Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Imagens em preto (triste) e branco (alegre)

Já incorporamos tanto a ideologia racista segundo a qual pessoas negras são apáticas, ruins, incapazes, sofridas etc. etc. – ao passo que os brancos seriam seu oposto – que nem nos damos conta de quando esse sistema de idéias se manifesta no nosso dia-a-dia. Nem mesmo jornalistas experimentados, com tarimba para serem correspondentes internacionais, têm conseguido superar esses preconceitos.

À parte o nariz-de-cera (ainda se usa essa expressão?), chamo a atenção para matéria da TV Globo levada ao ar na quarta-feira (27/9). Ela tratava do show de reabertura do Super Dome, o enorme ginásio esportivo que abrigou milhares de vítimas do Katrina, o furacão que destruiu Nova Orleans em agosto de 2005. Refiro-me, aqui, somente à matéria da Globo porque eu a assisti. É bem provável que matérias de conteúdo semelhante tenham sido produzidas aos montes.

A matéria se dividia em dois momentos. No primeiro, destacava-se o anúncio do show que reuniu as bandas U2 e Green Day para comemorar a restauração do Super Dome. Na tela, homens e mulheres risonhos celebravam a reabertura do ginásio cantando e dançando. O momento era de uma felicidade só.

Um detalhe: viam-se exclusivamente brancos sorrindo, ao som, no fundo, dos dois conjuntos. Nenhum negro apareceu na tela. Provavelmente gerada a partir do escritório da rede em Nova York, a matéria, correta do ponto de vista do encadeamento lógico-temporal, relembrava o estado em que o Super Dome ficou depois de ter sido quase destruído pelo uso emergencial, inadequado e intensivo que se fez dele há um ano. Ali ficaram milhares sem água, luz, segurança e mínimas condições de higiene milhares de desabrigados pelo furacão.

Atividade política

Relembraram-se imagens do estádio destruído. Porém, nas imagens de 2005 só apareciam pessoas negras, reclamando ajuda do governo, abandonadas à própria sorte. As cenas lembravam imagens das vítimas que nos acostumamos a ver apenas quando o país retratado se encontra numa África esmagada por doenças, guerras e convulsão social.

Embora conte a favor dos profissionais da Globo o fato de que, aparentemente, o preconceito tenha sido inconsciente, na prática reforçou-se a má imagem social aplicada aos negros – no Brasil, nos EUA e em muitos países. A idéia de uma suposta inépcia e até apatia das pessoas negras.

Longe de mim querer ditar regras a uma equipe tão qualificada tecnicamente. Mas, em momentos como esse, é necessário lembrar que no jornalismo a técnica, sozinha, não determina a qualidade e a acuidade da produção. O jornalismo é uma atividade política que requer capacidade crítica para ser exercida. Justamente para que para não saiamos por aí reproduzindo ideologias preconceituosas.

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Jornalista