Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Irã e a web-revolução

Enquanto o Supremo Tribunal Federal modificava a concepção de jornalista em terras brasileiras, um movimento de âmbito global modificava a relação de emissão entre produtor de notícias e audiência, proporcionando a inversão do próprio princípio do newsmaking. Tal como o advento de conselhos participativos e outros instrumentos de democracia direta no campo da Política, vemos na Comunicação Social a inversão do antigo ‘de-cima-para-baixo’, ou seja, quem faz a notícia, agora, é a audiência e a imprensa a consome.

Não podemos deixar de notar o quão interessante é o fato de que esse movimento de mudança nas relações sociais das práticas midiáticas vem acompanhado por um processo de insatisfação política de base popular. A agora chamada ‘Revolução Verde’ que está ocorrendo no Irã graças à mobilização das bases de Mir-Hossein Mousavi contra o resultado da eleição – segundo eles, fraudulenta – que deu a vitória a Mahmoud Ahmadinejad, o atual presidente iraniano.

O objetivo aqui não é tomar partido de nenhuma das duas correntes, mas sim analisar, em breves linhas, o impacto midiático que os protestantes ainda proporcionam, inclusive para nós, brasileiros, tão distantes do território iraniano. A ‘Revolução Verde’, nome proveniente da cor eleitoral de Mousavi que é utilizada nos protestos, não é mais uma das ‘Revoluções das Cores’. 

Revoluções das cores e eleições

Para os pouco familiarizados com o recente movimento político, a ‘Revolução das Cores’ é considerada a primeira onda de revoluções do século 21. Em sua primeira fase todas elas ocorreram em momentos eleitorais de Estados do Leste Europeu e carregavam uma cor como símbolo. Esse é o caso da ‘Revolução Rosa’ (Geórgia, 2003), ‘Revolução Laranja’ (Ucrânia, 2004) e ‘Revolução Amarela’ ou ‘Revolução da Tulipa’ (Quirquistão, 2005).

Uma segunda fase desse tipo de movimento aconteceu no Oriente Médio, novamente relacionada com cores e momentos eleitorais. Dessa lista, encontramos: ‘Revolução Vermelha-Branca’ ou ‘Revolução do Cedro’ (Líbano, 2005); ‘Revolução Azul’ (Kuwait, 2005), ‘Revolução Roxa’ (Iraque, 2005) e a atual ‘Revolução Verde’ do Irã.

Só que, tal como afirmamos, o movimento dos pró-Mousavi é muito diferente dos demais, graças ao seu amplo uso da chamada Web 2.0 para a articulação do movimento e para a disseminação de informações. Tal situação, é o que a revista Época chamou de Irã 2.0 em sua matéria de capa sobre o assunto. É nesse fenômeno que devemos nos focar no campo da Comunicação Social, indo além de análises de política dura. Devemos compreender porque a ‘Revolução Verde’ é cada vez mais chamada de ‘Revolução Twitter’. 

Revolução Twitter e a grande mídia

O Washington Times, em editorial de 16 de junho de 2009, chamou os protestos eleitorais pró-Mousavi no Irã de ‘Revolução Twitter’. O termo não poderia ser mais preciso. Tanto no aspecto político – ou seja, as mobilizações para protestos – como no aspecto midiático – a cobertura do evento em si –, o Twitter e o Facebook foram os protagonistas em uma sociedade onde o Estado proibiu os jornalistas estrangeiros de trabalharem livremente.

Incapacitada de trabalhar, a grande mídia internacional precisou das mídias digitais sociais para falar de um evento aonde sua apuração não chegava. Assim, seguindo a confissão do Washington Times, os eventos ‘foram trazidos para o mundo em tempo real pelas redes sociais midiáticas e por vídeos online’.

Muito mais de que uma afirmação banal, essa situação demonstra o poder, antes só teorizado, do jornalismo colaborativo digital na nova dinâmica das práticas midiáticas. Os olhos do mundo não são mais a superpoderosa imprensa, nosso watchdog, mas sim os olhos do produtor anônimo de conteúdo colaborativo digital. O que nos veio, inicialmente, como um movimento político se tornou uma das principais bandeiras da possibilidade real de uma democratização da comunicação.

Todos os grandes jornais e redes de televisão se tornaram meros consumidores – audiência, no vocabulário midiático – de qualquer um que se dispuser produzir conteúdo. Aqueles que acreditavam que as promessas da Web 2.0 de girar (ou implodir) o eixo de emissão eram meras balelas, com certeza perderam a razão quando viram imagens de má qualidade, puro ‘vídeo verdade’, em um telejornal que organiza a teia de discursos do mundo em uma narrativa ordeira com cenas esteticamente limpas.

Liberdade do front digital

Ora, a ‘Revolução Verde’ que ocorre no Irã atesta outras hipóteses de outrora sobre a prática midiática em ambiente digital. A mais importante delas é que a informação não possui limites na Internet. A rede não admite empastelamentos tal como a imprensa do século 20.

Para observar isso, basta acompanhar o histórico do fluxo de informação-mobilização no Irã. Primeiro, as informações eram enviadas via telefone, principalmente celular. O regime iraniano manejou bloqueá-lo. Depois, os sites tradicionais de redes sociais – YouTube, Facebook, Flickr e Twitter – foram amplamente utilizados e mantidos em uma lógica de bloqueio-desbloqueio onde hackers iranianos brigavam no ‘universo’ proxy com as autoridades.

O Twitter começa a virar uma agenda de eventos e a principal forma de rapidamente avisar que um novo vídeo, um novo post em um blog e uma nova manifestação estava no ar. Quando os bloqueios pareceriam estar vencendo, as mailing lists com um número infindável de e-mails, serviram para noticiar o Irã para o mundo. Não havia jornalistas no sentido estrito da palavra e, para empastelá-los, precisaria empastelar toda a rede.

Como já tinha dito, não vou fazer nenhuma consideração política sobre a situação do Irã. Mas não posso negar o poder midiático que os manifestantes pró-Mousavi demonstraram. É uma lição tremenda tanto para os donos da grande mídia como para nós, jornalistas, que estamos sentados em uma Redação acreditando que somos os watchdogs da informação.

Agora, os jornalistas são a multidão. Não sabemos se haverá uma revolução política do Irã, mas a ‘Revolução Verde’ nos indicou, sem sombra de dúvida, que nas práticas midiáticas há em curso uma web-revolução.

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Jornalista e Mestrando em Ciências da Comunicação (ECA-USP)