Monday, 18 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Folha de S. Paulo

VENEZUELA
Thiago Guimarães

Chavéz ataca ‘terrorismo’ de TV opositora

‘Em batalha com o principal meio de comunicação opositor em seu país, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, renovou ontem ameaças ao canal de notícias Globovisión, acusando-o de ‘terrorismo midiático’. Em entrevista ao lado da presidente da Argentina, Cristina Kirchner, com quem se reuniu ontem em Buenos Aires, Chávez disse que o mundo não deve estranhar se o Estado venezuelano for ‘obrigado’ a tomar decisões sobre ‘alguns meios de comunicação que continuam exercendo terrorismo’.

A Globovisión, terceiro canal mais visto da Venezuela, é uma das emissoras que apoiaram a tentativa frustrada de golpe contra Chávez em 2002. Nas últimas semanas, a empresa vem sendo alvo de ofensiva estatal, com ameaça de cassação de licença e multas.

Chávez disse não poder permitir que ‘meios de comunicação continuem com políticas de terrorismo midiático, incitando o ódio e a violência’, mas negou censura: ‘Por todo o mundo se diz: ‘Chávez não permite a crítica.’ Passem um dia na Venezuela e vejam os jornais, rádio e TV. Lá a crítica é aberta’. ‘Que em um canal de televisão apareçam porta-vozes políticos dizendo ‘Onde estão os militares desse país, que vistam as calças’, isso se chama terrorismo’, afirmou Chávez. O presidente afirmou que vai continuar a promover expropriações no setor energético -só neste mês, já oficializou a estatização de 60 prestadoras de serviços da área petroleira.

‘Porque estamos decididos a recuperar a plena soberania petrolífera e energética’, afirmou. Chávez disse estar ‘recuperando’ a PDVSA, estatal petroleira do país, que antes de seu governo, afirmou, vinha sendo ‘privatizada por partes’. ‘A PDVSA tinha que pagar uma fortuna por serviços prestados com seus próprios ativos, com trabalhadores terceirizados, com salários mínimos, muitas vezes abaixo disso. Agora absorve 8.000 trabalhadores [das terceirizadas].’

Sobre a possibilidade de nacionalizar outros bancos, como fez com o Banco da Venezuela, filial do grupo espanhol Santander, disse que ‘por agora’ não pensa no assunto.

Chávez afirmou ainda que, na próxima semana, assinará uma carta de intenções com o grupo espanhol com as bases para a nacionalização. Ele não quis informar quanto pagará pelo banco, mas disse que o caso ‘caminhou bem, apesar dos ruídos’, e que o Santander já planejava vender o banco a um grupo privado.

Macarronada bolivariana

O governo venezuelano iniciou ontem, durante a viagem de Chávez, uma ‘ocupação temporária’, por 90 dias, de uma fábrica de macarrão da multinacional americana Cargill, acusada de descumprir a cota de produção de variedades com o preço tabelado.

A intervenção se baseia num decreto presidencial, emitido em março, que obriga as fábricas de alimentos a produzir uma cota de até 95% de produtos tabelados. A medida inclui 12 itens, entre os quais arroz, leite em pó e macarrão, e busca combater a inflação mais alta da América Latina (30,9% em 2008) e a escassez nos supermercados dos alimentos submetidos ao tabelamento oficial.

‘Das 500 mil toneladas de macarrão, 80% estão fora do congelamento. É por isso que começaremos a verificação, como fizemos com o arroz, para assegurar à população o acesso ao macarrão com preço tabelado’, disse Carlos Osorio, superintendente de Silos, Armazéns e Depósitos Agrícolas.

É a segunda ação de Chávez contra a Cargill neste ano. Em março, uma fábrica de arroz da empresa americana foi nacionalizada, também sob a justificativa de burlar o tabelamento.

Com FABIANO MAISONNAVE, de Caracas’

 

TELEVISÃO
Hugo Possolo

Falta apuro e acabamento no humor de ‘Toma Lá Dá Cá’

‘O Brasil tem uma indústria do entretenimento competitiva? Temos um mercado? Ou o que nos chegam são subprodutos de um monopólio? Embatuco essas perguntas para assistir, com distorcidos olhos de palhaço, à série ‘Toma Lá Dá Cá’, lançada em DVD pela Globo Marcas.

Em sólida parceria com Maria Carmem Barbosa, o autor e comediante Miguel Falabella retoma, com habilidade, todos os recursos da comédia popular, em que o roteiro é pretexto para que os comediantes criem as mais abusadas maneiras de arrancar gargalhadas.

Trash como um Zé do Caixão e ingênuo como um Didi Mocó, seu humor não prima pelo acabamento cênico. A força de seu Caco Antibes, de ‘Sai de Baixo’, fez uma marolinha midiática que tomou o personagem pelo ator. Ficou carimbado de golpista. Ao contrário de Caco, Falabella é generoso, agrega um elenco talentoso.

Infelizmente, esse elenco deixa o paletó na cadeira e fica esperando a hora de surfar sobre sua já reconhecida imagem. Exceções à regra, Arlete Salles aposta fundo na composição de sua fogosa Copélia e se destaca, hilária. Alessandra Maestrini cria um tipo cômico único, que já se firmou no imaginário brasileiro. Pena que são pouco exploradas pelos roteiristas.

‘Toma Lá Dá Cá’, sem tramas, se apoia no humor dos comentários. Na boca do autor são pérolas, porém na dos mais jovens saem quadrados. Os casais trocados, por ausência de história, deixam de protagonizar e abrem espaço para o desfile de tipos engraçados, mas ineficientes para sustentar uma comédia de situação.

Na falta de situações, a série extrapola sua própria fábula a cada roteiro. Nos apartamentos, inventa contextos artificiais, pretextos de novos comentários, mas que não se encaixam no conflito das cenas. Essa renovada família trapo sofre da falta de desenho cênico, por uma direção desleixada.

A claque contratada subtrai a espontaneidade das improvisações. Tudo resvala no talento que gera expectativa e acaba na falta de acabamento. Lembrando que esse é o comentário de um comediante não tão famoso, sujeito às mesmas críticas, mas que gostaria de ver o humor tratado com apuro.

Isso não significa que não seja divertido. Popular, deve ser visto sem preconceitos. Livre-se deles e divirta-se. A boa e velha Vênus Platinada, no tempo em que era chamada assim, inventou o ‘padrão Globo de qualidade’, que hoje está mais para padrão de apelo a audiência global. Seus executivos deveriam rever os valores do passado, quando o investimento em obras bem acabadas resultou na construção da maior emissora do país.

A tentação do resultado econômico imediato é grande, ainda mais em tempos de crise e pirataria generalizada.

HUGO POSSOLO , 46, é palhaço, dramaturgo e diretor do grupo Parlapatões e do Circo Roda Brasil.

TOMA LÁ DÁ CÁ – 2ª ANO

Direção: Cininha de Paula e Mauro Mendonça Filho

Distribuição: Globo Marcas, Som Livre

Quanto: R$ 39,90, em média; 14 anos

Avaliação: regular’

 

CINEMA
Audrey Furlaneto

Rindo à toa

‘Marcelo Santos Coelho, 28, está diariamente na porta de uma das salas de cinema do shopping Frei Caneca, em SP. O porteiro, aquele que recebe os ingressos na entrada, faz o tipo curioso. Em sessão em que a sala não está lotada, espia a tela. Caso se interesse, senta numa das poltronas para ver o filme.

Ele explica as exibições de comédia lotadas com a frase que remete à própria experiência: ‘Brasileiro é gente que gosta mesmo de dar risada’. Coelho viu só uma vez ‘X-Men Origens: Wolverine’, mas buscou poltrona livre quatro vezes para ver ‘Divã’. ‘É o filme que atrai mais gente, junto do do Wolverine. Mas o da Lilia Cabral enche mais. É bom mesmo’, diz, emendando um cutucão no segurança da sala, que espia a conversa com a reportagem: ‘Esse filme é bom, cara. Vai ver. E vai hoje [quinta], que sexta e sábado vai ficar lotado’.

Se reproduzir o feito das últimas semanas, pode ser que ‘Divã’, de fato, não deixe poltronas livres: o filme, que completa um mês em cartaz amanhã, já teve 1,128 milhão de espectadores, segundo a GloboFilmes.

No Dia das Mães, feriado fraco para o cinema, a comédia foi a que menos perdeu público. Isso porque ‘é um filme quente’, na avaliação de seu diretor, José Alvarenga Jr., ou ainda, na opinião de Paulo Sérgio Almeida, diretor da Filme B, empresa que monitora o mercado cinematográfico, também por ter surgido na ‘boa onda’ de ‘Se Eu Fosse Você 2’ -a comédia de Daniel Filho já passou de 6 milhões de espectadores e ocupou a vaga de filme nacional mais visto nos cinemas desde 1995. A opinião dos dois converge no resultado: 2009 é o ano das comédias brasileiras.

‘Nova retomada’

‘O que há é, de certa forma, uma outra retomada [termo que se refere ao reaquecimento da produção nacional, nos anos 90]. Diretores e produtores estão voltando a esse gênero, a comédia de costumes, que tem uma tradição de sucesso no Brasil’, avalia Almeida.

Para o diretor de ‘Divã’, ‘a comédia é o clássico do cinema’, que, em seu filme, surge sob forma ‘dramática’, distante da estrutura tradicional de ‘Se Eu Fosse Você 2’. Previsto para agosto, o próximo longa de Alvarenga será uma comédia ‘amalucada’ -’Os Normais 2’, sequência do filme visto por 3 milhões de pessoas em 2003.

‘Comédia atrai popularidade. O cinema brasileiro ficou com medo de ser popular. Os filmes eram mais intelectuais’, diz Alvarenga. Sem medo, em ‘Divã’, ele vai desde o que chama de ‘humor escrachado até o que transgride’. Traduzindo: há a peruca do padre que teima em cair quando os noivos ouvem a bênção e também o momento em que Mercedes [Lilia Cabral] fuma maconha pela primeira vez com o namorado.

O pacote é atraente, avalia o diretor do Filme B, porque raro no mercado. ‘Num momento de crise, em que está todo mundo tenso, queremos rir’, diz Almeida. ‘O Brasil vive um dos melhores momentos de público, com crescimento de exibidores, que vai de 50% a 70% neste ano; 2009 é para passar de 100 milhões de espectadores e, só de cinema nacional, ultrapassar 15 milhões. A comédia responderá por 80% desse público, no mínimo’, prevê.’

 

LITERATURA
Manuel da Costa Pinto

A matéria futebolística dos sonhos

‘É COMUM apaixonados por literatura e futebol se queixarem de haver poucos romances relevantes sobre o esporte no país pentacampeão do mundo.

Se isso é um fato, não significa que o futebol não tenha adquirido excelência na literatura brasileira. Sem patriotada, pode-se dizer que a melhor expressão do ludopédio (termo pomposo ironizado por Carlos Drummond de Andrade em ‘A Língua e o Fato’) está na crônica, mais genuinamente brasileiro dos gêneros literários.

Há nisso justiça poética: assim como o esporte bretão ganhou graça e malícia em nossos campinhos de várzea, a crônica -forma derivada do ‘familiar essay’, também de extração inglesa- se transformou no veículo ideal para captar o lirismo de uma realidade apequenada e periférica, a poesia das ruas, com suas gírias e seus palavrões.

Nossos grandes cronistas encontraram nos estádios uma tipologia ideal de personagens e uma metáfora do país -e Nelson Rodrigues tirou do trauma da derrota brasileira em 1950 uma expressão, ‘complexo de vira-latas’, que não apenas define as razões daquele fracasso, mas resume um ‘ethos’, um modo irônico de ver as coisas, de rir dos malogros e banalizar as proezas.

Caso mais raro, porém, são cronistas boleiros, aqueles que calçaram chuteiras a sério antes virarem escritores -como acontece com Flávio Carneiro, que acaba de lançar, pela Rocco, ‘Passe de Letra’, reunindo crônicas escritas para o jornal literário ‘Rascunho’, de Curitiba.

Não se trata exatamente de um livro sobre ‘Futebol e Literatura’, como indica o subtítulo, mas de uma prosa literária feita a partir de memórias futebolísticas. Há textos que exploram o paralelo entre o enredo de um romance e o ritmo de uma partida, a figura do narrador e o locutor esportivo -com achados deliciosos, como o aforismo que define o ‘montinho artilheiro’ como um lance que, ao introduzir um elemento de perturbação na ordem natural das coisas, equivale a ‘pura literatura’.

Mas é nas reminiscências, às vezes amargas, que surgem as jogadas mais gingadas desse goiano botafoguense que um dia teve de optar entre o convite para jogar no Guarani (e isso pouco depois de o time de Campinas ter se sagrado campeão brasileiro!) e o projeto de tornar-se escritor e professor de literatura.

Lembranças de peladas épicas, do encontro em Cuba com um garoto que escolheu ser goleiro para não machucar a bola ou da gripe que o impediu de jogar a preliminar de uma partida do Santos de Pelé (‘Aquele jogo é apenas um retrato na parede. Mas como dói’) são momentos que mostram como o futebol também pode ser, como queria William Shakespeare, a matéria de que são feitos os sonhos.

PASSE DE LETRA

Autor: Flávio Carneiro

Editora: Rocco

Quanto: R$ 29,50 (168 págs.)

Avaliação: bom’

 

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