Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Jornais argentinos denunciam censura do governo

A Associação das Empresas Jornalísticas da Argentina (Adepa) afirmou que a pressão do governo de Cristina Kirchner para impedir que as redes de supermercados e cadeias de lojas de eletrodomésticos anunciem em jornais e na TV é uma forma de censura. Segundo Daniel Dessein, presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa do órgão, esta ação afeta ao menos dois artigos da Constituição argentina, além de diversos tratados internacionais dos quais o país vizinho é signatário. Ele afirma que já há quem analise a possibilidade de levar o caso ao Judiciário.

– Para nós, é claro que há um problema legal, porém não existe uma ordem formal para a suspensão dos anúncios. Isso ocorreu na base da pressão, o que dificulta ações judiciais, ainda mais neste momento que atravessamos, onde o próprio Judiciário é cerceado – afirmou Dessein.

O presidente da comissão lembra que o impacto econômico é muito forte para as empresas, o que pode comprometer a liberdade editorial. Ele conta que os dois segmentos estão entre os maiores anunciantes argentinos. Representam cerca de 20% da verba publicitária local, embora, em alguns jornais e períodos do ano, possam atingir 50%:

– Não sabemos ainda como equilibrar as finanças nesse cenário, as empresas ainda estão fazendo contas. Mas acredito que a primeira medida será reduzir páginas dos jornais para economizar.

Ele afirma que diversas entidades internacionais, como a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), estão preocupadas com a situação na Argentina. Mas já antes disso, conta, a imprensa livre sofria com restrições à publicidade oficial e à compra de papel.

– Acredito que o controle de preços do governo foi a desculpa ideal para mais um golpe no jornalismo livre – disse.

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Governo nega controle de preços e de anúncios

O governo argentino nega tanto a existência de um controle de preços no país vizinho como a pressão para a suspensão dos anúncios publicitários. Porém, empresários do setor afirmaram aos jornais locais, sob sigilo, que isso foi solicitado na última segunda-feira, em uma reunião na qual representantes do governo pediram que os executivos fossem sem celulares, para evitar registros do encontro.

“Em um novo e inédito atropelo sobre os direitos constitucionais de toda a população, o secretário de Comércio (Guillermo Moreno) pressionou as cadeias de supermercados e eletrodomésticos para que deixem de publicar anúncios de qualquer natureza nos meios de comunicação de todo o país”, afirmou em nota a Associação de Editores de Diários da Cidade de Buenos Aires (AEDBA). Um porta-voz do Grupo Clarín confirmou às agências de notícias que as lojas suspenderam seus anúncios de fim de semana.

O governo negou a pressão:

– Eles já não sabem o que inventar. Isso é uma invenção do Clarín – disse ontem [sexta, 8/2] em Buenos Aires María Lucila “Pimpi” Colombo, subsecretária de Defesa do Consumidor, ressaltando que o que houve foi uma parceria nos preços:

– Houve um acordo entre empresas e o governo, e as autoridades vão controlar o cumprimento desse acordo. Temos um site de informação de preços, fazemos um acompanhamento do que está ocorrendo, e a nossa informação não é essa que está saindo nos jornais – disse ela, repetindo o apelo para que os consumidores denunciem quando encontrarem preços acima dos valores definidos anteriormente.

Desabastecimento assombra

Ela também negou que haja risco de desabastecimento até abril, período em que os preços ficarão controlados. A medida é mais uma iniciativa para segurar a inflação, que, embora oficialmente controlada, vem crescendo, segundo institutos de pesquisa independentes e órgãos internacionais de economia. Essa situação começa a gerar tensão social, com diversos protestos e anúncios de greves por correções reais de salários.

– Nos governos de Néstor e Cristina Kirchner nunca houve desabastecimento. O governo tomará as medidas necessárias, de acordo com os desafios que possam surgir.

María disse que o governo trabalha para ampliar a produção nacional e reduzir as importações, mantendo o poder de compra da população:

– De agora até abril não haverá aumento de preços de nada. E acho que isso é uma boa notícia – concluiu. (Henrique Gomes Batista, com agências internacionais)

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[Henrique Gomes Batista, de O Globo]