Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Jornalismo televisivo prima pelo simplismo

Em 25/10 assisti a reportagem do Fantástico sobre a ação dos missionários da Jovens com Uma Missão no Brasil (Jocum) trazerem índios suruahá para tratamento médico em São Paulo: uma mistureba de sensacionalismo e passionalidade. Nada muito diferente do que eles fazem sempre. É sina de jornalismo televisivo: imagens, imagens, falas editadas e conteúdo pífio. Toda notícia na TV tem a profundidade de uma montanha. Não havia assistido no domingo anterior, mas, segundo me disseram, a reportagem fora bem positiva ao trabalho realizado pelos missionários. Depois, voltou ao ‘normal’.

O jornalismo televisivo prima pelo simplismo, ainda mais quando se trata de jornalismo fantástico! Noticia uma tragédia onde morrem dezenas e, em seguida, mostra a nova moda brega. No mesmo pacote, ambas têm uma só objetivação: entretenimento.

Sobre a ‘notícia’ em específico da ação dos missionários da Jocum, vejamos: a) uma frase isolada de uma fonte; b) uma frase isolada de um texto do site; c) uma frase isolada de outra fonte. E a conclusão fantástica: os missionários têm objetivação religiosa! Meu Deus, eu estou abismado com a genialidade deste jornalismo: os missionários têm motivação religiosa? Descobriram a roda! Então eu posso dizer que os jornalistas da Globo têm motivação jornalística? Não dava para fazer uma coisinha menos pior? Isso é uma mistura de burrice com preguiça de investigar.

Nenhum aprofundamento da questão antropológica e da saúde pública. Por que a Funasa não tem atendido? Falta remédio? Falta dinheiro? Falta pessoal? Nenhuma crítica à (falta de) ação governamental. Qual a solução da Funai e do procurador? Retirar os missionários do campo. Ótimo! Os índios matam os recém-nascidos com deficiência e depois se suicidam – e a Funai continua desempenhando seu papel. Qual?

O grande ‘mal’

A fala do antropólogo é uma pérola. Como a Funai não dá a devida atenção, os missionários fazem barganha religiosa com a saúde. a) Admite que a Funai não cumpre sua função; b) admite que os missionários cuidam da saúde. Ao ensejo, qual é o papel do antropólogo nesta história, além de fazer ‘análise’ para a TV?

Se os antropólogos são os únicos que têm total acesso a estes povos, inclusive usando dinheiro público, porque eles não minoraram estas condições? A ação antropológica, pelo visto, se restringe, a ajudar a preservar o isolamento do grupo para o benefício da integridade étnica cultural, conquanto os suruahás continuem cometendo suicídio e infanticídio rituais. Não é sem motivo que, no meio acadêmico, antropólogo é conhecido como ‘legalizador de taras’. Pois, na medida em que estas práticas rituais sejam ‘destruídas’ pelos missionários, coitados dos antropólogos, perderão um amplo campo de pesquisa. Por amor à ciência, eles bem que poderiam realizar uma pesquisa participativa. Para a TV seria uma reportagem fantástica!

Qual é, enfim, o grande ‘mal’ da ação missionária? Ter tirado os índios da aldeia para trazê-los para tratamento médico na cidade. De fato estes missionários merecem uma ação justa da procuradoria federal, uma reprimenda da Funasa, uma expulsão da Funai e toda uma condenação científica. Salvar vida de índios é um crime. Selvagens isolados em seus costumes primitivos, ao serem trazidos para nosso meio, vão usufruir do nosso sistema de saúde; vão conhecer os benefícios de nossa civilização e não vão querer mais voltar ao seu primitivismo! Índio bom é índio morto, suicida, primitivo, selvagem em seu estado natural o mais longe possível. Afinal eles estão assim há 500 anos, e mesmo com ajuda do governo e da ciência não conseguimos matá-los em definitivo. Mas se os deixarmos assim só mais um pouquinho de tempo não será necessário lembrarmos deles. Para manter isso como estar, já temos a Funai executando seu papel tutelador.

Portanto, a Procuradoria precisa agir rápido, senão os missionários salvam os índios das doenças, dos suicídios e dos infanticídios, e os antropólogos não poderão salivar diante das taras e fazer suas teses acadêmicas. E o Fantástico ficará cada vez menos fantástico!

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Diretor pedagógico do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos