Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalista agredido no aterro sanitário

Seis homens, com idade entre 30 e 50 anos, agrediram covardemente Paulo de Tarso Venceslau, diretor de redação do jornal Contato, que se encontrava com o repórter Alan Brito, na tarde de terça-feira 15/3, nas dependências do aterro sanitário da Prefeitura de Taubaté. Suas únicas armas eram blocos de anotações e uma câmera fotográfica para conferir denúncias recebidas. Os algozes, policiais militares aposentados, segundo a própria polícia, tentaram impedir que fosse registrado o cotidiano dos que vivem do lixo reciclado. Conseguiram apenas reforçar a convicção profissional de Brito, que realizava sua primeira reportagem depois de formado em jornalismo pela Unitau, em 2004.

Há cerca de 10 dias, nossa redação recebeu uma denúncia: os separadores de lixo haviam voltado para a aterro sanitário depois de terem sido de lá afastados pela administração de Bernardo Ortiz. Essa volta só teria sido viabilizada graças a um acordo que teria sido feito entre o então candidato Roberto Peixoto (PSDB) com os catadores. Pelo acordo, eles poderiam voltar para o aterro caso o candidato fosse eleito.

Nossa fonte dizia ainda que uma favela estaria sendo construída no entorno do aterro. Já haveria inúmeras casas de madeira e até de papelão.

Imediatamente, nossa reportagem solicitou que a assessoria de imprensa da prefeitura, mais especificamente o senhor Carlos Alberto Silva, providenciasse autorização junto ao DSU – Departamento de Serviços Urbanos – para ter livre acesso ao aterro sanitário. Todos os dias nossos repórteres ligavam para a assessoria de comunicação e a resposta era era sempre a mesma: estamos providenciando junto a Sérgio Varallo, diretor do DSU, e ao engenheiro Paulo Roberto, responsável pelo aterro.

A demora e o pouco caso eram indícios de que haveria alguma irregularidade. Caso contrário, nossas autoridades já teriam liberado o acesso ao órgão público. E se irregularidades houvesse, o atraso premeditado poderia indicar que eventuais provas poderiam estar sendo devidamente ocultadas ou removidas.

Diante desses cenários, cientes de que cabe à imprensa informar aos seus leitores e à população os erros e acertos dos poderes públicos, decidimos enfrentar o desafio colocado pela própria prefeitura: ir até o aterro e registrar os fatos.

Preâmbulo da violência

Na terça-feira 15, depois de mais uma frustrada tentativa junto à assessoria de comunicação, nosso diretor de redação e seu mais jovem repórter Alan Brito, 23 anos, recém-formado em jornalismo pela Unitau, partiu para a empreitada. Na estrada de Sete Voltas, pouco antes da Faculdade de Agronomia, uma placa sinaliza, à esquerda, a entrada para o aterro sanitário.

Dentro do pátio, funcionários do local disseram que não seria permitida nossa entrada, revelando que muito provavelmente os mesmos estivessem devidamente instruídos para impedir a entrada da imprensa. Curiosamente, catadores de lixo tinham livre acesso. Pacientemente, informamos que somos cidadãos e contribuintes e que aquele aterro era mantido com nossos recursos. Diante da insistência de nossa reportagem, um funcionário uniformizado ligou e conversou longamente com o engenheiro Paulo Roberto, responsável pelo aterro. Tudo indicava que não haveria qualquer explicação ou autorização. Diante do impasse, fechamos o automóvel e seguimos para o aterro própriamente dito, a cerca de 500 metros da portaria, onde começa o terreno onde é descarregado o lixo.

Enquanto isso, o interlocutor do funcionário do aterro, muito provavelmente, providenciava a ida de seguranças que formam a chamada e temida ‘Ronda da Prefeitura’, para impedir à força nossa entrada no local. Essa Ronda, segundo fontes da própria polícia, é formada por policiais militares, em geral reformados, sem qualquer preparo para se relacionar com quem quer que seja. Como ficou evidenciado, eles só conhecem a linguagem da força bruta. Pelo menos um catador denunciou que até tiros eles já deram contra os trabalhadores que vivem do lixo.

Encontramos, na estrada que conduz ao depósito de lixo, alguns catadores. Jovino Soares de Andrade, 28 anos, disse que passa o dia inteiro recolhendo e separando o lixo. ‘Estou desempregado e essa é minha única renda. Tenho uma esposa e um filho para sustentar. Aqui cada um tem seu lugarzinho. A gente separa e deixa guardado no mato’, disse o catador, que mora com sua família no Jardim América.

Andrade contou que na época em que o ex-prefeito José Bernardo Ortiz foi candidato a prefeito de Taubaté, ele liberou para os catadores realizassem seu trabalho. ‘Depois de eleito, Ortiz não permitiu mais nossa entrada no aterro. E tem mais, quando descobriam que a gente estava recolhendo o lixo os seguranças da prefeitura nos colocavam para correr. Até davam tiros.’

O catador de lixo Paulo Donizette, 22 anos, disse que eles [catadores] só tiveram acesso ao aterro depois que o atual prefeito Roberto Peixoto foi eleito. ‘Antes os seguranças não deixavam. Várias vezes já tive que fugir e me esconder o meio do mato. Ficava todo machucado.’

Donizette também contou que há pessoas que moram em barracos de papelão dentro do próprio aterro. ‘Se você entrar ali no meio do mato, vai ver’, disse.

Valéria Aparecida, 19 anos, afirmou que essa é a única renda que tem. ‘Antes a gente recolhia o lixo e tinha que carregá-lo até lá em cima, na portaria. Agora, o prefeito permitiu que uma vez por semana entre o carro da reciclagem. E a gente passou a vender para ele aqui embaixo mesmo.’

Agressão consumada

Depois disso, a coisa esquentou. Primeiro chegaram dois seguranças de moto, que questionaram nossa presença no aterro. Começaram a levantar o tom da voz e, no momento, em que seriam fotografados tentaram tirar a máquina fotográfica com violência, impedindo que a foto fosse registrada.

Logo em seguida, chegaram mais dois seguranças em uma viatura. Um moreno alto, com mais de 50 anos, se apresentou como Sargento. No primeiro momento conversaram com calma mas logo depois levantaram a voz. Pouco depois, chegou mais um carro, com outros dois seguranças. Um deles, de estatura mediana, atarracado, cabelo grisalho, foi o mais violento. Eles já chegaram gritando que ‘se preciso sairíamos à força.’

Falavam que nós não tínhamos autorização. Que o aterro é um local público, mas que não é aberto ao público. No meio da discussão, os seguranças agrediram o diretor do Jornal Contato, Paulo de Tarso, com chutes e empurrões.

Os seguranças queriam também tomar o bloco onde estavam anotadas as placas das viaturas da prefeitura. Diziam que se tirássemos as fotos deles, eles quebrariam a máquina e nos agrediriam. ‘Lá embaixo não tem ninguém para testemunhar nada. E se houver será a palavra de nós seis contra a de vocês dois’, berrava o segurança de cabelos grisalhos. Diante das amaeaças explícitas, foi retirada e rasgada uma parte das anotações onde estavam registradas as placas e números das viaturas. Mas não conseguiram apagar da memória dos jornalistas o número 396 gravado na lateral de um Gol branco.

Escoltados até a saída, entramos no nosso automóvel. Naquele momento, nossa indignação era muito maior do que a sensação de alívio. Seguimos para a Delegacia de Polícia para registrar o Boletim de Ocorrência. (ver box)

Democracia ameaçada

Diretor de redação do jornal Contato, Paulo de Tarso Venceslau, 61 anos, foi preso e torturado pela ditadura militar que o encarcerou por mais de 5 anos.

Alan Brito, 23 anos, recém-formado em Jornalismo pela Unitau, fazia sua primeira reportagem.

Tarso nunca havia conversado sobre sua história de vida com o repórter, que mal começara suas atividades na redação do jornal.

Solicitado a colocar suas impressões pessoais, o jovem repórter, que nasceu quando a ditadura estrebuchava, relacionou a agressão com a ditadura militar que ele só conhece através dos livros.

Se jornalistas credenciados e conhecidos são tratados com a violência relatada na reportagem, pode-se imaginar o já deve ter acontecido com nossos irmãos que vivem dos restos lançados ao lixo da cidade. Se tiros já foram disparados contra os catadores, pode-se indagar o que esses simulacros de gente podem ter feito com catadores que, eventualmente, possam ter sido feridos.

Contato vai tomar providências legais para punir os covardes agressores e também para dar continuidade a reportagem interrompida. Torce para que seja quebrado o enorme silêncio que se abateu sobre o governo de Roberto Peixoto. E tem esperança de que toda essa violência seja um fato isolado e não o prenúncio do retorno de tempos passados, incompatíveis a democracia.

A ditadura envergonhada

** Alan Brito

Eu pensava que a ditadura no Brasil tivesse sido extinta em 1985. Porém, aqui, em Taubaté, verificamos que alguns funcionários públicos não têm conhecimento desse fato. Seis seguranças da prefeitura, expulsaram a mim e ao diretor de redação do jornal Contato do aterro sanitário, ‘um local público.’ Além disso, agrediram fisicamente Tarso. Será que esses ‘profissionais’ estão realmente capacitados para realizar esse tipo de serviço?

A reportagem foi feita na terça-feira, 15, mas tive a sensação de que estávamos em dezembro de 1968. Logo após ser decretado o AI 5 (Ato Institucional número cinco), em plena ditadura escancarada.

Essa foi minha primeira experiência como jornalista formado. Posso dizer que fiquei meio assustado, mas aprendi bastante. Principalmente, que o profissional dessa área deve estar sempre atento aos detalhes. (A.B.)