Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Ernesto Rodrigues

‘O noticiário sobre a nova temporada de documentários a serem exibidos pela TV Cultura, salvo o que seria um providencial engano da parte deste ombudsman, não mostra sinais de que os realizadores e os responsáveis pela escolha dos projetos tenham tido maiores preocupações com o que insisto em chamar aqui neste espaço de vocação desses conteúdos para a televisão. Refiro-me, como sempre, à televisão aberta brasileira.


Com todo respeito aos documentaristas que lutam por espaço no mercado brasileiro, temo que um problema central e original, mais uma vez, não tenha sido enfrentado com a urgência e a prioridade que merece. Esse problema começa quando se convoca, compulsoriamente, as emissoras públicas para a missão de exibir produções cinematográficas que têm pouca ou nenhuma chance de sucesso no circuito comercial.


Na base desse problema repousa o equívoco de se achar que televisão aberta é uma espécie de projetor de cinema alternativo, potencialmente capaz de multiplicar a platéia desses filmes, automática e geometricamente.O resultado tem sido um modelo que atenua, de certa forma, a solidão dos realizadores independentes sem resolver suas graves dificuldades de financiamento.


Ao mesmo tempo, a TV exibidora ganha notas positivas na mídia e entre os formadores de opinião sobre seu compromisso com o cinema independente nacional. O circuito comercial, por sua vez, sente-se ainda mais à vontade para entupir suas salas de pipoca e blockbusters juvenis bilionários. E os dirigentes responsáveis pela política de incentivos culturais, nos três níveis da administração pública, dormem em paz com a consciência, orgulhosos de estarem contribuindo para o fortalecimento do cinema nacional.


Apenas o telespectador, no entanto, costuma ficar mal nessa foto. Tão mal que geralmente troca de canal ou vai dormir mais cedo. E o faz porque, mesmo não sendo um especialista em cinema, percebe rapidamente a inadequação da maioria dos documentários à pulsação da televisão, a narrativa em geral hermética e elitista, a temática repetitiva e quase sempre desconectada da realidade que o circunda, a gramática que exige disciplina de sala escura e concentração de cinéfilo e um ambiente físico geralmente hostil à reflexão, barulhento, compartilhado, cheio de estímulos concorrentes da telinha – do apetite à vontade de conversar com os presentes – e, em última análise, muito pouco recomendado para uma sessão de cinema.


Não se trata, é claro, de banir os documentários da telinha, mas, suprema heresia para muitos, de adaptá-los, de traduzir seu conteúdo para a televisão, de dialogar com eles de forma diferente na hora de definir formatos e jamais esquecer que, na outra ponta, estará um telespectador. Não um freqüentador do circuito independente de cinema.


Enfrentar esse desafio é muito mais do que ligar um projetor.E nem sequer se dar ao trabalho de apagar a luz da sala.


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O homem-banda (4/6/09)


O quadro ‘Meu instrumento’, do programa Radiola, exibiu em 1º de junho um episódio antológico no qual Fernandinho Beat Box apresenta o ‘instrumento’ que lhe deu o apelido. A demonstração que ele faz de suas manobras vocais para reproduzir os sons e instrumentos acústicos e eletrônicos do mundo dos djs foi tão espetacular que pode levado muitos telespectadores a achar que se tratava de uma montagem de áudio. Com a garganta e a boca, Fernandinho faz som de ‘gato rouco’ para conseguir um baixo perfeito. Com vários tipos de tosse, ele produz sons diversos de caixa. E com uma cuspida seca faz surgir um bumbo inacreditável. Tudo perfeitamente idêntico aos sons originais. E exemplarmente bem-editado. Show.


Retorno


A propósito da coluna em que foi analisada a campanha institucional veiculada atualmente pela TV Cultura (‘Fogo amigo’, em 27 de maio), recebi, de Cícero Martins Feltrin, diretor de Captação e Marketing da emissora, o seguinte email:


‘Ernesto,


Obrigado por inserir nos teus comentários as questões relativas à nossa campanha institucional. Concordo com você, em parte, considerando que estamos – aqui no Marketing – trabalhando a campanha em toda a sua extensão.


O que quero dizer é que a campanha foi criada pensando em atingir os vários públicos da tv usando com humor o efeito ‘A TV que faz bem’. Os três primeiros filmes que estão sendo veiculados abordam basicamente os aspectos ligados ao jornalismo. Ainda estão em produção outros filmes que percorrem arte e cultura, infantil, literatura, etc. Com isso teremos um repertório mais amplo e essa sensação de estranhamento com certeza vai diminuir.


Os roteiros foram pré-testados e os filmes também, antes de entrarem em veiculação. A reação nos grupos foi muito positiva e não apontou nenhum problema. A intenção é despertar curiosidade. A reação dos personagens e a assinatura sem locução é proposital.


A questão agora é: o que vai acontecer se as pessoas decidirem testar essa TV que faz bem? Estamos realizando uma série de discussões em grupo com todas as faixas de telespectadores.


Cícero Martins Feltrin


Diretor de Captação e Marketing’


Feito o registro, resta aguardar a divulgação dos resultados dessas pesquisas e discussões com os telespectadores da emissora. Eles certamente serão úteis para todos os que têm responsabilidades relacionadas aos conteúdos transmitidos pela TV Cultura.


Incluindo este ombudsman.


Sujeito errado


Na bela crônica sobre a exposição do fotógrafo Cristiano Mascaro – em suas inspiradas andanças pelas ruas de São Paulo e de outras cidades, o Metrópolis de 1º de junho escorregou na construção de uma frase: ‘Arquiteto de formação, o habitat natural de Cristiano Mascaro é a cidade’. O arquiteto é o Cristiano. Não o habitat…


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A tragédia continua (3/6/09)


A cobertura que a televisão e a mídia impressa estão fazendo do acidente com o avião da Air France atende, obviamente, a uma espécie de demanda – legítima e compreensível, diga-se – de milhões de leitores e telespectadores impactados pelo fato no Brasil e no exterior. No âmbito do debate sobre o conteúdo e o papel da TV pública, essa cobertura volumosa e emocionada, com todo o respeito à dor dos que perderam entes queridos na tragédia, também serve como um importante ponto de partida para refletirmos sobre como o olhar da nossa mídia é mais intenso, mais detalhado e, de certa forma, mais sensível quando o assunto é um drama que atinge a elite que pode viajar de avião.


Não se trata, é claro, de negar à elite o direito de sofrer profundamente como qualquer ser humano, de qualquer classe social. Muito menos de condenar os profissionais responsáveis pela cobertura de serem tão eficientes na exposição e na discussão dessa tragédia. É o caso, sim, de lembrar que, na hora de dimensionar a cobertura, não podemos esquecer da tragédia que vai continuar no chão. Mais exatamente no asfalto traiçoeiro e mal-sinalizado de nossas ruas e estradas, onde vans e ônibus piratas superlotados, motoristas bêbados e despreparados, guardas rodoviários corruptos e selvagens pitboys ao volante de carrões assassinos comprados por pais negligentes vão dar seqüência à parceria mortal que sangra o Brasil há décadas. Impunemente.


Ao contrário do que acontece agora e do que aconteceu na tragédia do Airbus da TAM, não vamos conhecer as histórias brutalmente interrompidas da maioria dos mortos em acidentes de ônibus em nossas ruas e estradas. Eles serão dezenas de milhares, em um ano, a contar de hoje, amanhã ou do dia que quisermos. Não agüentaríamos ver tantas fotos, ler tantos perfis, derramar tantas lágrimas, explodir com tanta indignação e acompanhar o enterro de tanta gente tão parecida com nossos filhos, nossas mulheres e maridos, nossos irmãos, avós e colegas de trabalho. Morreríamos também, de dor e tristeza.


No caso desses milhares de mortes ainda por acontecer, não haverá caixa preta para apontar responsabilidades. Apenas destroços, cinzas, sangue e sucata. Não será o caso de derrubar o presidente da República, como quiseram na tragédia do Airbus da TAM. Não haverá revelação pericial para ser festejada por assessores palacianos com gestos obscenos. Não haverá ainda razão para trocar de ministro da Defesa, convocar uma nova CPI ou organizar passeatas de luto pelas avenidas.


Será assim por muito tempo porque, desgraçadamente, no atual estágio da civilização brasileira, aprendemos a reproduzir uma perversidade: de acordo com ela, acidente de avião não pode acontecer e, em acontecendo, tem investigação, intensa cobertura jornalística, indenização para os que ficam e, se possível, cadeia para os culpados ou negligentes. Já os acidentes de trânsito, bem, são tantos e de causas tão variadas e desconhecidas que temos mais é de rezar para escapar deles na selva de nossas ruas e estradas.


Desse modo, esquecemos ou não sabemos que, em outras civilizações contemporâneas, tragédias envolvendo carros, motos, ônibus e caminhões em ruas e estradas são dez, vinte, trinta vezes menos freqüentes do que no Brasil. E o são porque, em acontecendo, são investigadas, elucidadas e desdobradas judicialmente com um cuidado e um empenho muito semelhante ao que as autoridades e instituições desses países, imprensa incluída, dedicam aos seus raros acidentes aéreos.


É claro que acidentes de avião, aqui ou na Alemanha, têm uma carga diferente de dramaticidade tanto para quem está a bordo quanto para quem está do lado de fora, imaginando-se nas alturas, na pele do outro. Há várias explicações de ordem cultural e até fisiológica, que passam pela absoluta impotência do passageiro diante da iminência do desastre e pela altíssima taxa de mortalidade desse tipo de ‘sinistro’. Não importam, nessas horas, as estatísticas que fazem do transporte aéreo uma alternativa muitíssimo mais segura que a do rodoviário.


Espero que este texto não seja interpretado como uma manifestação de insensibilidade diante da dor das famílias atingidas pela tragédia do avião da Air France. Nem de crítica à cobertura correta – e possível – que o Jornal da Cultura vem fazendo do episódio. O objetivo, aqui, é o de tentar levar um pouco dessa consternação cidadã para a tragédia há muito anunciada – e confirmada – de nossas ruas e estradas.


Uma emissora pública não pode deixar de lado essa responsabilidade.


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Vida que segue (2/6/09)


Jornal da Cultura


Não foi o caso do Jornal da Cultura desta segunda-feira, 1º de junho, cujo primeiro bloco foi compreensivelmente dominado por sete matérias relacionadas à tragédia com o avião da Air France na rota Rio-Paris. Mas como não é todo dia que acontece uma notícia dessas proporções – seja ela boa ou ruim – o que se discute muito nas redações e já mobiliza alguns telespectadores, quanto mais intensa é a disputa de audiência, é a paginação dos telejornais.


No Brasil, a discussão ganhou força nos anos 90, quando o telejornal de maior audiência do país, o Jornal Nacional, já enfrentando uma queda de audiência que continua até hoje, começou a ser paginado não de acordo com o modelo clássico das ‘editorias’ – que agrupava e esgotava temas semelhantes de uma só vez – mas distribuindo as notícias ao longo dos blocos do telejornal, de acordo com seu impacto, sua importância e seu apelo de audiência. O argumento dos defensores da mudança era – e ainda é – o de que essa é uma forma de não perder audiência e de manter a atenção do telespectador até o final.


Exemplo dessa tendência foi a edição do Jornal da Cultura de 25 de maio passado, que deu notícias importantes na área de cidadania – como o fim das limitações de gastos pelos planos de saúde, o ‘impostômetro’ instalado no centro de São Paulo a linha de crédito de R$ 13 bilhões aberta pelo Banco do Brasil – em três blocos diferentes. No mesmo telejornal, um flagrante da falta de vigilância no Palácio de Buckingham, a crise do casal Kirchner com um programa humorístico da TV argentina e o processo aberto contra os cientologistas na França, em vez de estarem concentradas num determinado momento do jornal, foram espalhadas pelo script.


Sem ter a pretensão de estar com a razão absoluta – e também levando em conta a extraordinária dificuldade de se interpretar correta e cientificamente a fenomenologia de audiência em TV aberta – tendo a achar que esse modelo ‘diluidor’ de editorias – ao contrário do modelo consagrado em décadas de jornalismo impresso e eletrônico – aprofunda ainda mais a natureza de certa forma ‘esquizofrênica’ que já faz parte do DNA do telejornalismo. Daí a impressão de que exibir e esgotar uma editoria de cada vez, de acordo com o potencial diário de cada uma, talvez seja menos desconfortável para o telespectador. Até porque fragmentação é o que não falta em nosso cotidiano, qualquer que seja o lado para o qual a gente olhe.


Ruídos


Na reportagem da parceira TV Brasil exibida pelo Jornal da Cultura sobre a tragédia do Airbus, o balcão vazio do Aeroporto Tom Jobim apontado como sendo da companhia Air France era, na verdade, da American Airlines. E na apresentação dos textos do JC, a pronúncia do nome Air France, em alguns momentos, não foi nem francesa – carregada no ‘r’ – nem brasileira. Foi inexplicavelmente americana: ‘Air Frence’.


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Altos e baixos (1/6/09)


ALTOS


Remédio providencial


Roda Viva, 4 de maio


Foi uma espécie de acerto de contas, pelo menos da parte da TV Cultura, na dívida que a mídia em geral contraiu com o público nos últimos dias com uma cobertura algo exaltada – e alarmista, em alguns casos – do surgimento da gripe cuja confusão começou pelo próprio nome de batismo. A interessante e oportuna edição do Roda Viva com o secretário estadual Saúde de São Paulo, Luiz Roberto Barradas Barata, além de esclarecer a maioria das dúvidas que podem ainda estar causando preocupação aos brasileiros, foi enriquecedora e utilíssima no que se refere à preparação dos cidadãos comuns para a chegada da gripe ao país.


Verdades do chuveiro


Pé na Rua, 5 de maio


Mais uma enquete antológica do Pé na Rua, desta vez com João e Gabi comandando a divertida pesquisa da edição de 5 de maio sobre o que as pessoas fazem debaixo do chuveiro. Além do show de inserções videográficas inspiradas e do esforço de botar um chuveiro cenográfico no centro de São Paulo, a reportagem mostrou respostas e performances divertidas e surpreendentes que incluíram imitação de Sílvio Santos, concerto de ópera, agradecimento por um suposto Oscar de melhor atriz, canja de pagode, cena de filme de Hitchcock e participação no famoso clipe ‘We are the world’. Brincadeiras à parte, o programa também teve o cuidado de chamar a atenção do telespectador para a importância de economizar água com banhos mais curtos.


Química perfeita


Nossa Língua


O ator e repórter Felipe Reis continua perfeito no papel do apresentador de telejornal que protagoniza diálogos bem-humorados da linguagem jornalística com os temas do programa.


Dose dupla de humor


Móbile, 27 de maio


O humor, que apenas se ‘hospeda’ em quadros e espaços eventuais da programação da emissora, mostrou sua força na abertura do Móbile de 27 de maio, com a versão hilariante dos irmãos Paulo e Chico Caruso para o clássico de Frank Sinatra ‘One for my baby’, de Johnny Mercer e Harold Arlen, em uma suposta interpretação do presidente Lula.


BAIXOS


Os impacientes


Roda Viva, 25 de maio


O Roda Viva de 25 de maio com o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, apesar dos bons momentos em que a cena política e econômica brasileira foi discutida com autoridade e profundidade tanto pelo entrevistado quanto pelos jornalistas especializados que o sabatinaram, acabou prejudicado por marolas de impaciência jornalística que, em alguns momentos, chegaram às portas da deselegância.


Não faltou pertinência nem competência à mesa. O problema é que as perguntas acabaram quase incompreensíveis, por terem sido feitas de forma tumultuada e sem que Heródoto Barbeiro usasse de suas prerrogativas de âncora para organizar um pouco mais a conversa. Nesses momentos, Luciano Coutinho, entre paciente e intimidado, não conseguiu concluir várias de suas respostas.


Tiro no pé I


Campanha institucional da TV Cultura


Bom humor à parte, caberia refletir se, em vez de atrair mais audiência e, consequentemente, fazer aumentar a importância e o impacto social da emissora, a campanha institucional atualmente veiculada pela TV Cultura não estaria aprofundando ainda mais as diferenças e estranhamentos entre seu telespectador clássico, mostrado nos filmes como um superdotado intelectual, e o telespectador comum da TV aberta, apresentado, ainda que de forma discreta, como um mal-informado em estado de choque com a desenvoltura do interlocutor.


Tiro no pé II


Ecopatrico, 27 de maio


Mesmo se fosse um daqueles céticos que não se entusiasmam muito com a bandeira da sustentabilidade, o telespectador sintonizado no Ecopratico de de 27 de maio não teria como discordar das análises e propostas que os dois apresentadores fizeram ao DJ Eugênio Lima e à produtora cultural Iramaia Moura, donos do apartamento ‘vistoriado’ pelo programa. Foi, no entanto, na hora das soluções – quando a equipe do programa ‘invadiu’ o apartamento com gavetões novos para a sala, prateleiras, estantes, varais, um moderno filtro de água, chuveirinho metálico e um aquecedor a gás novinho em folha – que uma pergunta de muitos telespectadores ficou sem resposta: quem pagou o pequeno banho de loja?


É óbvio que foi a produção do programa, alguém dirá, acrescentando que a situação exibida é apenas um exemplo do que poderia ser feito em casos – ou casas – semelhantes. Tudo bem. O problema, no entanto, é que a decisão de simplesmente fornecer os aparelhos e materiais necessários ao casal – ignorando uma realidade orçamentária na qual os dois tentavam economizar para poder comprar as caras papinhas orgânicas para a filha – desmonta consideravelmente o raciocínio e a lógica de ‘reality show ambiental’ sobre a qual está montado todo o projeto do programa.’