Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A caveira do Bope da PM da Paraíba

A política paraibana, e de alguma forma a do restante do país, ocupou-se, ao final de março de 2013, com uma controvérsia que envolve, de uma parte, condenar e proibir o simbolismo da “caveira” exibida no uniforme dos policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar da Paraíba (ver aqui). De outra parte, incluindo os próprios policiais militares da Paraíba, foi sustentada uma visão positiva da tradicional “caveira”, símbolo bastante difundido de “tropas especiais”, caso dos “Comandos” do Exército Brasileiro (ver aqui), “Comandos Anfíbios” do Corpo de Fuzileiros Navais (CFN) da Marinha do Brasil (ver aqui), além de várias “unidades especiais” de diversos outros países do mundo, a exemplo: Estados Unidos da América (ver aqui), Reino Unido (ver aqui) e França (aqui).

A mídia reverberou em várias fontes a “controvérsia paraibana da caveira”:

>> Portal Correio: “Após polêmica, a ‘caveira’ é retirada da farda do Bope da PM da Paraíba

>> Paraíba.com: “A ‘caveira’ que preocupa é a do povo que morre na rua, diz major Fábio sobre polêmica do Bope

>> G1/Paraíba: “Comandante da PM da Paraíba proíbe uso de caveira como símbolo

>> NE 10: “Bope é proibido de utilizar caveira como símbolo na Paraíba

Objeto de fascinação

O imbróglio paraibano sobre a “caveira” (crânio) está baseado no significado simbólico que esse objeto possa ter no imaginário nacional e localmente na terra paraibana de Ariano Suassuna, Celso Furtado, Elba Ramalho, Geraldo Vandré, João Pessoa e tantos outros mais brasileiros ilustres. O crânio é um símbolo que transcende, em seu significado, não só a Paraíba como também o Brasil.

Obviamente que uma conotação do crânio humano é com a morte e a mortalidade. Mas que dizer da associação do crânio com o modismo dos motociclistas e da moda, roupas e tatuagens apreciadas por grande parte da sociedade global atual?

O crânio tem um poder simbólico diferenciado, já que representa também a face humana, do que resulta sua identificação bastante diferenciada em relação a outros ossos do corpo humano. Algo correlato acontece em mídias como a fotográfica, em que a face humana é sempre alvo da procura por aquele que contempla suas imagens. O cérebro humano tem uma região específica para reconhecer faces, e nela o crânio e a face estão em associação. Já o grande tamanho das cavidades orbitais do crânio tem especial conotação com a “neotenia” (também chamada “juvenilização”), produzindo uma espécie de efeito/atração estética por traços juvenis, ainda que num objeto morto e por mesmo isso inanimado como é o caso do osso do crânio. Ou seja, ainda que o crânio tenha um efeito simbólico derivado da repulsa pela morte, também é objeto de certa fascinação. A mente humana, igual que ao associar o crânio com a morte e o mal, também o relaciona com a vida, face, juventude, mente, consciência, poder, enfim, com a própria humanidade.

“Intolerância em apoio à tolerância”

Os mexicanos vão ao extremo de dar a forma de crânios a certas guloseimas e as imagens de “caveiras” estão postas até mesmo em veículos, tendo nelas dísticos de “Boa Sorte”. Crânios servem de motivos simbólicos de temas bem humanos e vivos, caso da litografia de Allan Gilbert, mostrando a imagem da “Gibson Girl” (em uma penteadeira) espelhada em um crânio ao espelho… (ver aqui).

Ainda quanto ao simbolismo do crânio (“caveira”), cabe citar parte da carta, a esse respeito, do major Jerônimo Pereira da Silva Bisneto, comandante do Bope/PMPB:

“Para nós, policiais militares, a caveira simboliza poder, força e invencibilidade. Um poder que, segundo a sociologia, é a habilidade de impor sua vontade sobre os outros, sendo essa vontade, não a nossa como pessoa física, mas sim a vontade da lei a que nos defende o Art. 144 da CF. A força que nos representa a superação do treinamento e do rigor da vida policial militar, além do Estado forte a que representamos, em seus diversos campos, a exemplo do político, com o próprio nome da capital, ao campo poético e literato como o destacado Augusto dos Anjos e outros nomes nacionalmente reconhecidos e, por fim a invencibilidade de nossa caveira, simbolizando que a Polícia Militar deve ser invencível frente à criminalidade em nosso Estado.”

Diante de tanta variabilidade do que existe sobre a imagem do crânio humano (“caveira”) e respectivo simbolismo, não é de esperar (e imaginar razoável…) que uma única interpretação possa ser tão preponderante (entre tantas possíveis…), a ponto de determinar seu banimento e eliminação de um uniforme. Mais ainda, estando esse simbolismo disseminado por uniformes de várias outras instituições policiais do país, instituições militares nacionais e diversas instituições militares de vários outros países democráticos e zelosos dos direitos de seus nacionais. Vale lembrar David Hume (um dos mais importantes pensadores da filosofia ocidental), ao apontar: “Quando os homens estão mais seguros e arrogantes, geralmente estão equivocados, postulando suas visões pela paixão, sem uma deliberação apropriada, que só ela pode assegurá-los do cometimento de absurdos os mais grosseiros”. Oportuno lembrar não só o filósofo Hume, mas também o poeta Samuel Coleridge, quando este último pondera: “Tenho visto grande intolerância exibida em apoio da tolerância.” E como se não bastassem os filósofos e os poetas, também os pacifistas opinam: “Raiva e intolerância são os inimigos do correto entendimento” (Mahatma Gandhi).

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George Felipe de Lima Dantas é professor, Brasília, DF