Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Falta falar com as interessadas

O aborto voltou a ser assunto na semana que passou. Na sexta-feira (3/8/2007) o Estado de S.Paulo publicou uma pesquisa que mostra que 20% das mulheres no Norte do país já abortaram, usando métodos inseguros. No dia seguinte (4), o mesmo jornal divulgou o resultado de uma pesquisa do Ibope sobre o aborto, feita quatro dias depois da visita do papa Bento 16 ao Brasil. O resultado: 59% dos entrevistados discordam da igreja católica e admitem aborto em certos casos.

Nas duas matérias, falta um dado essencial: o que leva as mulheres a colocar em risco a própria vida e praticar um aborto inseguro? Esta seria uma boa pauta para os jornais, preocupados com o tema aborto desde que o ministro da Saúde abriu o debate sobre o assunto ao propor um plebiscito nacional sobre o tema.

Adolescentes em risco

Se a imprensa está realmente interessada em discutir o aborto, e sua eventual legalização, seria oportuno descobrir se, afinal de contas, as mulheres fazem aborto por opção ou por falta de opção. As sugestões de pauta estão nas matérias publicadas, é só querer ver.

** ‘O aborto inseguro – e as complicações à saúde da mulher decorrentes dele – reflete o perfil que a desigualdade social e econômica tem no Brasil: há o dobro de casos nas regiões mais carentes e ocorre com três vezes mais freqüência entre mulheres negras e pobres.’ (O Estado de S.Paulo)

** O estudo (‘Magnitude do aborto no Brasil’) indica que, em 2005, foram feitos cerca de 1 milhão de abortos ilegais no país. Pela estimativa, nas regiões Sul e Sudeste (com exceção do Rio), as taxas ficam abaixo de 20 abortos induzidos para cada cem mulheres de até 49 anos. Nos Estados do Norte e do Nordeste (exceto Rio Grande do Norte e Paraíba), os índices ficam acima de 21 abortos por cem mulheres. No Acre e no Amapá, chegam a até 40 abortos feitos ilegalmente para cada cem mulheres em idade fértil.

** Quando o estudo analisa apenas a faixa de adolescentes entre 15 e 19 anos, as proporções se repetem, sendo maiores nos estados mais pobres. O mesmo acontece quando se analisam as mortes provocadas por complicações do aborto feito em casa ou em clínicas clandestinas.

Métodos contraceptivos

O que estes três itens mostram, e a imprensa deveria discutir, é que há uma grande diferença entre aprovar – ou não – o aborto e ser obrigada a praticar um aborto inseguro, seja por razões financeiras ou por pura falta de conhecimento.

A imprensa poderia prestar um serviço melhor ao público se mostrasse por que lugares isolados – tanto do ponto de vista dos serviços públicos como da informação – o aborto inseguro acaba se tornando a única opção para as mulheres pobres que têm uma gravidez indesejada.

Seria elucidativo discutir, com essas mulheres, por que elas preferem correr o risco de morrer a levar adiante a gravidez. E perguntar se elas já ouviram falar em métodos de contracepção como pílula anticoncepcional, DIU, preservativos etc.

E, é claro, se são a favor do aborto. Afinal, elas são as maiores interessadas. E as grandes vítimas.

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Jornalista