Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Estereótipos raciais na imprensa

A ombudsman do Washington Post, Deborah Howell, tratou do tema de estereótipos raciais em sua coluna de domingo [9/7/06]. Segundo ela, duas matérias publicadas no dia 4/7 sobre crianças negras geraram uma reclamação do leitor André Barnett. Um dos artigos, publicado na primeira página, era sobre Justin Jenifer, um prodígio no basquete de apenas 10 anos que já está sendo disputado por escolas de segundo grau e fabricantes de tênis. O outro era uma entrevista, publicada em um novo espaço chamado ‘Palavras das ruas’, com seis meninas, de 11 a 13 anos, sobre como elas diferenciam o som de tiros do de fogos de artifícios.

Na opinião de Barnett, as matérias estereotiparam os negros. ‘Eu peço ao jornal que não publique mais matérias sobre garotos negros e basquete. A matéria de Eli Saslow sobre o talento de 10 anos não tem sentido. O pai dele deveria ter vergonha por fazer do basquete o ponto principal da vida de seu filho’, escreveu. ‘O mundo não precisa de outro negro no basquete. Precisamos de professores, médicos, empresários. Onde estão as matérias sobre o talento empreendedor de jovens negros? Nossas crianças são apresentadas no Post como estereótipos e caricaturas. Digo o mesmo das crianças da ‘Palavras das ruas’’.

Esportes e negros

Deborah informa que a matéria sobre Justin faz parte de uma série que examina os jovens jogadores de basquete seduzidos por contratos milionários. Emilio Garcia-Ruiz, editor da seção de esportes, estava ‘atordoado’ por descobrir que crianças de nove e 10 anos já são procuradas por empresários. Dada a importância histórica dos negros no basquete, não é surpreendente que a matéria tivesse como personagem um negro, diz a ombudsman.

Deborah diz que o Post não tem regras formais sobre como entrevistar e fotografar crianças, mas ressalta que há um histórico na empresa em conseguir consentimento escrito ou oral dos pais. Saslow conta que os pais de Justin lhe escreveram para dizer que adoraram a matéria. O repórter passou cinco dias com Justin, sua família e amigos. O fato de um garoto de apenas 10 anos já ser pressionado por empresas de roupas e tênis foi suficiente para o texto ganhar destaque na primeira página.

Violência e negros

A outra matéria, com as meninas, foi escrita pela repórter Darragh Johnson. Ela encontrou as jovens quando andava nas ruas procurando personagens para entrevistar. ‘A conversa já estava acontecendo quando eu as encontrei’, relatou. A jornalista perguntou: ‘Com o 4/7 se aproximando [dia de independência dos EUA], como vocês conseguem diferenciar …’, e, antes que ela pudesse terminar a frase, uma menina de 11 anos completou: ‘um tiro de um fogo de artifício?’. Darragh revela que outra jovem logo começou a responder, seguida pelas demais.

As respostas espantaram a ombudsman. ‘Por que procurar crianças tão jovens para entrevistar sobre tiros e fogos sem um contexto mais aprofundado? Isto me fez pensar se as crianças eram mais vulneráveis e me questionar se o Post deveria fazer isto com crianças tão jovens quando seus pais ou adultos não estão por perto’, comenta.

A editora Ann Gerhart, responsável pela seção onde foi publicada a matéria, informou que o espaço ‘Palavras das ruas’ tem a intenção de ‘se aprofundar em um assunto relacionado ao modo como vivemos hoje’. ‘É textual, com nomes e pede às pessoas para dividir suas opiniões e sentimentos sobre determinadas questões. Queremos dar voz aos jovens que geralmente não são ouvidos’, explica.

Diante deste contexto, Deborah acredita que o artigo foi bem-sucedido em contar aos leitores que existem jovens que consideram normal escutar tiros no lugar em que moram. A ombudsman conversou sobre a matéria com diversos jornalistas negros do Post, e a maioria não a considerou racista.

Deborah acredita que, se fosse publicada no jornal uma explicação do objetivo do espaço ‘Palavras na rua’, ela teria ficado com uma primeira impressão menos negativa da matéria. Ainda assim, a ombudsman acredita que um artigo com mais contexto perguntaria às jovens se elas se assustavam com os tiros e informaria quantas pessoas morreram ou ficaram feridas com tiros no local. Não é o que pensa a repórter que escreveu a matéria. ‘Se fizéssemos disso uma matéria mais aprofundada, não teria o mesmo impacto que teve’, opina Darragh, que entrou em contato com os pais das meninas antes da publicação para obter autorização sobre os depoimentos delas.