Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Errar sem corrigir

No dia 30/11, uma pesquisa de opinião publicada pela Folha de S.Paulo apontava a vitória apertada (‘não’) contra Hugo Chávez no plebiscito que mudaria a Constituição Venezuela. No dia seguinte a situação parecia muito embaralhada e, no domingo da votação (2/12), apesar de proibida a pesquisa de boca-de-urna, esta dava a vitória a Chávez.

A mídia italiana – jornais e televisão – quase não tratou do assunto; sabia-se um pouco através da rádio (RAI 3), no noticiário matutino.

Na segunda-feira (3) de manhã em Belluno (mais três horas com relação à Brasília), nada se sabia sobre o resultado. Saí para comprar o jornal (la Repubblica, o segundo mais importante do país) e, na página 12, podia-se ler a seguinte manchete: ‘Venezuela, Chávez fica mais forte. Vantagem do sim no referendum que aumenta os poderes do presidente’. De Omero Ciai, correspondente para a América do Sul.

Não li a reportagem e voltei para casa convencido que Chávez tinha vencido, a chamada da matéria não deixava dúvidas. Passadas algumas horas me propus a ler, pela internet, os jornais brasileiros e qual não foi minha surpresa ao saber que tinha acontecido justamente o contrário? la Repubblica havia levado ‘barriga’. Nesse ponto resolvi ler o que tinha sido escrito:

‘Jogou grande parte do futuro político, mas segundo as primeiras informações governamentais, Chávez mais uma vez, teria conseguido. O `sim´ vencera o referendum sobre a reforma constitucional com a vantagem de 6 a 8 pontos percentuais. A agência que divulgou o resultado foi a britânica Reuters citando fontes próximas ao executivo.’

O verbo no tempo do futuro do pretérito condicionava a notícia, fato que é omitido pela manchete, não podendo a culpa ser atribuída à agência Reuters.

Boa-fé

No dia seguinte o próprio Ciai volta a escrever sob o título ‘Referendum, a derrota da Chávez’, entrevistando o general Raúl Baduel, ex-aliado do presidente e agora ferroz opositor. Para completar, um editorial intitulado ‘A democracia destroça Chávez’, no qual não há uma palavra sequer sobre a falha anterior do jornal.

No final da tarde de terça-feira (4), quando ‘recebo’ o Observatório da Imprensa, pude ler algo muito interessante de Luciano Martins Costa, ‘Uma certa esquizofrenia‘:

‘Os jornais de hoje corrigem o erro da edição de segunda-feira, quando todos afirmaram que os venezuelanos haviam escolhido o `sim´ no referendo proposto pelo presidente Hugo Chávez.

Obviamente, todos eles publicam hoje que, pelo contrário, a decisão do povo venezuelano que foi às urnas é de rejeitar as mudanças constitucionais propostas por seu presidente. Mas os jornais fingem que não publicaram as análises publicadas segunda-feira em cima da suposta – e desmentida – vitória de Chávez.

Mas algumas perguntas ficam no ar. Por exemplo, se os institutos de pesquisa afirmam que em nenhum momento, durante as apurações, divulgaram boletins dizendo que o `sim´ havia vencido, de onde os jornais tiraram a informação de que Hugo Chávez havia conseguido aprovar sua proposta de constituição bolivariana, conforme foi publicado na segunda-feira? E qual foi a fonte da informação equivocada, tão segura, que motivou análises anunciando mudanças no panorama político da América Latina?

A imprensa ficou devendo algumas explicações.’

Por esses fatos pode-se constatar que não foi somente la Repubblica a errar. Todos os jornais, em boa-fé, podem errar, mas veicular um informação enganosa sem a devida correção, realmente não é prova de bom jornalismo.

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Jornalista