Saturday, 11 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Itália passa a prender jornalistas

Oito meses de prisão é a sentença da justiça italiana para Checchino Antonini, repórter do diário comunista Liberazione e para o ex-editor do jornal, Piero Sansoneti. Na sexta-feira (19/2), na sede da Stampa Romana, uma coletiva reuniu um reduzido número de jornalistas para ouvir os dois colegas. Da grande imprensa, nenhum representante.

‘Essa sentença diz respeito a uma página vergonhosa de nossa História’, declarou Paolo Butturini, secretário do sindicato dos jornalistas de Roma. Ele se refere à morte do estudante Carlo Giuliani, presente ao Fórum Social que corria paralelo ao encontro do G8, em Gênova, no ano de 2001. No dia seguinte (noite de 21 para 22 de julho), a polícia invadiu a escola Diaz-Pertini, espancou e prendeu 93 participantes do Fórum, tudo filmado e fotografado.

Na época, o caso ganhou repercussão mundial com a ajuda de jornalistas engajados, como Antonini. Mas sua condenação, e a do editor Sansonetti, entretanto, refere-se a 2005, quando o então chefe de polícia Gianni de Gennaro deu uma avaliação positiva ao trabalho dos policiais envolvidos na violência ocorrida em Gênova.

Contador diário

A investigação do repórter levou ao perfil marcadamente de direita dos policiais destacados para o G8. Na época, o senador Gigi Malabarba denunciou os critérios de avaliação e de seleção dos quadros da polícia. Não demorou para que os sindicatos de polícia cercassem o prédio do Senado, atacando verbalmente o senador. Antonini escreveu no Liberazione sobre a escolha e promoção dos policiais implicados na morte de Giuliani e no espancamento dos ocupantes da escola Diaz, bem como sobre a ação furiosa e intimidatória dos policiais contra um senador da República. Por isso, e justamente por isso, foi julgado e condenado em primeira instância.

‘Nosso jornal deu que um dirigente de um dos sindicatos que atacavam Malabarba tinha uma possível ligação com a extrema direita’, explica Checchino Antonini. ‘Em 2003, teria até sido incriminado por um fato relacionado à sua inclinação política. Está documentado, não escrevi nenhuma mentira’, garante.

Não é difícil defender parte da imprensa italiana – ao menos aquela que não ‘transforma em clientes os que precisam de autonomia’, como foi lembrado na coletiva. Nos últimos anos, além do caso de Gênova, foi pelo empenho de alguns jornalistas que o povo italiano e o mundo tomaram conhecimento do business do urânio empobrecido, dos casos de câncer causados pelo amianto e das mortes no trabalho. O Liberazione chegou a criar um ‘contador’ diário para denunciá-las, sem que as agências de notícia fizessem caso.

Solidariedade na rede

‘O que espanta é a desproporção dessa sentença. É para nos intimidar’, avalia Dino Greco, atual editor do Liberazione. Greco não é corporativista quando fala. A situação é mesmo de amordaçamento da imprensa. Prova disso é que, há alguns dias, o governo Berlusconi criou um regulamento que simplesmente cancelou os programas televisivos de debate político da estatal RAI. Sem falar no corte da verba do governo para veículos como jornais pequenos e regionais e a perseguição de jornalistas no sul da Itália.

Apesar disso, a categoria acredita que a saída pode estar no que chamam cultura ‘anglo-saxônica’ de se fazer jornalismo. ‘Devemos buscar a prática do direito de escrever, da tutela da privacidade e a possibilidade de não ter que revelar as fontes, quando se procede de forma documentada’, avalia Dino Greco. ‘É difícil raciocinar quando tudo desaba, mas temos que pensar na liberdade de informação do amanhã. Ficar na defensiva é pior’, conclui.

O amanhã poderia até ser hoje, já que os jornalistas se dizem surpresos com a solidariedade que vem da rede, espontaneamente. Sabe-se, por exemplo, que um grupo formado no Facebook está organizando uma manifestação em frente à embaixada dos Estados Unidos para pedir ao presidente Obama que intervenha sobre as agressões à liberdade de imprensa na Itália.

Antonini e Sansonetti, agora, juntam as forças para recorrer da sentença.

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Chechinno Antonini também responde a outro processo. Seu livro Escola Diaz: vergonha de Estado, publicado em 2009, tem 199 páginas, mas um policial citado fez causa por uma única frase: ‘promoção vergonhosa’. Trata-se de Michelangelo Fournier, envolvido na agressão policial aos ocupantes da escola Diaz. Condenado a dois anos de prisão pelo episódio de Gênova, o policial foi promovido, em janeiro do ano passado, a chefe da central antidroga da polícia.

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Jornalista