Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Não sou mais jornalista

O jornalista – agora ex-jornalista – “Lucho” Oviedo, com 35 anos de profissão, denuncia a situação de suborno generalizado em que está envolvida a categoria nos meios de comunicação de Cidade de Leste, Paraguai. Por esta razão, e por não aceitar participar de tal esquema de corrupção, o jornalista paraguaio faz a denúncia e, em protesto, deixa voluntariamente de exercer a profissão. Por se tratar de um caso raro (inédito?), traduzimos e estamos divulgando o material para conhecimento, reprodução e as checagens necessárias, se for o caso. Eis o texto. (Aldo Aldesco Escobar, jornalista)

Não sou mais jornalista

“Trabalhei nestes últimos cinco anos no Diário Vanguardia, de Cidade de Leste, onde exerci até hoje [9 de março de 2012] o cargo de chefe de Redação. Renuncio à minha profissão pelos seguintes motivos:

1 – A partir desta carta pública, ninguém em seu juízo perfeito ousará me contratar.

2 – Não tenho antecedentes policiais ou criminais.

3 – Sou filho de Odón Oviedo, que em vida e durante 35 anos lutou contra a ditadura de Alfredo Stroessner, por isto sendo desterrado, preso e até tendo perdido um dos pulmões.

4 – Nos anos 1980, fui um dos sócios fundadores daquele que foi um combativo Sindicato dos Jornalistas do Paraguai, sendo seu primeiro secretário-geral Alcibíades Gonzáles Delvalle.

5 – Recebi bolsa de estudo em Buenos Aires, junto à Faculdade Rubén Rodríguez, pela Comunidade Ibero-americana de Radiodifusão.

6 – Trabalhei 13 anos na Rádio 1º de Março, de Assunção, ao lado do professor Helio Vera, conduzindo por vários anos o programa matutino Marcando Pautas; trabalhei nove anos no jornal Hoy, com Bernardo Neri Farina, onde cheguei a secretário de Redação; outros tantos anos no Diário de Notícias, como secretário de Redação com Luis Alberto Mauro, e depois como chefe da Editoria Internacional. Após o golpe de Estado de 1989, fui redator e editor do noticiário principal do Canal 9, na época em que José Antonio Bianchi era chefe de Redação e Ernesto Gracia e Adela Mercado os apresentadores do telejornal; e fui secretário de Redação do semanário Tiempo 14, de Humberto Rubín.

7 – Nunca fui pedir trabalho em nenhum desses meios de comunicação citados, pois sempre fui chamado para prestar meus serviços.

8 – Nunca fui advertido, suspenso e muito menos retirado de qualquer dos postos de trabalho citados (a menos que o Ministério de Justiça e Trabalho diga o contrário).

Atividade nobre, mas prostituída

9 – A única vez que saí para buscar trabalho foi no final de 2006, indo ao jornal Última Hora [de Assunção], sob a direção de Oscar Ayala Bogarín, e ao jornal ABC Color, sob a chefia de Luis Gauto, ambos cronistas do jornal Hoy e Diário de Notícias, respectivamente, na mesma época em que eu desempenhava o cargo de secretário de Redação nesses jornais. Os dois me fecharam as portas apesar de ter pedido ajuda a Pedro Gómez Silgueira (a quem emprestei o dinheiro necessário para comprar sua casa) e a Héctor Rodríguez (que conheceu meu falecido pai, pois é nosso vizinho no Bairro Jara), ambos do ABC Color.

10 – Desprestigiado em Assunção pelos agora meus ex-colegas, emigrei no início de 2007 para Cidade de Leste, onde nesses dias correm fortes rumores de que todos os trabalhadores dos meios de comunicação da cidade recebem semanalmente dinheiro de várias entidades estatais, municipais e até instituições de segurança. Fala-se, inclusive, de uma “guerra entre jornalistas arrecadadores”, versão que não posso e tampouco me interessa provar ou discutir com alguém, pois não sou Galileu. Parece que o único que continua vivendo de seu trabalho é o idiota que escreve estas linhas.

11 – Carrego nas costas toda a minha trajetória profissional, além da dos meus pais, o que não é pouca coisa. Ficarão meus filhos Julio César, José Luis e Martín e gostaria de deixar, ao morrer, os únicos tesouros que herdei de meus progenitores: conduta reta, honradez sem mácula, coerência e sinceridade (qualquer dúvida, consulte Pepa Kostianovsky [antiga jornalista e atualmente parlamentar na cidade de Assunção]).

Posso desonrar legado tão rico e sujar meu sobrenome paterno recebendo subornos, como muitos, ou divulgando algo manipulado? Ni ka´re [Nem bêbado].

Por tudo isso, renuncio a esta atividade tão nobre mas por sua vez tão prostituída. Não sou mais jornalista. (Leandro Oviedo, aliás “Lucho”, Cidade de Leste, Paraguai)