Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Fotógrafo só quer seus direitos garantidos

Por ironia, no Dia do Repórter, 16 de fevereiro, enquanto cobria manifestação pela redução do preço da tarifa única em Florianópolis, o fotógrafo Cláudio Silva foi impedido por um policial de registrar imagens da prisão de um militante do Movimento Passe Livre. Ao se recusar a entregar a câmera, recebeu voz de prisão. Foi demitido do Diário Catarinense no dia seguinte.

Em 1974 Cláudio Silva da Silva começou a trabalhar no jornal gaúcho Zero Hora, do Grupo RBS. Naquela época, Sarará, como é conhecido, ainda não usava câmeras, era office boy do jornal, que nos anos 80 abriu suas asinhas em Florianópolis com o nome de Diário Catarinense. Antes de se mudar para a capital de Santa Catarina, em 1986, Sarará passou de office boy para auxiliar de laboratório, e depois foi promovido a repórter fotográfico.

‘Tu não vai fotografar aqui’

Sarará chegou a receber uma proposta para trabalhar no diário carioca O Globo, mas recusou a oferta e preferiu ficar em Florianópolis com a família – mulher, três filhos e dois netos. Passou alguns anos no jornal O Estado, até retornar ao Diário Catarinense, onde completaria 14 anos de trabalho em agosto. Hoje com 46 anos, Sarará já recebeu diversos prêmios pelas fotografias que fez Brasil afora, como a exposição Caminhos entre quilombos, de 2004, em que retratou cenas de comunidades negras do Norte e do Nordeste. Outro grande momento em sua carreira foi a menção honrosa do Prêmio Vladimir Herzog, pelo flagrante da execução de um homem perseguido pela Polícia Militar.

Cláudio falou a este repórter no Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina. Contou que no dia 16, com Alex Gruba, repórter do Diário Catarinense, foi ao Terminal de Integração do Centro de Florianópolis cobrir a manifestação da frente Tarifa Única Sim, Aumento Não, formada por entidades comunitárias e o movimento estudantil. O ato reunia não mais de 30 manifestantes, que panfletavam, exibiam faixas e utilizavam um pequeno amplificador para dialogar com a população. O trabalho já estava feito, o protesto continuava calmo, e Sarará foi ao Mercado Público, ao lado da manifestação, tomar uma cerveja long neck. Neste momento observou capangas não-identificados atacando manifestantes. ‘Eles chegaram e foram tirando as faixas do pessoal. Eu fui registrar o momento’.

Os/as manifestantes exigiram que a polícia prendesse os agressores, mas, pelo contrário, ela os escoltou. Sarará viu o militante do Movimento Passe Livre Marcelo Pomar sendo detido. A polícia afirma que Marcelo gritou ‘lincha’, quando na verdade foi dito o contrário ‘não lincha’. O fotógrafo diz não ter visto Marcelo fazer nada que pudesse servir de pretexto para a prisão. ‘Parece que eles já foram preparados para pegá-lo’. Cláudio registrou a ação da polícia. ‘Comecei a fotografar o Marcelo sendo carregado e um policial começou a me encarar’, recorda. O PM abordou Sarará: ‘Tu não vai fotografar aqui’. Ele respondeu: ‘Estou trabalhando, estou com crachá’. O policial xingou Sarará (‘seu viado’) e lhe deu voz de prisão. Antes de ser enfiado na viatura, o policial tomou a câmera de suas mãos.

‘Tecnicamente embriagado’

Algemado, dentro da viatura, tentou pegar o celular no bolso. Os policiais tiraram o celular de suas mãos. Começaram a ameaçá-lo, a xingá-lo e lhe deram tapas no rosto. Ao chegar à Central de Polícia, as ofensas continuaram. ‘Parece que eu estava nos porões da ditadura’, descreve, espantado. Os policias checaram seus documentos e notaram que o fotógrafo veio do Rio Grande do Sul. De acordo com Sarará, falavam entre outras coisas: ‘Mais um gaúcho vagabundo aqui na terra’. Três policiais obrigaram Sarará a fazer o teste do bafômetro duas vezes, o que levanta dúvidas sobre o resultado. ‘O cara com um cassetete dizia: ‘Tu vai fazer isso aqui senão tu vai levar umas porradas’’.

Após ser liberado, Sarará fez Boletim de Ocorrência e foi levado ao Diário Catarinense, onde conversou com diretores executivos e editores do jornal. No dia seguinte, a matéria assinada pelo repórter Alex Gruba, além de não mencionar as arbitrariedades contra os manifestantes e contra Sarará, praticamente o acusava de estar ‘tecnicamente embriagado’.

Segundo depoimentos de jornalistas, alguns do próprio DC, a expressão ‘tecnicamente embriagado’ não foi escrita por Alex. A informação é que uma ordem do Grupo RBS, sediado em Porto Alegre, determinou a adição da frase à matéria, para justificar a demissão de Sarará. O Conselho de Ética do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina convocará Alex Gruba para prestar esclarecimentos sobre o assunto. Caso a denúncia seja comprovada, teremos um dos episódios mais gritantes de violação da ética jornalística da imprensa.

Jornal ‘ditador’

Os comentários sobre a demissão desviaram o foco do ocorrido – abuso de autoridade em relação a um repórter – para dúvidas sobre se Cláudio estava ou não bêbado. A Federação Nacional dos Jornalistas se pronunciou sobre o caso, afirmando que ‘há, neste episódio, mais uma tentativa de um veículo de comunicação em distorcer os fatos ou criar uma falsa realidade. O fotógrafo produziu fotos ‘tecnicamente falhas’? Não. Colocou a vida de alguém em risco? Não. Foi demitido porque protestou contra mais uma arbitrariedade da força policial, conivente com a ação ilegal e truculenta de seguranças particulares.’

Sarará foi ao DC no dia seguinte, às 13h, e se recusou a assinar a carta de demissão. Com apoio do Sindicato dos Jornalistas, ele está tentando retirar o termo de justa causa, para que possa receber seus direitos trabalhistas acumulados nesta década e meia de trabalho no jornal. Até agora a RBS nem ao menos respondeu ao sindicato.

‘Eu tenho vergonha de trabalhar num jornal que se diz democrático, mas é ditador’, desabafa. Sarará, que recebeu mais de 300 ligações de apoio e solidariedade, de diversas entidades de todo o país, se recusaria a voltar a trabalhar no DC novamente. ‘Jogaram meu nome na lama e ficou tudo assim’, diz. ‘As pessoas que ficaram lá têm que fazer uma discussão interna. Que tipo de jornalismo a empresa está fazendo? Acho que a empresa não é ética.’

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Estudante de Jornalismo e voluntário do Centro de Mídia Independente de Florianópolis