Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Jornalismo entre o céu e a terra

O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (7/2) pela TV Brasil, primeira edição inédita de 2012, veiculou uma entrevista de Alberto Dines com o premiado jornalista e escritor espanhol Juan Arias,  correspondente do jornal espanhol El País no Brasil há 12 anos. Antes de desembarcar no Rio de Janeiro, Arias foi correspondente na Itália e no Vaticano por 18 anos, ocupou o cargo de ombudsman e dirigiu o prestigiado caderno de cultura “Babelia”.

Autor traduzido em dez países, Arias publicou livros baseados em grandes entrevistas. Entre os seus personagens figuram nomes importantes da cena cultural, como os escritores José Saramago e Paulo Coelho e o jornalista Juan Luis Cebrián, fundador do El País, entre outros. Além do jornalismo, Arias tem outra grande paixão: a história da religião católica, à qual dedicou diversas obras literárias. Antes de ingressar no jornalismo, Arias, que também é filólogo, foi sacerdote.

Na abertura do programa, Dines comentou que enquanto a maioria dos jornais mais importantes do mundo costuma reservar suas primeiras páginas para o noticiário local, El País dedica quase todo o primeiro caderno às notícias internacionais. Arias explicou que esta paginação, idealizada por Cebrián no ano do lançamento do jornal, em 1976, é estratégica e foi pensada para inserir a Espanha no cenário mundial após décadas de regime ditatorial:

“Ele entendeu, tão jovem, que a Espanha tinha ficado 40 anos fora do mundo porque o franquismo, a ditadura, não queria que se conhecesse a democracia que existia fora da Espanha. Então, ele pensou: ‘A primeira coisa que precisam os espanhóis é abrir a janela e que conheçam o mundo, que não existe só a Espanha e que existe um mundo maravilhoso e democrático’.”

O mito da objetividade

Outra intuição de Cebrián foi apostar na cobertura jornalística das regiões de fala espanhola tanto na Europa quanto na América. Arias relembrou que o clamor popular do período pós ditadura franquista pedia um jornal quente, com grandes fotografias e títulos arrojados. No entanto, Cebrián avaliou que a Espanha, naquele momento, precisava de um jornal frio e equilibrado para acalmar os ânimos.

Um dos princípios do El País é a distinção entre informação, análise e opinião. Arias confessou que, na prática, separar estas três esferas torna-se uma questão complicada e comentou que se três jornalistas observarem um mesmo fato, cada um fará uma análise diferente. Basta um adjetivo, uma nuance. Por isso, acredita que estes conceitos estão entrelaçados: “Você olha um fato e conta, mas quem está contando é você. Não é uma máquina que registra. É você que depois conta com a sua linguagem, com a sua sensibilidade, com os seus estudos”, disse Arias.

Para o correspondente, o elemento humano é indispensável na imprensa, mesmo com as novas ferramentas do mundo virtual. O jornalista deve “colocar a alma” nos fatos que está narrando. Inconformado, Arias criticou o tom impessoal de algumas reportagens, sobretudo as que tratam da violência urbana. Um exemplo foi a cobertura da morte do menino Willys de Oliveira Rodrigues da Fonseca, de 8 anos, atingido por uma bala perdida enquanto brincava em uma praça na Zona Norte do Rio de Janeiro, em 2011. “Eu posso fazer uma crônica disso, asséptica. Mas, dentro disso, há um drama que existe. É uma história humana impressionante, tem que contar essa história”, sublinhou o correspondente do El País no Brasil.

Diploma?

Dines concordou que os jornalistas têm que saber contar uma história que “fale ao coração” e, para isso, precisam saber escrever bem. Arias comentou que, com o passar dos anos, os jornais ficaram mais técnicos porque adotaram uma série de normas para a produção de textos. Na sua avaliação, não é necessário ter diploma em Jornalismo para exercer a profissão. É preciso, sim, escrever bem e ter uma ampla base cultural para narrar e analisar os fatos.

“Se você não sabe escrever, pode fazer 5, 10 faculdades de Jornalismo que não vai ser jornalista”, assegurou Arias. Com as novas tecnologias de informação, que pulverizam a leitura, é essencial que os jornalistas saibam escrever bem. E o leitor, na avaliação de Arias, está cada vez mais qualificado: “Qualquer coisa que o jornalista escrevia era uma maravilha. Hoje, não. Ele [o leitor] está cada vez mais crítico. E são críticos até com erros gramaticais, com pontuação. Isso é bom porque obriga o jornalista a manter um padrão”.

Dines comentou que El País é um jornal modelar porque se dirige a um leitor ideal e não está voltado para classes sociais específicas. Já no Brasil, onde a classe C vive um momento de ascensão econômica, o panorama é diferente. Preocupada em atrair os novos leitores, a mídia tradicional brasileira deixa de lado a excelência. Arias considerou que esta questão é grave, sobretudo porque os jornais não buscam a melhoria cultural da classe C, mas adaptam-se aos padrões culturais desse segmento:

“Isso é um erro total. Não é democrático manter uma casta, como nós mantivemos os escravos. Hoje se mantém uma ‘culturinha’ para ela [a classe C]. Ao contrário! Saramago sempre falava que você tem que dar um texto ao aluno maior do que ele é capaz de entender neste momento, mesmo que ele não entenda tudo. Não pode dar uma coisa mastigada”.

Arias explicou que quando o jornal oferece ao leitor um conteúdo de alto nível, todos são beneficiados, inclusive os que têm menor poder aquisitivo.

Uma sociedade mais solidária

Em seu trabalho como correspondente, Arias precisa observar atentamente panorama internacional e analisar as implicações do cenário mundial no país onde está baseado. Para o jornalista, este é um momento de “gestação”. O mundo mudará irreversivelmente, inclusive a Europa. Ele ressaltou que após momentos de grave crise, a humanidade sempre evolui:

“Desta crise vai sair um mundo melhor. Vai se ver que o mundo econômico sozinho não basta, que tem que voltar aos valores essenciais, que há coisas mais importantes. O problema não é a União Europeia, o euro. É que com a União Europeia não existem mais as guerras”.

A América Latina, na opinião do correspondente, está se beneficiando daquilo que ainda não ficou “podre” na Europa:

“Há anos que os grandes filósofos estudam o futuro e dizem que o único modo para que o mundo seja melhor e mais feliz, sem guerras, seria com uma sociedade multicultural, sem problemas religiosos, com um grande ecleticismo, que as raças não existam mais”.

O Brasil, na opinião de Arias, reúne estas características, que seriam os valores do futuro. Arias acredita que a América Latina é uma grande “reserva de humanidade” e de valores capazes de acabar com a guerra e criar uma civilização mais solidária, mesmo nos países onde a democracia não está consolidada.

Para Arias, a esfera política na América Latina ainda está no estágio medieval. “É uma coisa velha. Você olha na Europa de hoje e não é que não exista corrupção. Nos Estados Unidos existe corrupção. Mas não existe impunidade”, afirmou o jornalista. Uma ampla reforma política movida pela sociedade seria a forma de alterar essa conjuntura.

Um país moderno como o Brasil, com tantas possibilidades, não pode conviver com falta de punição aos desvios de conduta de políticos e de funcionários públicos. Arias ressaltou que o Brasil daria um salto qualitativo com a reforma política. E a economia também seria beneficiada porque a política antiquada paralisa o crescimento econômico.

Religião como ofício

Na entrevista concedida a Alberto Dines, Juan Arias relembrou a experiência como correspondente na Itália e no Vaticano. Para Arias, a Itália daquele período era muito mais interessante que a atual. “Era um mundo de efervescência. Eu cheguei a escrever cinco artigos em um dia sobre coisas italianas. O jornal me pedia de tudo porque tinha assunto de tudo. E, depois, havia o Vaticano. É a coisa mais misteriosa e interessante para um jornalista porque é hermético”, disse. Arias acompanhou 100 viagens internacionais dos papas Paulo VI – o primeiro papa que usou um avião – e João Paulo II.

Dines comentou que cobrir o Vaticano para El País, uma publicação que defende o secularismo em um país de maioria católica, era um desafio. Arias destacou que desde a sua criação El País abre espaço para outras formas de pensamento. De acordo com Arias, a chefia do jornal pedia uma cobertura mais política do que religiosa. “O que poucos sabem é que quem deu o Estado ao Vaticano e quem converteu o papa em chefe de Estado foi Mussolini, em troca dos votos que os católicos dessem para o fascismo”, contou Arias.

Autor de diversos livros, Arias relembrou os tempos do sacerdócio e contou que os estudos que realizou na Universidade de Teologia e no Instituto Bíblico de Roma formaram uma base para que, anos depois, escrevesse sobre religião. “Eram superabertos [os professores]. Hoje, as minhas ideias são as ideias de antes, que são na linha do progressismo da igreja católica”, disse Arias. Seus livros não são religiosos ou devocionais, mas sim estudos históricos hermenêuticos dos textos bíblicos.

Em sua formação como jornalista, a Psicologia teve destaque. Arias contou que no exame para poder exercer a profissão na Itália, os alunos tinham que escrever um texto anônimo que depois era avaliado por um corpo de jornalistas e magistrados. “Como eu tinha feito Psicologia, fiz uma tese sobre os movimentos inconscientes que se dão em uma entrevista jornalística, que são os mesmos de uma entrevista terapêutica. O paciente não quer falar o que o psicanalista quer, e o entrevistado que não quer falar o que o jornalista quer ouvir. Tem toda uma série de mecanismos, é um jogo. E isso ajudou muito.”

Durante a ditadura franquista,o Estado espanhol negou a concessão de uma carteira de jornalista para Arias. Foi só na Itália que o correspondente conseguiu obter o documento. O jornalista explicou como é o processo de profissionalização na Itália:

“Você tem que começar a escrever em um jornal, durante um tempo, como prática. Depois, tem um exame escrito que é uma manhã inteira, dura quatro horas, tem vários temas. Eles analisam e quem passa nesta prova escrita vai a um exame oral. São 12 jornalistas e dois magistrados. E é público. Quando você acaba este exame o juiz, neste momento, diz: ‘Você é jornalista’. E te dão a carteirinha”.

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[Lilia Diniz é jornalista]