Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Imprensa silencia sobre discriminação

O comportamento da imprensa no assunto das indenizações a ex-presos políticos está sendo de ocultar injustiças, ignorar denúncias e desrespeitar tanto a correção jornalística quanto os direitos dos leitores.

Desde agosto de 2003 luto contra a preterição que, como ex-preso político com número de inscrição baixo no programa de indenizações às vítimas da ditadura militar, venho sofrendo por parte da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Mandei sucessivas denúncias à imprensa, mas, como era um entre milhares de anistiandos cujos direitos não eram respeitados, aceitei normalmente que nenhum veículo as acolhesse.

Em junho de 2004, entretanto, consegui provas conclusivas da distorção de critérios e da prática de preterição. Encaminhei representações à Procuradoria Regional de São Paulo do Ministério Público Federal e à Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, que as consideraram suficientemente consistentes para instaurarem procedimentos visando à apuração dos fatos. Enviei mensagens a toda a mídia comunicando essa evolução dos acontecimentos, mas, da grande imprensa, só O Estado de S. Paulo deu uma nota. A Carta Capital pautou o assunto como matéria de capa, me entrevistou, obteve de mim indicação de fontes e marcou uma sessão de fotos (como eu não tinha local apropriado, tive de pedir licença para ser fotografado no auditório do nosso Sindicato).

Depois de tudo isso, no fechamento da edição, excluíram-me da matéria, por determinação ‘de cima’. Escrevi carta denunciando macartismo e patrulhamento ideológico… e a revista, com todo o seu poder de fogo, não teve coragem de polemizar com um jornalista desempregado e sem tribuna. Contatei o ombudsman da Folha de S. Paulo: lembrei o compromisso que o jornal tem com a defesa dos direitos humanos e me queixei de que não era justo eu ser prejudicado porque o assunto se tornara melindroso para a Folha desde que um colunista seu foi acusado de receber indenização excessiva da mesma anistia federal. Marcelo Beraba disse que repassara meu e-mail à Redação.

Causa justa

No fim de agosto, meu julgamento foi marcado e adiado em plena sessão sob alegação bizarra. No site do Ministério da Justiça, isso foi comunicado de duas formas discrepantes: ‘adiado’ e ‘retirado de pauta’. A coluna nacional do Cláudio Humberto apurou que fora retirado de pauta sem previsão de retorno – um procedimento absolutamente atípico –, insinuando que se tratava de retaliação contra mim. Face à forte suspeita de que agora estivesse sofrendo discriminação de ordem pessoal, tentei novamente interessar a grande imprensa no assunto, em vão.

Recorri de novo a Marcelo Beraba, que respondeu que esse caso não lhe era atinente nem tinha poder de decisão, mas encaminharia mais uma vez o assunto à Redação. Respondi-lhe (também por e-mail) que, ao deixar de noticiar um caso de discriminação, a Folha estava atingindo também meus direitos como leitor, que lhe cabia, como ombudsman, defender. Finalmente, a Folha publicou no dia 12/9/04 um artigo de Jarbas Passarinho, extremamente arrogante e desfavorável a todos os anistiandos. Mandei resposta ao Painel do Leitor, que nada publicou (nem contestação alguma partida de qualquer outro anistiando).

Então, como a Folha me negou o direito a apresentar o ‘outro lado’ (como anistiando) e de questionar um texto polêmico e preconceituoso (como leitor), apelei mais uma vez ao ombudsman, que não se dignou sequer a responder. Luto por uma causa justa, contra uma burocracia arrogante e discricionária. Se o desfecho for ruim, isso em grande parte se deverá ao comportamento da imprensa – que desaprendeu a solidariedade praticada sob enormes riscos nos ‘anos de chumbo’.

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Jornalista, São Paulo