Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Gilberto Gil

‘O calendário oficial do Brasil aponta 5 de novembro como o dia da nossa cultura e o dia do cinema nacional. Trata-se de um dia para ser celebrado com alegria e orgulho por todos os cidadãos e cidadãs deste país.

Há razões de sobra para comemorar. E uma delas diz respeito ao Ministério da Cultura. Pode-se afirmar, hoje, que a nossa cultura começa a se tornar, finalmente, uma prioridade do governo federal. O orçamento do MinC para 2006 e o empenho da Casa Civil para desatar os nós institucionais do setor são exemplos eloqüentes.

Quando fui convidado pelo presidente Lula para ser ministro da Cultura, disse a ele que minha presença no seu gabinete só faria sentido se a cultura viesse a ter, no Brasil, um tratamento à altura da sua importância e do seu imenso potencial de geração de renda, emprego e bem-estar social. Afinal, a cultura brasileira já responde por 5% do PIB do país; e pode ir além, com políticas que impulsionem seu impacto econômico e social.

Quase três anos depois, constato que aquele desejo está se tornando uma realidade. De fato, o governo do presidente Lula fez na cultura um esforço que merece reconhecimento, em especial quando se sabe das dificuldades que inibem os governos -todos os governos- neste país tão desigual.

Apesar das adversidades, o governo federal dobrou, de 2002 para 2006, o orçamento do Ministério da Cultura, assim como dobrou os recursos da Lei de Incentivo à Cultura. Novos instrumentos de financiamento foram criados, como as linhas de crédito do BNDES para pequenas e médias empresas culturais, os Fundos de Investimento em Cinema (Funcines) e tantos outros.

Os patrocínios culturais das empresas estatais agora estão em sintonia com as políticas públicas do setor. Com isso, temos mais recursos, gastos de modo mais eficiente e inclusivo. Basta ver a Lei de Incentivo à Cultura, que tinha antes recursos concentrados em poucos Estados. Agora, a distribuição é mais equilibrada. Os recursos chegam a todo o país. Somando o novo orçamento com a renúncia fiscal e o crédito, estamos falando de um financiamento público recorde, que passa de R$ 1,5 bilhão.

Temos hoje 300 pontos de cultura em comunidades de risco social, amplificando as expressões locais. O patrimônio histórico está sendo restaurado em mais de 30 cidades. Cerca de 200 novas bibliotecas foram instaladas e cerca de 800 se encontram em instalação. Nada menos do que 300 novos longas, curtas, programas de TV, filmes de animação e video games já foram realizados. O novo programa de editais da Secretaria do Audiovisual está injetando R$ 23 milhões no segmento.

Nossos museus e centros culturais estão sendo recuperados, com um volume de recursos que, em três anos, supera o investimento total dos últimos dez anos. Há avanços em todos os segmentos, como o Programa de Exportação de Música e de Produção Independente de TV, a Previdência dos Trabalhadores da Cultura, o apoio ao software livre e o edital de cultura popular.

O Ministério da Cultura ampliou o seu campo de atuação. O foco das ações mudou, tornando-se o conjunto da sociedade, e não apenas os artistas. Tais ações, por sua vez, foram ampliadas e passaram a se dar de acordo com políticas públicas, ou seja, a partir de diagnósticos da situação em cada segmento e de princípios, diretrizes e metas definidos com rigor e realismo.

Estamos criando o Sistema Nacional de Cultura, que vai articular a atuação do poder público no setor, e vamos elaborar, de modo participativo, com a Primeira Conferência Nacional de Cultura, que acontece em Brasília, em dezembro, o primeiro Plano Nacional de Cultura do Brasil, ao longo de 2006. Nossa atuação internacional também começa a dar frutos: o Brasil ocupa hoje a primeira vice-presidência da Comissão Interamericana de Cultura, da OEA, e tem papel ativo no Mercosul Cultural e na Comunidade de Países de Língua Portuguesa.

No dia 20 de outubro, a Conferência da Unesco, em Paris, aprovou a Convenção Internacional de Proteção e Promoção da Diversidade Cultural, documento vital para a cultura na era da globalização. Sua elaboração e aprovação se devem, em grande parte, ao trabalho do Ministério da Cultura do Brasil, ao lado de países como a Espanha, a França, o Canadá e os vizinhos do Mercosul.

O diálogo permanente com artistas, produtores e empreendedores culturais tem sido outra marca desta gestão. Criamos, por exemplo, as Câmaras Setoriais de Música, Artes Cênicas, Artes Visuais e do Livro e Leitura. Estamos ampliando o grau de acesso da população à produção e à fruição de bens e serviços culturais. Ao mesmo tempo, procuramos estimular a presença da cultura do Brasil no exterior, com o Ano do Brasil na França, em 2005, e a Copa da Cultura, na Alemanha, no ano que vem. Temos, portanto, muito para celebrar neste dia da cultura e neste dia do cinema.

A situação ainda não é a ideal. Mas caminhamos na direção certa, trabalhando intensamente para valorizar e desenvolver nossa cultura, como ela e o país merecem. Gilberto Gil, 63, músico, é o ministro da Cultura.’



SERRA vs. ESMOLAS
Elio Gaspari

‘EsmolaBrás ‘, copyright Folha de S. Paulo, 6/11/05

‘José Serra, prefeito de São Paulo e tucano favorito na sucessão presidencial, quer estatizar a esmola. Anunciou na Fiesp iniciativa intitulada ‘Dê mais que esmola. Dê futuro’. A idéia é convencer a patuléia a negar trocados às crianças que os pedem nas esquinas. Serra quer canalizar o dinheiro a um Fundo Municipal da Criança e do Adolescente. Pode-se acreditar que o dinheiro será bem administrado pelos miserocratas municipais, mas a explicação do prefeito assusta: ‘Acredito que dessa maneira vamos conseguir erradicar o problema dos meninos de rua’. Quando o problema dos meninos de rua precisa ser erradicado, como se fez com a varíola, algo vai mal.’



TODA MÍDIA
Nelson de Sá

‘Gentilmente’, copyright Folha de S. Paulo, 7/11/05

‘Canais de notícias, rádios e sites, no Brasil, cobriram fartamente a reunião de Lula e George W. Bush. No enunciado de Globo News, Folha Online e outros, ‘Lula e Bush trocam elogios’.

CNN, canal americano, e BBC, britânico, que chegaram a entrar ao vivo, registraram aqui e ali os elogios, mas sublinharam que ‘temas comerciais dominaram a agenda’.

Lula surgiu cobrando concessões em subsídios agrícolas, na rodada Doha. E Bush repisou ao longo do dia, na edição dos dois canais, a mesma frase:

– Os EUA vão reduzir subsídios se nós obtivermos o mesmo tratamento de parceiros comerciais como a Europa.

Na manchete do site do britânico ‘Financial Times’, sob a foto do presidente dos EUA com a bandeira brasileira, ‘Bush busca coisas positivas no Brasil’. Estava ‘em Brasília tentando salvar algo positivo da cúpula que terminou em bagunça’.

Para o ‘Le Monde’, não conseguiu. Na home do jornal francês, abaixo da manchete para os protestos parisienses, o enunciado ‘Bush não obtém de Lula um avanço na zona de livre comércio das Américas’.

Já o site do americano ‘New York Times’, com manchete para o novo tornado nos EUA, registrou um despacho da agência Reuters sob o título ‘Brasil oferece algum alívio para Bush depois da cúpula’.

Na Argentina, por fim, o ‘La Nación’ deu em manchete, com a foto de ambos, ‘Bush e Lula, juntos no Brasil’.

Sobre a cúpula, as primeiras avaliações são todas de fracasso para os Estados Unidos.

No título de Matthew Cooper na revista ‘Time’, Cooper que foi um dos protagonistas do escândalo que envolveu a Casa Branca e a mídia:

– A América Latina gentilmente recusa Bush.

E no título do influente colunista Andres Oppenheimer, do ‘Miami Herald’:

– O resultado final da cúpula: duas Américas.

Era um eco do discurso do mexicano Vicente Fox, ‘uma América feita dos EUA e 28 outros países, outra feita do Brasil e outros quatro países’.

Perguntas mil

Começou com o blog de Josias de Souza, que durante a semana pediu aos internautas perguntas a serem dirigidas a Lula no ‘Roda Viva’ de hoje -e postou 20 delas ontem.

Outros blogueiros seguiram a idéia e no fim, ontem, a própria TV Cultura pedia aos telespectadores, nos intervalos comerciais, que enviassem as suas perguntas. É esperar para ver, no tal ‘Roda Viva 1.000’.

‘Bandidão’

Não se falou em surrar o presidente, até onde foi possível acompanhar, mas o Globo Online noticiou mais verbo solto ontem dos tucanos, em convenção. Zulaiê Cobra, que postula vaga para o Senado, chamou Lula de ‘bandidão’ e ‘chefe da quadrilha’ e proclamou:

– Lugar de PT é na cadeia.

Afogados

Da home do Globo Online:

– Tucano diz que alertou para desvio de recurso para Valério no governo FHC.

Era o ex-presidente de uma estatal, confirmando reportagens do fim de semana, inclusive no ‘Jornal da Band’, sobre o ‘valerioduto tucano’, no dizer de Josias de Souza.

Para registro, o ‘ex-blog do Cesar Maia’, hoje uma lista de mensagens muito difundida, reproduzia a denúncia sob o título ‘Abraço de afogados’.

‘Finalmente’

E havia mais afogado, ontem. No ‘ex-blog’, sob o título ‘Finalmente pegaram Garotinho’, a reportagem da revista ‘Época’ sobre as supostas relações de um ‘deputado ligado a Garotinho’ e um doleiro. A repercussão correu as Globos.’



COLUNISMO SOCIAL
Luís Nassif

‘O café society ‘, copyright Folha de S. Paulo, 6/11/05

‘Um livro esquecido de 1956, da Editora Civilização Brasileira, traz elementos preciosos sobre a elite brasileira no início dos anos 50, período em que se consolidaram grandes grupos nacionais. Foi escrito por José Mauro Gonçalves, mineiro de Mariana, contratado durante ano e meio como colunista social do ‘Diário de Notícias’. Ele tinha particularidades curiosas para um colunista social: detestava a vida mundana.

José Mauro dividia a elite carioca da época em seis tribos.

Na frente, os ‘horse-ligne’, os pequenos círculos dos estabilizados, altas figuras dos meios sociais, políticos e econômicos, que perduram por duas ou três gerações. O cronista colocava nesse time E.G. Fontes (banqueiro), Raimundo Castro Maya, João Borges Filho e Eugênio Gudin. Incluía Raul Fernandes, tratado como ‘famoso internacionalista que se enriqueceu sobretudo com causas nacionais’, o embaixador Maurício Nabuco, o empresário têxtil Guilherme da Silveira e os três Guinle -Guilherme, Carlos e Otávio.

Em seguida, vinha o ‘café society’, que começou a ser moldado nos tempos do Cassino da Urca. Era um pessoal mais festivo e informal, uma espécie de geração Daslu da época. Os mais proeminentes eram Álvaro Catão, Carlos Eduardo ‘Didu’ de Sousa Campos, Vicente Galliez, Horácio Klabin, Otacílio Gualberto de Oliveira, João Saavedra, Jorge Guinle, Teodoro Eduardo Duvivier e Fernando Delamare.

Um grupo menor era o ‘salon société’, formado pelos herdeiros das tradições dos cafés literários da França, um tanto pernósticos. Em posição mais favorável estavam os intelectuais, de poetas como Vinicius de Moraes a humoristas como Millôr Fernandes, pintores como Portinari e Di Cavalcanti, arquitetos como Niemeyer e Lúcio Costa.

O grupo dos poderosos era chamado de ‘big shots’ ou ‘tycoons’, conhecidos por seu poder econômico, pela liquidez de suas finanças e, alguns, também pelo charme.

Dois dos mais ilustres eram o paulista José Carlos de Macedo Soares e Horácio Lafer. Entre os de prestígio eminentemente político, incluía Apolônio Sales, Israel Pinheiro, Francisco Negrão de Lima, senador Juracy Magalhães, senador Lourival Fontes, ministro José Maria Alckmin.

Havia ‘big shots’ nordestinos, como Oton Bezerra de Mello Filho, que, com seus irmãos Artur e Luis, dominava setores como hotelaria, tecidos, usinas de açúcar. Nos setores de terraplanagem e rodoviarismo, imperavam Cincinato Braga e Mário Tamborindeguy.

O empresário com melhores relações com os Estados Unidos era Valentim Bouças, ligado ao grupo Holleryth, que recebia polpudos royalties do serviço público. Havia os ‘big shots’ da hotelaria, como Joaquim Rolla, criador do Cassino da Urca.

Os Klabin já se destacavam por sua produção de celulose no Paraná. em São Paulo, no Rio e em Minas. O presidente da Panair era Argemiro Hungria, ligado à Murray e Simonsen, que detinha representações de automóveis, máquinas em geral, papéis suecos e finlandeses.

A.J. Peixoto de Castro era o líder do seu grupo, cuja origem estava na concessão da Loteria Federal. De lá investiram na Refinaria de Manguinhos. Havia também Antonio Sánchez de Larragoitti Júnior, da Sul América, e o Monteiro Aranha -sociedade dos Monteiro de Carvalho e de Olavo Egydio de Souza Aranha-, com ligação com capitais franceses, investimento em vidro, automóveis (Volkswagen).

Um dos grupos mais poderosos eram os Soares Sampaio, donos da Refinaria Capuava, a maior do país, além de fábricas de cimento, de pneus. O líder era Alberto, mais os irmãos João, Álvaro e Bento. Havia representantes de multinacionais, como Sigmund Weiss, da Mannesmann.

O cronista culminava sua relação com o grupo Moreira Salles. Mencionava João, que fundou o banco. Depois, Valter, que ampliou as atividades para os setores industriais, agrícolas, dono de uma liquidez monetária imensa. Eram pessoas ligadas ao grupo Eduardo Ramos (casado com uma filha de Antonio Prado Junior), Pedro de Perna, Aluisio Sales e Nelson Batista, além de San Tiago Dantas e outros ‘big shots’ famosos.

A última tribo era a dos golpistas. Por prudência, não indicou nomes nacionais.’