Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Quase fui em cana

Como diz o outro, “não roubei, não matei, não trafiquei drogas”. Tampouco desviei recursos públicos ou me meti em uma dessas falcatruas que povoam o noticiário. O problema foi outro. De manifestação de pensamento.

Muito já se falou e escreveu sobre as tentativas de pressão e censura a que o jornalista está submetido nos dias de hoje, após o fim da última ditadura e a extinção da censura oficial de Estado. Os casos são inúmeros. Até hoje, por exemplo, o Estado de S.Paulo está proibido de publicar reportagem sobre a Operação Boi Barrica, que envolve o filho do senador José Sarney. Relato um caso miúdo, mas típico, de pressão a que o profissional de imprensa está submetido nos dias de hoje. Publiquei a seguinte nota, na coluna “Tempo Presente”, de A Tarde (Salvador, BA), salvo engano no início de 2011:

Advogados visitam Casa Civil

Pouco antes de os novos secretários do governador Jaques Wagner (PT) tomarem posse, os advogados Francisco Bastos e André Teixeira fizeram uma visita à sede da governadoria. Sócios de Carlos Suarez, eles são alvos de ações civis públicas movidas pelos ministérios públicos federal (MPF) e estadual (MPE) por crimes ambientais. Os dois saíram discretamente do prédio enquanto os jornalistas começavam a chegar para cobrir a posse dos secretários. A reportagem de A Tarde apurou que eles tiveram no local para visitar o coordenador-executivo de Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil, Eracy Lafuente, o homem por trás da mesa por onde passam importantes projetos do governo Wagner. Por meio de sua secretária, Lafuente negou que se tivesse reunido com Bastos e Teixeira.”

Virei réu numa ação de calúnia, injúria e difamação, movida por Bastos e Teixeira. Se fosse condenado, poderia ser preso a uma pena de 3 (três) meses a 1 (um) ano de detenção e pagar multa.

Desmandos da corrupção

Na queixa, os dois reclamantes dizem que foram parar na sala de Lafuente “por engano”, mas se sentiram injuriados pela publicação da nota. O juiz da 17ª Vara Criminal de Salvador entendeu que os dois querelantes se zangaram, na verdade, com a divulgação de que estão sendo processados pelos ministérios públicos federal e estadual por crimes ambientais em Salvador e me “absolveu”. Ou seja, escapei da cadeia.

Essa estratégia de intimidação, vinda das pessoas ligadas ao mercado imobiliário, atinge também os jornalistas Valmar Hupsel Filho e Aguirre Peixoto Talento, que igualmente estão sendo processados por motivos semelhantes – publicarem matérias sobre os processos movidos pelo Ministério Público contra a devastação das áreas verdes da capital baiana com a complacência das autoridades públicas.

Ações desse tipo, num país em que não existe censura e é garantida a liberdade de imprensa (com responsabilidade), têm tudo para não lograr êxito, mas cumprem sua função de intimidar e pressionar o jornalista, pois só o simples fato de ser obrigado a sentar no banco dos réus é desagradável. Ainda mais para quem faz frequentemente matérias denunciando os desmandos da corrupção que campeiam no Brasil.

A sociedade precisa reagir. Não fosse a coragem dos jornalistas que produzem essas matérias (os processados e os não processados), talvez a Justiça não tivesse, por exemplo, anulado essa Lei de Ordenamento do Uso do Solo (Louos) e o PDDU da Copa que o prefeito de Salvador fez aprovar nessa péssima Câmara Municipal, totalmente manietada.

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[Biaggio Talento é jornalista]