Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Folha de S. Paulo

INTERNET
Brad Stone, New York Times

Twitter prepara ‘façanha’ bilionária

‘O Twitter treinou seus usuários a comprimir os pensamentos em 140 caracteres e ofereceu um palco público tanto para dissidentes iranianos quanto para astros volúveis como Shaquille O’Neal, jogador da NBA.

Agora a empresa parece ter realizado mais uma façanha. O Twitter, que não dispõe de fontes discerníveis de receita, está preparado para levantar cerca de US$ 100 milhões em capital, o que resultaria em avaliação da empresa de aproximadamente US$ 1 bilhão, informou na semana passada uma fonte familiarizada com os planos.

O Twitter tem cerca de 60 funcionários e, embora esteja conduzindo experiências com a veiculação de publicidade em seu site, Biz Stone, um dos fundadores da empresa, declarou na semana passada que não há planos para veiculação ampla de anúncios antes de 2010.

Mas a injeção de caixa que o Twitter receberá e a avaliação generosa da companhia não podem ser facilmente reduzidas ao nível das apostas cegas feitas durante as últimas bolhas da internet. O Twitter atrai grande atenção da mídia e seu site hoje recebe 54 milhões de visitantes mensais, segundo a comScore, empresa que mensura a audiência da internet.

Em companhia do Facebook, o microblog está ajudando a recriar a web como um fórum de compartilhamento permanente de informações.

‘Existem provavelmente menos de cinco exemplos de empresas que cresceram como o Twitter’, disse John Borthwick, presidente-executivo da Betaworks, a criadora do Bit.ly, um serviço que encurta endereços de internet.

O site ‘representa a próxima camada de inovação na internet’, afirmou Borthwick. ‘Esse investimento está acontecendo porque a empresa representa uma virada.’

Os novos investidores incluem a Insight Venture Partners, uma companhia de capital para empreendimentos sediada em Nova York; a administradora de fundos mútuos T. Rowe Price, que não costuma fazer esse tipo de aposta; e duas empresas de capital para empreendimentos.

O aporte monetário provavelmente despertará novos debates sobre as avaliações elevadas que os investidores vêm atribuindo a algumas empresas iniciantes de internet, em um momento em que a economia dos Estados Unidos está enfrentando dificuldades.

O Twitter está em um estágio que os observadores definem como ‘pré-receita’, e o serviço se tornou conhecido por quedas periódicas, ainda que sua confiabilidade venha melhorando nos últimos meses.

Para algumas pessoas, a nova avaliação do Twitter faz sentido. Facebook, Google e Microsoft ao que se sabe teriam abordado a empresa quanto a uma possível aquisição, e o fato de que seja cobiçada pelos gigantes da internet eleva seu valor.

E há também a atenção constante da mídia, expressa pela frequência cada vez maior com que celebridades como Oprah Winfrey e veículos como estações de rádio utilizam o serviço para se comunicar com os fãs.

Uso dos recursos

O Twitter ainda não comentou sobre o investimento, de modo que não é claro de que maneira empregará o novo capital. A empresa não parece precisar de recursos adicionais. Ela já havia levantado US$ 55 milhões anteriormente e continua a ter US$ 25 milhões em reserva nos bancos.

Mas as aspirações do Twitter são ambiciosas, entre as quais a de atingir um bilhão de usuários e se tornar ‘o medidor de pulsação’ do planeta, de acordo com documentos internos obtidos ilicitamente por um ha- -cker e publicados pelo blog TechCrunch semanas atrás.

O novo capital poderia ser usado para montar a infraestrutura de tecnologia requerida para crescer a essa escala. Também poderia empregar o dinheiro para adquirir uma ou mais das empresas que vêm escrevendo programas para uso com o Twitter em celulares e computadores.

O Twitter pode ainda desenvolver um modelo de negócios caso adquira uma das diversas empresas iniciantes dedicadas a ajudar corporações a administrar sua presença no site e monitorar de que maneira suas marcas vêm sendo discutidas.

Mas quem acompanha o Twitter de perto não sente que a empresa tenha pressa de provar que pode gerar lucro.

‘Seria fácil para eles criar uma fonte de receita hoje’, afirmou Steve Broback, fundador do Parnassus Group, que organiza conferências sobre Twitter e outros tópicos empresariais. ‘Mas não acredito que tenham muita pressa de começar a gerar receita, principalmente porque desejam minimizar qualquer efeito negativo sobre sua comunidade.’

Os cofres reabastecidos do Twitter podem, na verdade, causar impacto mais forte sobre o maior rival da empresa, o Facebook. Executivos das duas companhias costumam alegar que seus serviços não se sobrepõem inteiramente e que é possível uma coexistência pacífica. Mas as duas têm essencialmente a mesma missão: permitir que os usuários revelem a amigos e fãs o que estão fazendo agora, na vida real e na web.

A ascensão do Twitter claramente ameaça as aspirações do Facebook quanto ao domínio do mercado de mídia social na web, diz Keith Rabois, vice-presidente de estratégia da Slide, uma companhia de entretenimento social na internet.

Tradução de PAULO MIGLIACCI’

 

TELEVISÃO
Audrey Furlaneto

Camila Pitanga será faxineira ‘invisível’

‘Camila Pitanga é uma negra de cabelo comprido, 1,71 m e 58 quilos. As boas curvas e a beleza, no entanto, não importam em seu primeiro trabalho como protagonista na TV e, numa missão quase impossível, devem até ‘desaparecer’.

O motivo: ela será uma faxineira na novela das 18h da TV Globo, ‘Cama de Gato’, que estreia no dia 5, e precisa passar despercebida. ‘Eu poderia me apoiar nessa qualidade [as boas curvas], mas não é o que vale ali’, diz Camila, 32. ‘O papel me exige uma tessitura muito delicada’, continua.

A faxineira ‘invisível’ é inspirada no trabalho do psicólogo Fernando Braga da Costa em ‘Homens Invisíveis -Retratos de uma Humilhação Social’ (ed. Globo, 2004). Por dez anos, ele trabalhou como gari na USP, sem ser notado por colegas e professores.

Camila entende. ‘Andava, no Projac, vestida de faxineira, e as pessoas não falavam comigo’, diz. ‘Por um lado, isso é muito bom, porque o papel está crível, bem composto, mas, ao mesmo tempo, é aterrador como se apaga a personalidade com o uniforme’, avalia.

Para criar Rose, conversou com faxineiras de empresas e viu filmes com Anna Magnani e Charlie Chaplin. Já em ‘Paraíso Tropical’ (2007), conheceu garotas de programa para criar a prostituta Bebel.

‘São temperaturas diferentes. Mesmo assim, tem a prostituta sofrida e a luminosa. Isso vale para as faxineiras. O pobre não é necessariamente contido. A Rose tem momentos luminosos, vê novela, gosta de samba, é feliz. A vaidade, lógico, não vem em primeiro plano.’

‘Cama de Gato’, nome que custou R$ 15 mil à Globo -a emissora comprou o título, de um filme, sem anunciar para que seria usado-, é a estreia das autoras Duca Rachid, 48, e Thelma Guedes, 50, num roteiro original, supervisionadas por João Emanuel Carneiro.

Agilidade

Guedes seguiu carreira acadêmica em literatura, escreveu para ‘Turma do Didi’ e para novelas como ‘Alma Gêmea’ (2005). Rachid trabalhou em ‘Ossos do Barão’ (1997), no SBT, em ‘Sítio do Pica-Pau Amarelo’ e em novelas como ‘O Profeta’ (2006), na Globo.

Precisam aprender a construir uma situação e resolvê-la no mesmo capítulo -algo como dar à novela, dirigida por Ricardo Waddington, a agilidade de um seriado, método que alavancou ‘A Favorita’ e ‘Caras e Bocas’ (esta no ar às 19h).

Em ‘Cama de Gato’, a agilidade será ferramenta para concorrer com programas sensacionalistas, exibidos por outras emissoras no horário. Sonia Abrão, por exemplo, levou audiência -e enfureceu diretores da Globo, como Roberto Talma- para a Rede TV! quando entrevistou Lindemberg Alves, que matou a ex-namorada Eloá após mantê-la refém. O ‘Programa do Ratinho’, do SBT, exibe bizarrices perto das 18h.

‘Eu confio muito numa boa história. Acredito que as pessoas querem ver um pouco mais do que a realidade pura e simples na TV’, diz Rachid.

Outra tentativa das duas será criar personagens ‘ambíguos, menos estereotipados’ -embora a pobre faxineira Rose seja demitida por desconfiança do rico patrão Gustavo (Marcos Palmeira). ‘Em novela, a gente precisa explicar muito bem os personagens. Não é cinema, não é Antonioni’, diz Guedes.

CAMA DE GATO

Quando: estreia dia 5, às 18h, na Globo

Classificação: não informada’

 

Daniel Bergamasco

Outro Canal

‘Chega ao final amanhã o concurso que elegerá o oitavo integrante do humorístico ‘CQC’, ancorado por Marcelo Tas, na Band. O público escolherá, entre as duas finalistas, qual delas será a primeira mulher no elenco do programa. Abaixo, trechos da entrevista com a concorrente Carol Zoccoli, de 31 anos, atriz de comédia stand-up em São Paulo.

FOLHA – Quem vai ganhar o concurso?

CAROL – Não sei. O único que sabe é o ‘Senhor CQC’.

FOLHA – A que você costuma assistir na televisão?

CAROL – Séries de comédia.

FOLHA – Quem você levaria para uma ilha de edição deserta?

CAROL – Woody Allen, para me ensinar tudo o que ele sabe sobre humor e cinema.

FOLHA – Que piada não tem graça?

CAROL – A sem criatividade.

FOLHA – O que a Monica tem que você não tem?

CAROL – A Monica é bonita, é alta e magra, ela atende aos padrões de beleza. Eu, não.

FOLHA – O que mais lhe irrita em programas humorísticos?

CAROL – A afirmação de estereótipos. O de gay, por exemplo. O humor tem o poder de contestar os estereótipos, então por que reafirmá-los?

FOLHA – Como quase famosa, você almeja mais a ilha de ‘Caras’, o sofá da Hebe ou o camarote da Brahma?

CAROL – Preferiria um sofá do [designer] Shiro Kuramata.

FOLHA – A sigla ‘CQC’ quer dizer ‘Custe o que Custar’, mas poderia ser também…

CAROL – ‘Como Queremos a Carol!’

***

Monica Iozzi, 27, é atriz em Ribeirão Preto, e nas semifinais venceu um dos favoritos: Paulão, da banda Velhas Virgens.

FOLHA – Quem vai ganhar?

Monica – Uma grande mulher!!!

FOLHA – O que você vê na TV?

MONICA – ‘CQC’, ‘Friends’, documentários sobre dinossauros e ‘TV Culinária’, da fantástica Palmirinha Onofre.

FOLHA – Quem você levaria para uma ilha de edição deserta?

MONICA – É um lugar pequeno. Marlon Brando em ‘Uma Rua Chamada Pecado’ era um sonho de consumo, mas era grandalhão e já não está nesta dimensão. Bruno Gagliasso seria melhor: bonitão e pequenino.

FOLHA – Que piada não tem graça?

MONICA – As muito manjadas.

FOLHA – O que a Carol tem que você não tem?

MONICA – Miopia. Brincadeira! A Carol é comediante, trabalha com comédia stand-up há bastante tempo. Eu sou atriz.

FOLHA – O que mais lhe irrita em programas humorísticos?

MONICA – A maneira como as mulheres são tratadas. Deixemos os silicones e biquínis para as revistas masculinas.

FOLHA – Ilha de ‘Caras’, sofá da Hebe ou camarote da Brahma?

MONICA – Sofá da Hebe! Sempre sonhei em fazer parte da patotinha Hebe Camargo, Nair Bello e Lolita Rodrigues.

FOLHA – ‘CQC’ poderia ser…

MONICA – ‘Coma Queijo Coalho’; ‘Cruzes, que Cabelo!’; ‘Caramba, que Cagada!’; ‘Crise, que Crise?’ (Não era só uma marolinha?).

LULINHA ENGORDA

Fabio Luis da Silva, filho do presidente Lula, ampliou sua cota na holding BR4, dona de 65% das ações do canal Play TV, exibido pela Sky (a Oi, ex-Telemar, é dona dos outros 35%). A Espaço Digital vendeu seu terço na holding para a G4, da qual Lulinha tem 50% das ações e dois amigos têm os outros 50%. O terço restante da BR4 continua da Gol Mobile.

GLOBO NA TELEVISA

A versão hispânica de ‘O Clone’ será exibida no México em canal segmentado da Televisa, maior rival da Globo no mercado de novelas e parceira da Record no Brasil. ‘El Clon’, parceria da Globo a Telemundo (EUA), já tem exibição acertada para o canal. Para promover mais vendas antecipadas, a autora Gloria Perez irá, em outubro, à feira Mipcom, na França.

REBU NA ILHA

O autor Carlos Lombardi se diz entusiasmado com a sinopse de uma minissérie baseada em ‘O Rebu’, novela de sucesso em 1974. Escrita por Bráulio Pedroso, a história gira em torno de uma só festa. ‘É uma novela que tem muito das séries ‘Lost’ e ‘24 horas’. É toda no antes, durante e depois da festa, com as cenas indo e vindo. Será uma ótima minissérie’, aposta.

O ESTATAL VIROU GLOBAL

Escalado para ‘Bom Dia, Frankenstein’, título provisório da novela das 19h que estreia em janeiro, o ator Edmilson Barros sempre dividiu as artes cênicas com a engenharia. Tanto que, mesmo funcionário da Petrobras há mais de 20 anos, conciliou o trabalho com o teatro, com filmes como ‘O Bem Amado’, ainda inédito, e aparições em programas de TV como ‘Decamerão’. Na novela, ele viverá um enfermeiro mulherengo em uma clínica ginecológica.’

 

Bia Abramo

‘Casa Bonita’ expõe pele e partes

‘ATENDE PELO nome de ‘Casa Bonita’ (Multishow; de seg. a sáb., às 23h30; 18 anos) o programa mais trash atualmente no ar, salvo engano (a televisão é quase tão vasta quanto a estupidez humana, portanto, qualquer afirmação muito definitiva nessa intersecção corre risco de erro). É uma espécie de reality show, em que moças com muita pele à mostra disputam gincanas, enfrentam eliminações, respondem a questionários etc.

Há um apresentador, Rodrigo Nogueira, e dois, digamos, auxiliares, cujos codinomes lembram os de duplas de palhaços de circo, Purukinho e Maracujá. No programa, eles são chamados de ‘nerds’ ou, numa versão dita politicamente correta, ‘intelectuais antiortodoxos’. Ah, e o prêmio é uma viagem ao Caribe.

Então esse apresentador, que não tem lá muitos dotes como apresentador, a dupla de palhaços e as tais moças estão todos encerrados numa casona a beira-mar na dita paradisíaca Angra dos Reis. As moças, além de uma disposição incrível para ficar o tempo todo de quatro, mostrando as partes para a câmera, têm aquela ‘beleza’ que facilmente as classifica como material para ensaios ditos sensuais para revistas de quinta, mas dificilmente como bonitas.

Os ‘jogos’ são semelhantes àqueles, por exemplo, do ‘Big Brother’, mas muito menos elaborados, do ponto de vista da produção, e muito mais generosos, no que diz respeito às oportunidades de exposição de pele e partes. Os nerds têm o privilégio de atribuir às moças tarefas ditas sensuais -ensaio de lingerie, no barco de biquíni, à beira da piscina etc.

O diabo é que, além do mar azul e da vegetação de Angra dos Reis, tudo o mais é inacreditavelmente feio ou enfeiado, seja pela precariedade da produção, seja pela incompetência das moças em ir além do clichê sexy, seja pelo aspecto propositalmente repulsivo dos nerds.

O efeito todo é meio de chupar bala com papel. Há sugestão de sexo o tempo todo, mas a camada de feiura impede qualquer tipo de desfrute erótico -a não ser, é claro, que você seja um palhaço do tipo nerd.

Há quem prefira, da indústria cultural em geral e da televisão em particular, justamente isso: o pior do pior, o lixo absoluto, como se, numa operação irônica, daí surgisse, de repente, a graça ou, na hipótese menos ambiciosa, alguma diversão. Mas o problema é que, de certa forma, ‘Casa Bonita’ se leva a sério: o programa se julga, de fato, erótico. Ou seja, nem a esse culto trash ‘Casa Bonita’ se presta: não há sequer uma fresta por onde entrar a ironia.’

 

DOCUMENTÁRIO
Sérgio Dávila

‘Sérgio’ vê heroísmo de brasileiro morto em Bagdá

‘Há oito dias, no sexto aniversário do ataque terrorista que matou Sérgio Vieira de Mello, então enviado especial da ONU ao Iraque, e 21 colegas, a sede da entidade em Bagdá foi alvo de novo bombardeio.

Quando Samantha Power resolveu escrever um livro sobre o brasileiro e Greg Barker decidiu fazer um documentário baseado em sua biografia, a preocupação dos dois era a mesma: que a memória daquele que eles chamam de uma ‘mistura de James Bond com Bobby Kennedy’ não fosse esquecida -pois os ataques continuariam, e a guerra também.

O filme ficou pronto em janeiro, foi exibido no Festival Sundance e hoje chega ao Brasil, no Festival do Rio (festivaldorio.com.br), que também o exibe amanhã e terça. A Folha falou com o diretor de ‘Sérgio, um Brasileiro no Mundo’:

FOLHA – Como você se envolveu com essa história?

GREG BARKER – Eu vinha falando com Samantha há anos, enquanto ela fazia a pesquisa para a biografia dele, pensando se haveria um filme sobre algum aspecto da vida de Sérgio que eu gostaria de fazer. Eu e ela nos conhecíamos de um outro filme que fiz em 2003/2004 sobre o genocídio em Ruanda, e queríamos trabalhar juntos de novo. Pensando mais, eu também procurava um filme que mostrasse em um episódio o preço da mentalidade ‘nós contra eles’ da gestão de George W. Bush. Como um americano que viveu no exterior a maior parte da vida adulta, vi em primeira mão a decadência do prestígio dos EUA, decorrência dessa mentalidade.

FOLHA – Houve um aspecto específico da vida dele que se mostrou mais ‘fílmico’?

BARKER – Um dia, em 2006, Samantha me contou detalhes do que aconteceu naquele dia em que uma bomba explodiu na sede da ONU em Bagdá, em 19/ 8/2003. Fiquei impressionado e vi um filme ali: que mostrasse o drama e a espinha dorsal da operação de busca, entremeada com aspectos da história de Sérgio. O drama dos soterrados nos escombros é um microcosmo de tudo o que estava errado com o enfoque da gestão de Bush para o mundo, ao mesmo tempo em que o heroísmo de Sérgio é um contraste que me impressiona e me inspira.

FOLHA – Qual aspecto da vida dele mais o surpreendeu?

BARKER – Sua habilidade de circular na zona cinzenta entre o bem e o mal, sem perder seu otimismo nato e quase ingênuo, seu jeito relaxado e, mais crucial, seus parâmetros morais. Ao longo do filme, ele se tornou um herói para mim.’

 

CHINA
Vaguinaldo Marinheiro

Ofensiva de imagem

‘A China não é uma superpotência e não agirá como superpotência. É apenas um país em desenvolvimento que tem muitas questões internas a resolver -como a crescente desigualdade social e enormes problemas ambientais- antes de pensar em dominar o mundo.

Essas frases são uma espécie de mantra repetido por vários dirigentes chineses, de pequenos funcionários provinciais a membros do Comitê Central do Partido Comunista chinês, que governa o país.

É talvez a principal mensagem que a China quer passar ao mundo nos 60 anos da revolução feita por Mao Tse-tung, em 1949, que unificou o país.

A China teme a consolidação de um sentimento anti-China, a exemplo do antiamericanismo, que trouxe e traz tantos problemas aos EUA.

‘Quando não tínhamos crescimento, diziam que éramos débeis. Agora que crescemos, dizem que somos uma ameaça para o mundo’, afirma Xu Ying, vice-diretor do Gabinete de Comunicação do Conselho de Estado da China.

Xu diz que a China tem também razões históricas para não se portar como superpotência. Lembra que o país sofreu muito nas mãos de impérios (Japão e Reino Unido, principalmente) que invadiram o seu território e exploraram o seu povo.

Mas o discurso dos dirigentes é contrariado pela prática porque a China apresenta vários cacoetes de uma potência.

Se não utiliza força militar, apesar de fazer investimentos nessa área, planeja como ninguém avanços no ‘soft power’, principalmente através dos meios de comunicação.

O governo quer divulgar a imagem de ‘boa moça’ da China e, para isso, prepara uma rede mundial de notícias, como a CNN ou a Al Jazeera.

Já a Rádio China Internacional transmite hoje para todo o mundo programas em 38 línguas e outros 5 dialetos. Possui também 53 websites em línguas estrangeiras.

Um programa chamado ‘Aula de Confucionismo Radiofônico’, para ensinar mandarim, está se expandindo pelo globo.

O governo também busca uma propaganda positiva do país por meio de jornalistas ocidentais que convida quase todas as semanas para conhecer os avanços do novo ‘Eldorado do mundo’.

No início deste mês, foi a vez de dez jornalistas latino-americanos. No roteiro da viagem estavam as óbvias e prósperas Pequim, Nanquim e Xangai, com seus megashoppings, jovens ocidentalizados e carros de luxo por todo lado. Mas também foi incluída a província de Guizhou, ao sul, a região menos desenvolvida da China, segundo os dados oficiais.

Guizhou é um exemplo escancarado da desigualdade chinesa. Na avenida principal de sua capital, Guiyang, muitos Audis e lojas de grifes ocidentais, como Versace e Cartier; nas vias perpendiculares, muita sujeira e milhares de pessoas comendo nas ruas espetinhos de animais que ficam expostos crus sem refrigeração. Parece que há dois mundos. Ou duas épocas, a velha e a nova China.

Também em Guizhou é possível encontrar trabalhadores que recebem 180 yuans por mês, menos de R$ 54.

Os chineses reconhecem o problema da desigualdade econômica, mas acreditam que há um remédio melhor para ela que o assistencialismo.

Creem que os ricos servirão de exemplo para que os demais se esforcem para subir na vida.

Além disso, recorrem a Deng Xiaoping, artífice da abertura econômica a partir de 1978, que incentivava as pessoas a enriquecer, porque, dizia, não há socialismo sem riqueza.

Em um outro claro exercício de propaganda, a comitiva de jornalistas é levada a conhecer uma ‘feliz’ comunidade miao, uma das mais de 50 minorias étnicas da China, e condomínios onde ‘felizes’ camponeses desalojados de suas terras por obras de infraestrutura vivem em apartamentos de 160 metros quadrados!

Minorias descontentes, como uigures e tibetanos, não devem nem sequer ser mencionadas. Se os jornalistas insistem numa pergunta, a resposta vem um pouco torcida: temos várias ações afirmativas para as minorias, que têm permissão para ter mais de um filho (para os han, a maioria, continua valendo a política do filho único) e bônus para entrar em universidades e para obter promoções no emprego.

Condições

Há outras duas mensagens que emergem dos discursos dos dirigentes chineses além dessa propagação da imagem de uma China do bem.

A primeira é mais do que uma mensagem, é um aviso. Afirmam: não somos bobos e os tempos do vale-tudo acabaram.

Dizem que a China ainda quer investimentos do mundo, mas com condições; que hoje o país rejeita empresas muito poluidoras e que não vai tolerar corrupção.

O episódio dos funcionários da mineradora anglo-australiana Rio Tinto, detidos em junho sob acusação de subornar funcionários públicos, é usado para ilustrar essa nova era.

Também nesse ponto, os meios de comunicação locais (todos de propriedade do Estado) exercem um papel importante: casos de corrupção são agora manchete e há campanhas para incentivar as pessoas a denunciá-los.

A segunda mensagem é uma advertência e aparece de forma mais subliminar que direta nos discursos e respostas dos dirigentes, que sempre apelam para uma linguagem diplomática de frases pouco incisivas.

Traduzindo tudo, o que querem dizer é: parem de nos encher o saco; não venham nos dar lições; precisamos ser respeitados; salvamos o mundo de sua pior crise econômica; temos um quinto da população mundial e uma responsabilidade enorme com esse planeta; suas receitas de democracia e liberdade de imprensa não servem para nós neste momento.

Como se gabam de ter criado um socialismo com características chinesas (ou um capitalismo de Estado, como preferem alguns), os chineses defendem também ter um modelo próprio, e adequado, para a relação Estado-cidadão.

‘O mundo é diversificado e os países podem se desenvolver de formas também distintas’, afirma o vice-diretor do Gabinete de Comunicação do Conselho de Estado da China, antes de sugerir o sexto ‘campei’ da noite no jantar de despedida com os jornalistas.

‘Campei’ é uma espécie de brinde em que você deve esvaziar o copo, no caso, cheio de Moutai, um licor forte e muito tradicional no país.

Após uma visita à China, não restam dúvidas de que o mundo é diversificado. Quanto a avaliar qual modelo é o mais adequado para 1,3 bilhão de chineses… Talvez só sendo um deles para responder.

O jornalista VAGUINALDO MARINHEIRO viajou a convite do governo chinês.’

 

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