Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalista é processado em São José dos Campos

O que de tão sério teria acontecido para estremecer o relacionamento afetuoso entre prefeito joseense Eduardo Cury (PSDB) e o radialista e jornalista Antonio Leite?

Com todo o espaço na Rádio Planeta FM e na TV Band Vale, o prefeito era coberto de elogios e até tratado carinhosamente. ‘O Eduardinho foi a única pessoa que me visitou quando fui mandado embora da Rádio Piratininga e passava por dificuldades financeiras’, repetia Antonio Leite. Mas, no decorrer da última campanha eleitoral, os ‘manos’ se estranharam e o bicho pegou.

Uma ação judicial do PSDB do prefeito e mais 14 partidos contra Antonio Leite pôs fim aos beijos e abraços. A partir daí, apesar de Leite afirmar não guardar rancor e que as suas portas estão abertas ao prefeito, as escaramuças são constantes. Além do prefeito, os secretários deixaram de comparecer ao Jornal das Sete e ao Antonio Leite Livre, comandados pelo jornalista. Ultimamente, os espaços foram ocupados pelos adversários do prefeito. O vereador Wagner Balieiro (PT), por exemplo, não se cansa de denunciar as obras paralisadas, inacabadas e até superfaturadas da administração Eduardo Cury.

‘Se briga até com mulher’

Na tentativa de esclarecer o assunto, fomos procurar Antonio Leite na Planeta FM, na manhã do dia 24 de agosto.

Como você sente sendo a maior audiência do Vale do Paraíba?

Antonio Leite – Estou São José dos Campos desde 1959. De lá para cá, o povo sempre me acompanhou. Isso me faz muito bem.

Dizem que a sua audiência cresceu quando o prefeito e os secretários municipais abandonaram seus programas, isso é verdade?

A.L. – Não é a primeira vez que um prefeito se afasta de mim. Com o Emanuel Fernandes (PSDB) foi a mesma coisa. Ele ficou um ano, oito meses e dez dias sem vir aqui, até que reapareceu. Acho que a mesma coisa acontecerá com o Cury, um belo dia ele vai surgir e falar.

O carinho especial que você tinha pelo Eduardo Cury era grande, o homem passou anos sendo elogiado e, de repente, some. O que aconteceu?

A.L. – Ele desapareceu, a vida é assim mesmo, temos que nos acostumar. Mas, quer saber, também não está fazendo falta.

O prefeito sempre foi seu amigo, ia à sua casa, e agora te processa. O que acha disso?

A.L. – Isso é comum, se briga até com a mulher. Acho normal.

‘Querem 20 mil reais de indenização’

E como ficou a sua audiência?

A.L. – Aumentou, e muito. Fiquei mais livre.

Como é fazer rádio e televisão?

A.L. – O fato é que sempre tivemos uma grande audiência no rádio, graças ao estilo que lancei. Antigamente não era assim, funcionava a ‘gilette press’ – se recortavam as notícias dos jornais e se lia no ar. Em 1961, resolvi fazer um programa de rádio diferente e o mantenho até hoje. O povo gostou, participa dos debates. Foi por isso que nos transformamos nesse grande sucesso. Todo mundo nos escuta e, de cinco anos para cá, nos vê na telinha da Band. Meu programa pode não ser o melhor, mas é diferente e tem até gente querendo imitar.

Comunicar a verdade costuma gerar problemas com a polícia, com os concorrentes, e principalmente com os políticos. Como se sente sendo processado pelo PSDB, o partido do prefeito?

A.L. – O dele e mais 15 partidos. Para mim foi um orgulho. Nenhum jornalista brasileiro sofreu isso. É mais ou menos como o cidadão falar que é motoqueiro sem nunca ter caído da moto, sem nunca ter quebrado um braço ou perna. Ele pode até falar que é, mas não é.

Qual foi o motivo do processo. Injúria, calúnia?

A.L. – Rapaz, eu nem entendo disso. Quem pode falar é a minha advogada, a dra. Tânia Nogueira, que tem se saído muito bem. O último processo está para ser julgado em Brasília, querem vinte mil e tantos reais de indenização, sei lá por que. Afirmam que eu teria atrapalhado o PSDB e os outros partidos nas últimas eleições. Vamos aguardar.

‘Eles continuam apelando’

Pessoalmente, como se sente?

A.L. – Estou bem, vou muito bem, obrigado. Indo para a praia nos finais de semana, andando de barco, levando a vida que eu gosto na roça. Pessoalmente, estou bem, mas que a cidade está ruim hoje, isso está. Vamos aguardar…

Se o Eduardo Cury quiser retornar aos seus programas, como é que fica?

A.L. – Os 15 partidos já usam e abusam da nossa rádio. O presidente da Câmara Municipal, o vereador Alexandre da Farmácia, falou em nosso processo, afirmou que o PR dele nada tem contra mim e nem autorizou a Claude Mary, secretária municipal de governo, a colocar o partido contra mim. Eles continuam apelando, não sei por que. Quem pode falar é a dra. Tânia Nogueira.

‘Abuso de poder político’

Fomos procurar Tânia Nogueira. A advogada é curitibana, mas reside em São José dos Campos há 30 anos, onde cursou Direito, fez sucesso e foi agraciada com o título de Cidadã Joseense. Já sofreu perseguições, além de terem disparado mais de vinte tiros contra a fachada de seu escritório. Casada com o radialista João Carlos Alckmim, com quem tem duas filhas, Tânia nos recebeu em seu escritório na tarde da quarta-feira (26/8).

Por que o Direito?

Tânia Nogueira – Desde menina, sempre quis fazer Direito. A minha intenção era fazer a USP, mas prestei vestibular e fui aprovada na Faculdade de Direito de São José dos Campos, no começo de 1977. Como era a quinta melhor do estado e uma das melhores do país, minha mãe optou por me matricular aqui. Na época era menor de idade, entrei na faculdade aos dezessete anos.

Como foi o seu começo?

T.N. – De cara, abri um escritório no edifício Vip Center com o dr. José Renato Azevedo, também recém-formado. Ele começou como meu estagiário e quando desmanchamos a sociedade foi para Santos.

No Direito como gosta de atuar?

T.N. – Gosto de Direito Civil e Criminal. Não entendo nada de Trabalhista, nem de Tributário. Às vezes, faço alguma coisa no Administrativo, já que, no começo da carreira, fui contratada pelo Centro Social dos Cabos e Soldados da Polícia Militar para fazer as defesas administrativas.

Você é advogada de pessoas conhecidas na cidade, do Carlinhos de Almeida, da Amélia Naomi e do radialista Antonio Leite. Por que ele foi processado pelo PSDB e outros partidos políticos?

T.N. – Durante o período eleitoral as rádios e TVs não podem fazer campanha política. Até então o prefeito Eduardo Cury frequentava semanalmente a Rádio Planeta e até se brincava na cidade que a Planeta era o diário oficial da cidade, de tanto que o pessoal da prefeitura aparecia por lá. No decorrer do período eleitoral, surgiu um problema grave, em relação ao transporte coletivo. Havia acontecido uma licitação recente, os funcionários temiam por seus empregos e, de fato, alguns deixaram suas funções. A discussão se acalorou e o Antonio Leite divulgou os fatos, inclusive que muitos condutores haviam ficado sem salários. Essa publicação foi mencionada na sentença judicial do dr. Nishida. Ele afirmou que ‘o radialista Antonio Leite estava com a razão, já que os funcionários não poderiam ficar sem receber os salários’.

E a representação?

T.N. – A partir dos fatos acima, a coligação do prefeito Eduardo Cury fez uma representação junto à Justiça Eleitoral alegando que a Rádio Planeta estava sendo usada para privilegiar o candidato da oposição e prejudicando a imagem do prefeito enquanto candidato.

A representação partiu do prefeito Eduardo Cury?

T.N. – Foi a coligação que, além dessa representação no âmbito criminal – abuso do poder político –, fez outra cobrando a aplicação de uma multa em face de reportagens veiculadas. Uma na 127ª Zona Eleitoral e a outra na 411ª, onde a juíza entendeu pela aplicação da multa e recorremos ao Tribunal Regional Eleitoral. Já a representação criminal foi arquivada pelo juiz de Primeira Instância e a coligação não recorreu. Quanto à multa, que foi mantida, nós recorremos a Brasília. Entretanto, na antevéspera das eleições, a coligação entrou com uma nova representação em face de abuso do poder político do veículo de comunicação. Só que desta vez disse o que não havia dito: que o candidato de oposição que teria sido beneficiado com as reportagens seria Carlinhos de Almeida, do PT.

‘A rádio não podia deixar de noticiar’

E o que aconteceu?

T.N. – Instaurou-se o procedimento e o juiz mandou as pessoas se manifestarem. Nesse caso. eu fiz a defesa do Antonio Leite. A do Carlinhos de Almeida ficou a cargo de outro colega. Recentemente, a representação foi arquivada e o juiz assim se manifestou: ‘Se o candidato da coligação, Eduardo Cury, havia sido eleito em primeiro turno, com esmagadora maioria, estava claro a inexistência do abuso do poder político.’ E mais, o que havia sido veiculado era tão somente matéria jornalística que o cidadão tem direito de acessar.

E como ficou?

T.N. – A outra representação está no Superior Tribunal Eleitoral, onde o relator é o ministro Joaquim Barbosa. Nesse ínterim, fui procurada pelo advogado do PR, o dr. Denis que me informou que o partido não havia dado poderes à Secretaria Executiva da Coligação para processar o jornalista Antonio Leite e que não concordava com isso. Que a coligação havia sido feita com fins políticos, e não para entrar com ações judiciais em nome do PR. O fato foi oficializado e comunicado aos tribunais competentes, estamos aguardando o julgamento.

No caso do Antonio Leite sair vitorioso, o que vai acontecer?

T.N. – Vamos aguardar o julgamento. Se nos for favorável, ele pode, lá na frente, analisar a questão. Mesmo porque havia um relacionamento de amizade entre ele e o prefeito Eduardo Cury que acabou esfacelado em razão desses acontecimentos. A verdade é uma só: a Rádio Planeta não poderia deixar de noticiar os fatos, sob pena de se descaracterizar como veículo de comunicação.

De repente, tudo isso está sendo benéfico para o processo de democratização de São José dos Campos?

T.N. – Tenho para mim que está sendo muito bom para os que acompanham os acontecimentos. Eles irão saber quem é quem e como pensam as pessoas envolvidas, principalmente em se tratando dos políticos.

Como a advogada Tânia Nogueira se posiciona?

T.N. – Já me ameaçaram várias vezes, já dispararam vinte e tantos tiros na porta do meu escritório. Apesar disso, me sinto fortalecida por ter os amigos que tenho, em quem posso me espelhar e não desistir. É minha intenção fazer o que estou fazendo até morrer.

Jeito simples

Antonio Leite, 75, é natural de Pindamonhangaba, SP, onde, aos 16 anos de idade, já era locutor do Serviço de Auto Falante Paraíba. Em 1952, integrou a equipe de locutores da Rádio Difusora de Pindamonhangaba. Em 1954, já era repórter da Rádio Difusora Taubaté AM, onde atuou com grandes nomes da comunicação, como Célio Moreira e Paulo Augusto de Almeida, o responsável pelo ingresso de Leite no rádio. Na época, trabalhavam com Leite os radialistas Silva Neto e Anacleto Rosa Júnior, também um grande compositor de música sertaneja. Em 1956, eram lançados pela Rádio Difusora Taubaté os cantores Tony e Cely Campelo.

Em 1959, convidado por Aniz Mimessi e Joaquim Fernandes, Antonio Leite ingressou na Rádio Clube de São José dos Campos, onde fez crescer a audiência até 1971, quando se transferiu para a Rádio Piratininga e onde trabalhou por 34 anos mantendo a audiência em primeiro lugar. Em 2002, com seu filho Carlos Alberto Leite, assumiu a direção da Rádio Planeta Diário FM, hoje emissora das mais fortes do interior paulista e primeiro lugar em audiência em São José dos Campos e no Vale do Paraíba. No dia 13 de outubro de 2003, convidado pelo diretor Cláudio Giordani, começou a apresentar o programa Antonio Leite Livre, diariamente às 12:50 horas. Leite repetiu o sucesso radiofônico e colocou a TV Band Vale em primeiro lugar em audiência no horário.

O sucesso de Antonio Leite vem do seu jeito simples de ser e da maneira amiga que trata a todos durante seus programas ou pelas ruas das cidades do Vale do Paraíba.

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Jornalista, São José dos Campos, SP