Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Prefeito de Buenos Aires faz manobra por apoio do 'Clarín’

Candidato declarado à Presidência da Argentina em 2015, o prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, fez ontem [quinta-feira, 30/5] a mais forte ofensiva entre os oposicionistas do país para obter o apoio do conglomerado de mídia Clarín, que está em confronto com a presidente Cristina Kirchner. A Câmara dos Vereadores aprovou um projeto de iniciativa do prefeito que avoca para a jurisdição municipal todos os temas relacionados à liberdade de expressão no país.

Pela lei aprovada, o Clarín poderá recorrer à justiça local para brecar as ações do governo federal. Uma possibilidade temida pelo grupo empresarial é a intervenção do órgão regulador do mercado de capitais a pedido do governo, que detém 9% das ações do grupo. Os aliados de Cristina alegam que a lei de Macri é inconstitucional, mas enquanto a Suprema Corte não a barrar formalmente, estará em vigor. “Qualquer norma de um ente público parte do princípio da validade jurídica”, comentou o advogado Rafael Gomez Diez.

“É importante que a mídia sirva de plataforma para a oposição se comunicar com o eleitorado. Em países como a Venezuela, as vozes destoantes já perderam esta capacidade”, afirmou Macri em uma entrevista coletiva com correspondentes estrangeiros.

O grupo Clarín, dono dos jornais de maior tiragem em Buenos Aires e nas grandes cidades do país, proprietário de emissoras de televisão, rádio e do principal sistema de TV a cabo, é o único conglomerado de mídia com presença nacional. Rompeu com o governo em 2008 e nas últimas semanas seu principal jornalista, Jorge Lanata, tem apresentado uma série de reportagens em um canal de TV em que levanta suspeitas de evasão de divisas, corrupção e lavagem de dinheiro contra a presidente e seus principais auxiliares.

“Hoje, o Clarín é o eixo da oposição na Argentina. A dúvida em relação à eleição presidencial é se construiria um candidato ou apoiaria um dos já existentes. Com essa lei o Macri saiu na frente”, opinou o cientista político Julio Burdman, da consultora Analytica. O prefeito de Buenos Aires não foi o único oposicionista a se movimentar em favor do Clarín. O governador de Córdoba, José Manuel De la Sota, que também tenta articular sua candidatura presidencial, apresentou proposta semelhante.

Recurso da violência

O prefeito de Buenos Aires elegeu-se em 2007 e se reelegeu quatro anos mais tarde pelo PRO, um partido pequeno. Conta com onze deputados, todos da capital (que tem o “status” de Distrito Federal) e dois prefeitos no principal Estado, a Província de Buenos Aires. Filho de Franco Macri, um dos principais empresários do país, ganhou notoriedade ao ser sequestrado por uma quadrilha de policiais, em 1991. Três anos depois, aventurou-se na política tornando-se primeiro presidente do principal clube de futebol do país, o Boca Juniors.

“Ele continua se apresentando como um antipolítico e procura atrair para si pessoas com o mesmo perfil. Não faz alianças com quem tem voto pelo país”, comentou o ex-ministro da Coordenação Política, Alberto Fernández, que ocupou a pasta durante o governo de Nestor Kirchner (2003-2007) e no primeiro ano de administração de Cristina Kirchner.

Macri tenta transformar seu isolamento político em um ativo. “O que eu quero é ver a sociedade civil exercer algum papel dentro da política. Gente com prestígio e com coisas para perder e não quadros partidários”, disse o prefeito. Entre seus aliados, estão economistas como Carlos Melconian e o presidente do estatal Banco Ciudad, Federico Sturzenegger, além do líder ruralista Alfredo De Angeli, na Província de Entre Ríos, e o comediante Miguel del Sel, em Santa Fé.

A gestão de Macri é marcada por um grande aumento da carga tributária. O prefeito não concede subsídios e triplicou o imposto sobre a propriedade, assim que se reelegeu, em 2011. Garantiu assim a independência em relação ao poder central – 92% de sua receita é própria. Outro traço marcante foram os confrontos com movimentos sociais: a polícia metropolitana reprimiu com dureza vendedores ambulantes, moradores de rua e até mesmo funcionários e pacientes de um hospital psiquiátrico, em diversos incidentes. “São setores minoritários que sempre recorrem à violência”, comentou o prefeito. No episódio do hospital psiquiátrico, em que parte da área será usada para a construção da nova sede de prefeitura, um fotógrafo do Clarín foi atingido com balas de borracha, algemado e detido.

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César Felício é correspondente do Valor Econômico em Buenos Aires