Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O “jornalismo” de emboscada

Não acredito em jornalismo imparcial. Todo mundo tem lado. Por ação ou omissão. Há quem diga não ter lado, sobretudo nossa “mui digna” grande imprensa. Mas todo mundo tem lado, sim. Apenas alguns se escondem atrás dos muros – sem falar nos que ficam em cima – e afirmam não ter. Até onde vai a liberdade de informar? A liberdade de expressão tem limites? Se sim, quais?

Nenhum direito é absoluto. Mesmo o capitalismo, que tem na propriedade privada sua pilastra-mãe de sustentação, não tem a propriedade privada como um direito absoluto. Por que, então, a liberdade de expressão não pode ou não deve ser regulamentada? Pode, sim. Óbvio que sem a miragem totalitária de querer legislar sobre conteúdo. A imprensa não pode ser o cálice sagrado de Indiana Jones, que quem toca morre, é amaldiçoado ou se arrebenta todo. Nada se discute sobre ela sem que venha uma chuva de articulistas do latifúndio midiático falar em atentado à liberdade de imprensa. Aliás, o mesmo latifúndio que aplaudiu o golpe que censurou jornais, revistas e TVs.

Pode o CQC enfiar goela abaixo um microfone na cara de um parlamentar/cidadão e obrigá-lo a conceder uma entrevista? Claro que não. É prerrogativa do cidadão/parlamentar conceder ou não uma entrevista. Cabendo a ele o ônus ou o bônus de querer falar ou não com a imprensa. Este “jornalismo” de emboscada nos corredores do Congresso Nacional não pode criar a “entrevista compulsória”, uma modalidade totalitária travestida de jornalismo. É “custe o que custar”, é vale-tudo em forma de emboscadas nos corredores do Congresso? Custa perguntar ao parlamentar ou ao cidadão se deseja ou não conceder uma entrevista? Ou o CQC entende que o parlamentar/cidadão é obrigado a conceder uma entrevista?

Obcecado pelo trabalho

Tratar o Congresso como uma casa de tolerância, ao contrário do que muita gente pensa, não é uma atitude politizada. Jogar todos os congressistas na vala comum, demonizando a política, é um viés retrógrado e conservador de nossa mídia. Quebrar ou fragilizar nossas instituições não é um bom negócio pra ninguém. O Congresso é uma amostra da sociedade. E como tal, tem gente boa e gente ruim. Tem gente que trabalha e gente vagabunda. Gente honesta e gente corrupta, entre outros atributos. Assim como todos os setores da sociedade, inclusive nossa “mui digna” grande imprensa.

A atitude do deputado Luiz Couto (PT-PB) em arrancar o microfone do “emboscante” do CQC foi, no máximo, um desabafo de quem acha que tem o direto de conceder ou não uma entrevista. Talvez tenha faltado molejo ao deputado pra deixar o repórter falando sozinho e se ocupar de seu trabalho. Coisa que o deputado faz e muito ciosamente. É o primeiro a chegar e o último a sair.

Em tempo: Trabalhei cinco anos em Brasília no gabinete do deputado Luiz Couto (PT-PB). Nunca vi alguém tão disciplinado e obcecado para o trabalho. Chega cedo e sempre é o último a sair. Esta virtude ninguém arranca dele.

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[Nilton José Dantas Wanderley é bacharel em Ciências Sociais]