em formato aberto e em plataformas digitais mais simples para o cidadão comum. E o segundo passo é adequar, no âmbito legislativo, as normas internas às exigências da lei.

Normas internas

“A lei estipula que cada poder da república irá regulamentá-la nas suas esferas. Assim, a primeira coisa que precisamos fazer é um conjunto de normas internas que irão regulamentar a aplicação da lei no âmbito da Câmara dos Deputados”, explica Adolfo Furtado, diretor do Centro de Documentação e Informação da Câmara, e chefe do grupo de trabalho.

De acordo com Adolfo, a Câmara já tem uma legislação que trata especificamente de toda a desclassificação de informações de documentos sigilosos e secretos. “A aplicação da lei não é uma novidade para nós. A Câmara já faz isso há muitos anos, pois a Casa já agia nesse sentido com base em normas anteriores e agora teremos que atualizá-las, até mesmo porque os conceitos mudaram”, diz ele.

Uma regulamentação será publicada em 16 de maio com a modificação e atualização das regras de divulgação de informações. Ou seja, a Câmara definirá todos os parâmetros para cumprir a lei. No mesmo dia, será lançado também um plano de ação que esmiuçará as próximas medidas e seus prazos de implementação. “É uma forma de o cidadão saber porque algo ainda não está funcionando e quando isso valerá de fato. Assim, ele poderá nos cobrar”, afirma Adolfo. Ele garante que a partir de maio, a Casa já estará apta a cumprir todos os prazos estipulados pela lei, “ainda que não existam as informações solicitadas ou que dependam de pesquisa mais aprofundada, o cidadão terá um feedback dentro do prazo estabelecido”, garante Adolfo. No entanto, o grupo admite que questões que dependam de tecnologias específicas deverão demorar mais para serem implementadas.

Uma das principais ações desenvolvidas pelo grupo é a centralização dos pedidos de informação. “Hoje, cada informação pode ser solicitada em um lugar diferente. Queremos unificar isso de forma a que o cidadão possa rastrear para onde aquela solicitação dele está sendo encaminhada e o prazo em que será respondida. Já temos vários órgãos na Casa que fazem isso, o problema é que ainda não há essa unificação”, explica Adolfo.

Resistências

Apesar dos esforços, a política de transparência nem sempre é bem vista. Alguns setores da Casa têm reclamado das possíveis complicações que algumas informações poderiam causar, como a publicação de salários e gratificações. São servidores que seguem o entendimento dos funcionários do Senado que ganham salários acima do teto constitucional e que processaram o Congresso em Focopela divulgação de seus nomes, alegando que tal divulgação fere a sua privacidade. O grupo que trabalha na transparência da Câmara vem sendo pressionado por funcionários que querem que informações sobre cargos e vencimentos continuem secretas [Leia tudo sobre supersalários].

Segundo Adolfo, a pressão desses servidores não vai prevalecer. Segundo ele, a ordem do presidente da Casa, deputado Marco Maia (PT-RS), é no sentido de garantir a maior transparência possível. “Essa tem sido a posição não só desta presidência, mas de algumas anteriores. É um caminho que a Casa tem adotado como prática”, disse Adolfo.

Entenda o que diz a Lei de Acesso

Apesar de ser garantido pelo artigo 5º da Constituição desde 1988, o acesso à informação pública precisava ser regulamentado. A lei foi sancionada pela presidenta Dilma Rousseff em 18 de novembro de 2011 e entrará em vigor no próximo dia 18 de maio.

Pela lei, todos os cidadãos brasileiros poderão fazer qualquer tipo de solicitação de informação em todos os órgãos públicos, seja para o governo federal ou no âmbito dos estados e municípios. Sequer será necessário justificar o motivo para o pedido de informação.

A lei acaba com a possibilidade do chamado sigilo eterno, ou seja, que documentos públicos possam ter seu prazo de sigilo prorrogados indefinidamente, o que era permitido pela regra em vigor.

A lei, considerada uma das mais amplas do mundo, abrange todo o território nacional e todos os níveis de governo (federal, estadual e municipal) e vale para os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Os Tribunais de Contas e os Ministérios Públicos, além de autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e “demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios” também deverão cumprir a lei.

O texto estabelece prazos de sigilo diferentes para cada nível de classificação, ficando da seguinte maneira: documentos ultrassecretos ficam retidos por 25 anos; secretos por 15 anos, e reservados por cinco anos. Após esses prazos, a informação deverá ser “automaticamente” tornada pública, com exceção dos documentos ultrassecretos, que poderão ter o sigilo prorrogado mais uma única vez. Assim, o sigilo máximo de documentos será de 50 anos.

Todos os órgãos e entidades públicas passam a ser obrigados a divulgar, anualmente, uma relação com a quantidade de documentos classificados no período. É um mecanismo para que a população possa monitorar a produção de informação e saber exatamente quando poderá requerer tais dados no futuro.

***

[Mariana Haubert, do Congresso em Foco]