Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Grande mídia esfria sucessão presidencial

O presidente da República dá uma entrevista de quatro páginas para o Estado de S.Paulo, no domingo (25/8), colocando ponto final na especulação sobre o já comentado terceiro mandato – que viria, como se cogita, por Constituinte exclusiva. E nos jornais de segunda, impressos e online, da grande mídia, o tema não foi realimentado da forma que merecia, por se tratar de algo importante, ou seja, a declaração de um presidente com exclusividade a um grande jornal brasileiro sobre algo que sempre coloca fogo no palheiro.

Antigamente, a mídia era acusada, benfazejamente, de esquentar os noticiários políticos, especialmente, se a motivação estivesse encenada pelo titular do poder. Hoje, esfria. Todos corriam atrás das sinalizações, especialmente, quando um fura o outro, como foi o caso do Estadão: o titular do Planalto, falando sobre tudo, ou quase.

Os concorrentes fizeram o antijornalismo: para eles não existiu a entrevista, salvo o Jornal do Brasil, que repercutiu em matéria de Alexandrer Bicca. Mais do que antiprofissionalismo, cegueira. O Globo, Folha de S.Paulo, Correio Braziliense, que têm muita força na capital da República, não deram pelota. Não interessa à opinião pública ou a opinião pública não interessa ao jornalismo?

Leitores e leitoras dos jornais impressos e online, bem informados e curiosos, não gostariam que todos aprofundassem o tema, pluralizando opiniões e antagonismos, no dia seguinte, com mais espaço para argumentações e entrevistas com a oposição e a situação?

Afinal, Lula deu a dica que uma mulher terá grande chance de vencer e que Ciro Gomes e Nelson Jobim não podem ser ignorados. Prato cheio para repercussões. E o resto que articula seus respectivos nomes, mesmo que sejam para exercitar a corrida do cavalo paraguaio, não estariam interessados em falar, também, sobre as apreciações presidenciais, quentíssimas, para o mundo político?

Samba quadrado

Se a fala presidencial não esquentou o noticiário da sucessão, o que teria poder maior do que esse para agitar o contexto político nacional, a fim de ombrear com os outros dois assuntos quentes da semana, o julgamento do STF sobre os 40 mensaleiros dependurados na brocha sem escada e o calvário político do senador Renan Calheiros?

Ou a fala presidencial deixou de ser relevante para a grande mídia?

A Folha de S.Paulo, maior concorrente do Estadão, desconheceu. Os comentaristas de segunda na página 2, idem. O Globo, da mesma forma, nem tchum. Ricardo Noblat, que aparece às segundas, começou seu trabalho indagando qual seria o tema a ser abordado com preferência: mensalão? Renan? Anac? Lula, disse, é sempre assunto. Nenhuma abordagem sobre a entrevista do presidente. Descartado o presidente, também, ficou na coluna de política de Ilimar Franco, que focou dificuldades políticas que o governo terá de enfrentar para aprovar a CPMF. Pão velho. Sucessão? Nada. Mauro Santayanna, no Jornal do Brasil, escreveu, como sempre muito bem, sobre as elites e suas formações ao sabor dos jogos políticos.

Certamente, os jornais não terão abordado o assunto porque o processo industrial na grande mídia nos fins de semanas exige antecipação de comentários, para evitar prejuízos operacionais. Mas, e no noticiário online, onde o espaço para a interatividade explodiu? Também, miudezas.

O próprio Estado de S.Paulo, pai da criança, foi tímido na segunda-feira (27/8). Tinha mercadoria valiosa nas mãos para continuar forçando a primeira página com suíte de assunto exclusivo. Preferiu tocar um sambinha quadrado. Queimou cartucho, dando manchete espremida no canto superior esquerdo da primeira página sobre boom imobiliário no interior. O tema exclusivão caiu para segundo plano na primeira do Estadão. Bem interiorano, mesmo, o grande jornal na segunda. Nem editorial foi escrito para seus leitores sobre o que a casa dos Mesquita achou da fala presidencial. Talvez saia na terça…

Café requentado 

O assunto morreu ou foi matado? Nem um, nem outro. Está vivíssimo, mas fora do noticiário no dia 26, quando devia estar queimando nas páginas. Os congressistas soprarão as brasas e os repórteres correrão atrás. Desse jeito não podem reclamar da circulação em queda e pouca de vendas em bancas. A polêmica deverá ser aberta na Câmara e no Senado, porque os políticos, independentemente da mídia, vêem na fala do presidente o recado, o oxigênio a partir do qual começam a construir suas conjecturas políticas em bases mais ou menos firmes.

Lula pregou que haja desde já, entre os aliados, combinações prévias com vistas às eleições municipais do próximo ano. Cadê o assunto, na segunda, com necessários desdobramentos, visto que os partidos são sacos de gatos? Nada. Mais uma vez a imprensa correrá a reboque do Congresso, quando poderia começar a semana pautando o óbvio, que a declaração presidencial provocou, apesar de não ter sido manchetada: a corrida sucessória. A notícia (com aquela quentura que os bons editores promovem, para marcar o ritmo do noticiário no início da semana, evitando, na base da criatividade, correr atrás do já salgado) ficou sem pai nem mãe.

As discussões entre os políticos, na tribuna e nos bastidores do Congresso nesta semana, agitarão o ambiente. Vai dar o que falar tanto quanto, ou mais, o julgamento do Supremo Tribunal Federal. Isto porque o mensalão, na prática, é café requentado, sabendo-se de antemão que correção moral da Justiça brasileira se fará necessariamente sobre os maus comportamentos políticos, para dar exemplo à sociedade. Já a declaração presidencial, colocando claramente em debate a sucessão, representa página aberta para o jornalismo político.

Pregação negada

O comportamento dos jornais concorrentes do Estadão é simplesmente vergonhoso. Mau jornalismo puro. Seria um prestígio para qualquer repórter concorrente dos coleguinhas do Estadão ter na segunda-feira uma notícia quente, exclusiva, para dar seqüência ao noticiário quentérrimo. A demanda fora dada, quando o jornalismo deveria criar a demanda sem esperar a oferta. Corrida de cavalo: quem sai na frente, necessariamente, não vence o páreo. Eis a beleza do jornalismo, mas… a segundona foi pobre.

A forte concorrência capitalista da notícia inexiste na mídia nacional no momento em que se generaliza a uniformização empobrecedora do noticiário. A pregação do livre mercado, da livre concorrência, foi simplesmente negada. Não segue a grande mídia a prática de sua própria pregação. Afoga-se na teoria. Nesse caso, Rupert Murdoch vai chegar e dominar a praça para dar mais competitividade à cobertura política no Brasil – que perdeu, depois da fala de Lula, uma segunda-feira preciosa.

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Jornalista, Brasília, DF